Um pai e seu filho caminham por uma estrada em um mundo devastado. A sobrevivência de ambos depende um do outro. A Estrada é uma linda história do amor de um pai por um filho mesmo em situações extremas.
Sinopse:
Num futuro não muito distante, o planeta encontra-se totalmente devastado. As cidades foram transformadas em ruínas e pó, as florestas se transformaram em cinzas, os céus ficaram turvos com a fuligem e os mares se tornaram estéreis. Os poucos sobreviventes vagam em bandos. Um homem e seu filho não possuem praticamente nada. Apenas uns cobertores puídos, um carrinho de compras com poucos alimentos e um revólver com algumas balas, para se defender de grupos de assassinos. Estão em farrapos e com os rostos cobertos por panos para se proteger da fuligem que preenche o ar e recobre a paisagem. Eles buscam a salvação e tentam fugir do frio, sem saber, no entanto, o que encontrarão no final da viagem. Essa jornada é a única coisa que pode mantê-los unidos, que pode lhes dar um pouco de força para continuar a sobreviver. A Estrada representa uma mudança surpreendente na ficção de Cormac McCarthy e talvez seja sua obra-prima. Mais que um relato apocalíptico, é uma comovente história sobre amadurecimento, esperança e sobre as profundas relações entre um pai e seu filho.
A Estrada é uma daquelas histórias magníficas, mas dolorosas à beça. Aquela narrativa que te deixa mal depois que você a termina. Você quer estar junto dos personagens e ajudá-los de alguma forma. Acompanhar o calvário deles é uma tarefa ingrata, mas que acompanhamos até o final esperando que no final exista um raio de esperança para eles. Não há. Cormac McCarthy deixa isso claro desde o começo, mas nos enganamos a cada etapa da história imaginando que algo pode acontecer a eles e mudar seu rumo.
Já preparo os leitores logo de cara avisando que Cormac não gosta muito da separação por capítulos. A história corre direto e sem parar ao longo de pouco mais de duzentas e trinta páginas. Vai em um fôlego só. A escrita do autor também é diferente: da maneira como ele constrói o parágrafo até a sua formação de diálogos. Para mim, cada parágrafo parece ser uma cena acontecendo (isso porque ele separa bem os parágrafos formando quase subseções). Ao mesmo tempo, me passou a impressão de que cada parágrafo acontece no ponto de vista ora do Homem, ora do Menino. A narrativa segue em terceira pessoa, mas sempre estamos com os dois personagens da narrativa. A escrita é bem seca e muitas vezes crua. Dentro da minha experiência de leitura, a escrita do Cormac me fez lembrar a do Rubem Fonseca, onde cada frase serve como um tapa no leitor. Porém, Cormac pode ser bem poético em determinados momentos enquanto Fonseca é mais cru. Mas, não se enganem: os diálogos em A Estrada às vezes são praticamente monossilábicos.
"Ficaram de pé junto à margem mais afastada de um rio e chamaram-no. Deuses esfarrapados caminhando recurvados em seus trapos pela desolação. Andando pelo solo seco de um mar mineral onde este jazia rachado e partido como um prato que tivesse caído no chão. Trilhas de fogo feroz na areia coagulada. Os vultos indistintos a distância. Ele acordou e ficou ali deitado na escuridão."
O autor foi genial ao desumanizar os personagens. Nenhum personagem recebe um nome na história. Nem mesmo os protagonistas que são conhecidos apenas como o Homem e o Menino. Mesmo aquele que dá seu nome, na verdade é um nome falso para andar na estrada. Esse recurso foi usado pelo autor para transformar todos em sobreviventes. Dentro daquela nova realidade, nomes não possuíam a menor serventia. Isso sem falar nas ações dos humanos remanescentes que de humanas não tinham absolutamente nada. Claro que se formos pensar, a visão de Cormac sobre como a humanidade iria sobreviver diante de tais circunstâncias é bem pessimista, mas sabe-se lá o quanto ele está distante da realidade.
Em alguns momentos é preciso ter estômago para encarar a narrativa. Já previno os leitores que tem dificuldades com determinados tipos de cenas que temos situações de canibalismo, violências físicas e sexuais (em um momento específico) absurdas e total falta de humanidade. Estamos diante dos seres humanos em seu lado mais obscuro possível. Assim como a escrita do autor é crua, os personagens são violentos, covardes e aproveitadores. A jornada dos dois personagens é difícil e nas poucas oportunidades que eles tem de interagir com outros seres humanos, estes demonstram ser horríveis.
Ambos os personagens são complexos e demonstram o domínio do autor sobre os sentimentos deles. O Menino representa a inocência sendo amaldiçoada por um mundo onde os inocentes são o alimento dos malditos. Algumas interações entre pai e filho são lindas e levam uma lágrima aos olhos. Impossível não se emocionar com o forte sentimento de apego do pai a seu filho. Aos poucos o mundo vai ferindo o Menino, mas mesmo assim sua bondade inerente permanece. Mesmo em situações absurdas, ele é capaz de mostrar que a humanidade ainda é capaz de boas ações. Porém, Cormac vai pisar em cima dessa bondade e ao final nos questionamos se vale a pena ou não o Menino ser uma pessoa tão boa. O mundo em que ele vive não o merece.
Já o Homem é o pai protetor. Mas, existe uma pequena pegadinha nessa proteção. O Menino é a única coisa que mantém o Homem vivo. Ele é a sua bengala para permanecer vivo. O personagem faz questão de lembrar a todo momento que ele tem um revólver com duas balas preparadas para o momento em que a esperança desaparecer por completo. De vez em quando o Homem acaba precisando fazer ações reprováveis o que o coloca sob o julgamento do filho. Este deseja que os dois sejam os Caras Bons. E este mundo não tolera Caras Bons. Porém, a ligação que une os protagonistas é forte demais e embarcamos junto com ambos rumo ao sul sem direção aparente.
A Estrada é um livro sensacional e gerou um fime belíssimo que eu recomendo a todos. Aliás, quem viu o filme, leia o livro. Apesar da fotografia do filme ser belíssima e os dois atores representarem de forma exemplar os personagens, Cormac tem um estilo de escrita única. E deixo um desafio final a vocês: vocês sabem por que o Homem e o Menino referem-se a si mesmos como os portadores do fogo?
Ficha Técnica:
Nome: A Estrada
Autor: Cormac McCarthy
Editora: Alfaguara (no Brasil)
Gênero: Ficção Especulativa
Tradutora: Adriana Lisboa
Número de Páginas: 240
Ano de Publicação: 2007 (no Brasil)
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*Material enviado em parceria com a editora Alfaguara
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Excelente texto. Estava em busca de uma leitura no estilo 'Eu sou a lenda' e pelo o que eu vi esta será uma aventura meio que no mesmo segmento. De qualquer forma, muito obrigado pela resenha. Sucesso.