Quando é que esquecemos o fantástico em nossas vidas? Em uma narrativa melancólica, Wells nos apresenta um personagem que nos fala com nostalgia das oportunidades que ele teve de atravessar aquela porta que ficava no muro.
Sinopse:
Escrito por H. G. Wells, conhecido como pai da ficção científica moderna, e publicado pela primeira vez em 1906, “A porta no muro” nos levará ao mundo de lembranças do nosso protagonista, que certa vez encontrou uma misteriosa porta verde numa parede branca. Cada decisão tomada por ele em diferentes momentos da vida é uma porta que se abre. E cabe a nós confiar no narrador enquanto ele nos guia através dessa jornada cheia de alegorias sobre o conflito da humanidade, entre atender ao chamado dos nossos sonhos ou a expectativa da sociedade.
O narrador está nos contando uma história de quando seu amigo Lionel Wallace lhe contou sobre a porta no muro. Inúmeras vezes ele teria visto essa porta no muro. Somente uma vez ele entrou e foi durante a sua infância. E lá ele viu coisas fantásticas. Seres que ele não poderia explicar nesse mundo. Dentro desse lugar as coisas pareciam leves e maravilhosas. Era a felicidade plena. Só que ele precisava voltar para casa. Desde então ele nunca mais conseguiu entrar na porta. Todas as vezes em que ela aparecia para ele havia sempre alguma coisa que o impedia de entrar. Wallace se recorda com muita nostalgia desse momento e gostaria de poder novamente ter aqueles instantes de felicidade dentro do jardim no interior da porta no muro.
Esta alegoria da porta no muro tem tantas interpretações possíveis que daria para ficar horas debatendo a respeito. Antes de mais nada eu quero elogiar a tradução da Regiane Winarski porque o Wells tem alguns textos que são bem chatos de serem lidos (tipo ainda estou para ver uma tradução boa de O Ano do Cometa) e este conto ficou ótimo. Nem parece um conto do Wells de tão fluida que está a história. Brincadeiras à parte, acho o Wells melhor contista do que romancista. O sistema mais limitado do conto faz com que ele precise ser mais sintético em suas ideias. O resultado são histórias maravilhosas como A Estrela, O País dos Cegos, Pollock e O Homem de Porroh, O ovo de cristal e tantos outros.
A ideia da porta no muro pode ser entendida como a perda da nossa capacidade de fantasiar, da inocência na infância. Quando crescemos, nos tornamos parte de uma sociedade que coloca responsabilidade em cima de responsabilidade em nossos ombros. Trabalho, família, contas. Não há espaço para pensar em elfos, duendes ou jardins secretos. Em alguns momentos nossa mente até deseja voltar àqueles momentos nostálgicos da infância, e isso podemos entender como as vezes em que Wallace visualizou a porta no muro ao longo de sua vida. Quando chegamos a um momento de crise ou a uma certa etapa de nossas vidas, ansiamos por esses momentos quando tudo era mais simples e as responsabilidades não existiam.
Ao mesmo tempo, a porta no muro pode ser entendida como a porta da vida. Ela aparece em diferentes momentos da vida do protagonista. Na infância ele pôde entrar porque anda não conhecia os segredos do mundo. Tinha toda uma vida pela frente. O jardim lhe abriu as portas como uma maneira de lhe dar um momento fugaz. A próxima vez em que ele puder entrar na porta será o momento de partir desta vida para todo o sempre. Por essa razão, seu instinto sempre lhe dizia que não era a hora de ele entrar na porta. Por mais que ele ansiasse entrar, lá no fundo ele sabia que ainda não era este momento. Tem um trecho no conto em que Wallace descreve as maravilhas do jardim, mas com um certo temor. Porque ele sabe o que entrar no jardim representa.
Mais um acerto da Wish e eu tenho adorado receber estes contos todo o mês na minha caixa de email. Já se tornou um dos meus pasatempos favoritos. Todos bem formatados, com texto bem preparado, tradução excelente. A Wish capricha no material que envia para os seus leitores. E se você ainda não conhece a Sociedade das Relíquias Literárias dá uma conferida lá. É um catarse recorrente. Você pode receber esse e outros contos na sua caixa de e-mail todos os meses.
Ficha Técnica:
Nome: A Porta no Muro
Autor: H.G. Wells
Editora: Wish
Tradutora: Regiane Winarski
Número de Páginas: 79
Publicado originalmente em 1906
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