Na segunda parte do relato de John Lewis, vemos como o movimento pelos direitos civis dos negros atinge um momento de definição. As manifestações se tornam mais violentas e chega finalmente a hora da Marcha em Washington.
Sinopse:
O congressista John Lewis, ícone americano e uma das figuras centrais do Movimento pelos Direitos Civis, continua sua premiada trilogia degraphic novelscom o co-autor Andrew Aydin e o artista Nate Powell. Agora, o Livro 2 de A Marcha traz à vida a história do movimento para uma nova geração.
Após o sucesso do protesto de Nashville, John Lewis está mais decidido que nunca a mudar o mundo por meio da não violência – mas ao embarcar em um ônibus rumo ao coração feroz do Sul dos Estados Unidos, ele e seus companheiros, os Viajantes da Liberdade, são testados como nunca antes. Enfrentando agressões, brutalidade policial, prisões, incêndios criminosos e até mesmo assassinato, os jovens ativistas arriscam a vida enquanto conflitos internacionais ameaçam destruí-los.
Mas sua coragem vai chamar a atenção de aliados poderosos, desde Martin Luther King Jr. até o procurador-geral Robert F. Kennedy. E uma vez que Lewis é eleito presidente do Comitê Coordenador Estudantil Não-Violento, o jovem de 23 anos alcançará os holofotes, se tornando um dos “Grandes Seis” líderes do Movimento pelos Direitos Civis e uma figura-chave na marcante Marcha sobre Washington por Trabalho e pela Liberdade em 1963.
Este segundo volume retoma a narrativa do volume anterior mostrando o desenvolvimento de John Lewis nos grupos de defesa dos direitos civis dos negros. Em um momento como esse mês de maio e junho de 2020 em que novamente se volta a discutir como o Estado persegue a população afrodescendente, uma HQ como A Marcha se torna ainda mais essencial para nós como sociedade. Parece providencial e premonitório o quanto a trajetória de John Lewis espelha os problemas vividos ainda hoje. O Brasil aparece como um expoente negativo nessa luta étnica já que o preconceito que era sutil, porém latente nas entranhas formadoras do país ganharam vulto após um recuo conservador nos últimos anos, colocando o lado elitista e patriarcal na frente de ações nitidamente antidemocráticas.
Artisticamente falando esse é um volume bem mais carregado do que o anterior e isso está claro em um emprego maior do preto e das sombras. Powell nos mostra toda a sua habilidade em dar poder às cenas, seja através do emprego de uma quadrinização não habitual, ou pelo simples posicionamento dos personagens em cena. Uma simbologia legal empregada ao longo de toda a HQ é que personagem está na frente ou no fundo. Por exemplo, todas as vezes em que Martin Luther King está presente, a arte o mostra proeminente e no centro. Já John Lewis ora está centralizado nos quadros quando se trata de uma reunião de seu grupo ou mais ao fundo quando em cerimônias oficiais. Só vou reclamar um pouco que esta HQ ficou muito carregada de palavras. Entendo a necessidade de apresentar melhor os fatos históricos, já que esse é um momento-chave para a luta pelos direitos civis nos EUA, mas o primeiro volume foi altamente elogiado justamente pelo fato de o artista não ter empregado tanto o letreiramento.
Só recomendo aos leitores que forem mais sensíveis que esse segundo volume tem algumas cenas de violência bem pesadas. Isso porque ela representa o acirramento das tensões entre os negros em luta e os brancos conservadores. Os momentos tensos das viagens pela liberdade e quando eles ficaram presos no Alabama são terríveis. Recomendo bastante calma nessa leitura, e caso necessário, respire um pouco e depois retome. Por ser baseado em fatos reais, julgo essencial a manutenção dos fatos assim como eles se deram. Portanto, não dá para aliviar nesse sentido.
A narrativa segue um ritmo frenético do início ao fim. É importante destacar a transformação de John Lewis ao longo de sua jornada. De alguém que acabou se interessando pelos problemas dos negros a um líder de um movimento organizado. Em vários momentos ele teve a oportunidade de simplesmente desistir e tomar um rumo diferente. Mas, o seu chamado foi importante. Era algo que vinha de seu coração. Momentos em que sua vida foi colocada em perigo, quando ele foi preso, quando ele sofreu ataques físicos de brancos do sul. Uma cena emblemática que diz muito sobre como Lewis teve importância para esse momento transformador é o quanto ele tocou o coração de Robert Kennedy. A confissão do procurador-geral para ele foi algo surreal. E essa é a recompensa por uma luta justa: provocar o diálogo, promover a mudança.
Esse segundo volume é muito carregado. E aí dá para perceber o quanto da colonização e do escravismo sulista afetou a forma de ver o mundo das pessoas. Para quem acha que existe algum tipo de exagero no roteiro de Aydin, está muito enganado. É ali que está a base conservadora dos EUA, os defensores do porte de armas, aqueles que não entendem um mundo com igualdade social. Em determinado momento da narrativa somos colocados diante de pessoas que enxergam os manifestantes como menos do que seres humanos. É revoltante mesmo. Houve um lobby pesado para tratar os manifestantes como criminosos, porque somente dessa forma atos de violência policial seriam minimizados. É algo semelhante ao que acontece neste mês de maio e junho de 2020 nos EUA. Lewis teve problemas sérios nos estados de Minnesota e Alabama, sendo que no primeiro foi onde George Floyd foi morto pelo policial. A gente vê as cenas das agressões contra os membros do grupo de Lewis e eu consigo imaginar o mesmo se repetindo hoje. Por forças institucionais que deveriam preservar a lei e a ordem.
Vale destacar também como a narrativa é honesta e mostra que o movimento tinha suas diferenças. De um lado encontramos pessoas como Lewis que tinham regras de conduta pacifista e não desejavam a violência em seus protestos, apenas marcar seu ponto. De outro, homens com Malcolm X e tantos outros que não ficavam calados diante da violência e tinham seus momentos de revide. Mas, o diálogo e a opinião majoritária vencia no final. Havia também a necessidade de estudar a legalidade das ações e até onde eles poderiam ir em determinado lugar dos EUA. O nível de organização do movimento negro era incrível e os contatos com homens como Kennedy se tornou constantes. Se tornou essencial cobrar das autoridades uma mudança de postura. Para chegar até o ponto da marcha foi essencial todos esses passos anteriores.
A marcha em si foi um momento emocionante da HQ. Tudo culminava para aquele momento. Quando corações e mentes se tornariam um só, onde interesses precisavam ser deixados de lado em prol da igualdade. Os bastidores da marcha foram bem examinados pelo roteiro e nesse ponto é que eu digo que a HQ é uma narrativa muito honesta sobre esses momentos transformadores. Nenhuma pedra é deixada virada. Os grupos de interesse do movimento são apresentados e cada um deles tinha sua agenda. Fica o meu destaque para como a figura de Bayard recebeu seu mérito, um negro gay e que foi o homem por trás de toda a organização da marcha. Foi as mãos da construção daquilo que culminaria no final. |Conhecemos o famoso discurso de King sobre o sonho, mas eu gostei de ver um outro lado, o de Lewis e suas revindicações e cobranças sobre a luta do negro no sul dos EUA.
A Marcha é uma HQ fenomenal. Não à toa recebeu prêmios por onde passou. O roteiro arrepia a nossa pele. Sempre temos algum momento emblemático que serve como estopim para que Lewis continue sua narrativa. No primeiro volume foi o de uma criança entrando em sua sala e querendo saber um pouco mais sobre o senador; neste segundo volume é o momento da posse de Barack Obama em que ele faz o seu juramento à nação. A maneira como as cenas do discurso de Lewis se mesclam à da posse de Obama é sensacional. Só tenho a elogiar essa HQ, a dar 5 estrelas sem pensar muito.
Ficha Técnica:
Nome: A Marcha vol. 2
Autores: John Lewis e Andrew Aydin
Artista: Nate Powell
Editora: Nemo
Gênero: Não-Ficção
Número de Páginas: 192
Ano de Publicação: 2019
Outros Volumes:
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