Resenha: "Aâma vol. 2 - A multidão invisível" de Frederik Peeters
- Paulo Vinicius
- 17 de fev. de 2022
- 6 min de leitura
Os mistérios em Ona(ji) continuam e o grupo de Verloc e Conrad saem em busca do paradeiro de Woland. Mas, o que eles se deparam é om um ecossistema em surgimento, deixando-os atônitos com o processo evolutivo.

Sinopse:
Verloc Nim e seu irmão Conrad chegaram ao inóspito planeta Ona (ji), na companhia do gorila-robô Churchill. Sua missão: recuperar o misterioso produto conhecido como “aâma”. Ao chegarem lá, eles encontram um grupo de cientistas, que havia sido abandonado à própria sorte. Após conflitos iniciais e alianças casuais, Verloc se junta à expedição que seguirá em busca de “aâma”. O que se segue é uma jornada de perigos, mas também de incríveis maravilhas. Uma bela HQ, premiada internacionalmente, imperdível para os fãs de ficção científica e quadrinhos de qualidade!
Tem spoilers do volume anterior!!!
No final do primeiro volume, Verloc, Conrad e Churchill chegam até um acampamento onde viveria o povo de Woland, mas este não se encontra presente. Conrad quer saber o paradeiro de Aâma para poder retirá-lo do planeta Ona(ji). Só que eles descobrem que Woland e mais dois colonos desapareceram do assentamento e os companheiros deles não parecem estar sendo totalmente honestos com o paradeiro de Aâma. Verloc acaba se envolvendo com uma das moradoras locais, o que causa um tremendo problema já que Myo vivia junto de outra pessoa. A situação acaba insustentável e Myo acaba forçando a barra e integrando o grupo de Conrad e Verloc que parte da vila. A viagem é tumultuada principalmente pelo fato de que eles descobrem rapidamente que o planeta não é mais desabitado. Aâma forçou a evolução de diversas estranhas criaturas em Ona(ji) criando uma fauna e flora que parecem saídas de um filme de pesadelos. Resta saber até onde o artefato conseguiu chegar e o quanto essas espécies são desenvolvidas.
Esse volume está um baile de criatividade. Primeiro porque o roteiro é intrigante e mantém o leitor preso do começo ao fim. Peeters está com uma história tão pirada que é impossível a gente se conter e não sair avançando as páginas. Retomo o meu pensamento de que de forma alguma esse é um álbum pequeno (por quase da pouca quantidade de páginas). Acontece várias coisas, além da arte que está deslumbrante. Algumas perguntas são respondidas e outras deixam a gente ainda mais confuso. Isso porque o cerne da questão ainda é o que é Aâma. O que deu para entender é que parece ser um artefato ou um tipo de inteligência capaz de fomentar a evolução em ambientes desabitados. Aâma toma decisões por si própria e tenta criar as condições para o surgimento de criaturas que possam se adaptar às condições do planeta. Ao mesmo tempo isso representa uma espécie de terraformação que era o objetivo original dele. Mas, o roteiro não fica só nos aspectos de ficção científica: temos o caso de Myo, o passado de Verloc e Silice e até mesmo uma discussão sobre gravidez natural ou artificial. É um volume riquíssimo em informações. Meu único ponto negativo que vai fazer eu reduzir um pouco a nota desse segundo volume é o final abrupto. Quando a gente vê o capítulo se encerrou sem um gancho para o próximo.
Vou começar pelos assuntos mais comuns e depois a gente vai pirando na narrativa do Peeters. Queria chamar a atenção para Myo já que o envolvimento dela com Verloc pareceu meio saído do nada no volume anterior. Aqui a gente já começa a desenvolver mais a personagem e percebemos que a chegada de Conrad e Verloc deu a ela a possibilidade de tentar sair dali. E ela vai usar as armas que ela possui. Achei curioso que o protagonista percebe rapidamente que foi usado por Myo, diferente de outros personagens que levam uma vida até perceber este tipo de manipulação. Ele sabe que isso aconteceu, refletiu, ficou chateado com ela, mas a vida segue. Só que Myo avança ainda mais a mão e coloca a pequena menina que se parece com a filha de Verloc junto. E essa garota tem uma estranha afinidade com ele. Algo que ele não consegue descobrir o que é.

Quem não gostou da ideia de levar Myo foi Conrad. Ele parece estar meio afetado pelos desdobramentos das descobertas que eles fizeram. Durante toda a jornada ele está mais irritadiço e nervoso, contrário àquele personagem mais equilibrado que contacta Verloc no primeiro volume. Conrad parece ser uma pessoa obcecada por ter controle sobre coisas, pessoas e acontecimentos. Ele precisa dessa sensação de estar no comando e saber de todas as possibilidades. Só que tudo parece estar fora disso nesse momento: o grupo não está do jeito que ele quer, ele não faz ideia do paradeiro de Woland e Aâma parece estar solta fazendo o que quer. Não sabemos ao certo se isso é o efeito da própria personalidade de Conrad ou se algo está acontecendo com ele. Frienko parece ter uma certa habilidade para acalmá-lo.
Ficamos sabendo mais sobre o passado de Verloc. E como ele se encontrou com Silice. E é curioso que o envolvimento dos dois acaba sendo influenciado pelo fato de Verloc ser dono de um antiquário. As visões um pouco diferenciadas dele regem a relação dos dois. Por exemplo, neste futuro, é bastante incomum os casais terem filhos de forma natural. A gravidez geralmente é in vitro manipulando a genética da futura criança de forma a protegê-la de doenças e outros problemas. Não é que a gravidez comum é criminalizada, ela só não é recomendada. Então Verloc convence Silice da importância de terem uma filha da forma como os filhos eram concebidos antes. E assim nasce Lilja. Mas, desde o primeiro momento a menina não parece normal. Não vou entrar em detalhes para não estragar a surpresa, mas toda a questão com a garota e o que fazer com ela é o que causa os problemas no casamento de Verloc. A busca por um tratamento médico que pudesse ajudá-la o leva a todo o tipo de médico. O preconceito contra Lilja causa também muitos transtornos para Silice. Um dia, ela simplesmente vai embora e Verloc fica sabendo alguns dias depois que ela havia se envolvido com outra pessoa. O personagem se viu sem chão e caiu em uma série de problemas que vieram depois. Ele simplesmente não conseguiu seguir em frente.
Voltando ao planeta Ona(ji) a evolução do planeta é simplesmente extraordinária. Peeters vai brincar com formas anteriores de vida. Protozoários, seres unicelulares, formas de vida simples. Só que imagine se essa evolução ocorresse em outro ambiente com outras condições. É isso o que o autor imagina aqui. Teremos seres que disparam enormes nuvens de pólen, medusas voadoras imensas, um ser que é uma espécie de sistema digestivo ao ar livre. Todo o ambiente foi modificado e se transformou em algo fascinante. É um cenário que vai encantar os personagens, ao mesmo tempo em que vai colocá-los em perigo. Eles vão precisar desenvolver estratégias diferentes para lidar com seres que eles jamais viram. Ao mesmo tempo eles vão se questionar como Aâma conseguiu chegar a essas conclusões sobre povoar o planeta de criaturas. E até se ainda é possível retirar a inteligência desse planeta ou se ela se integrou completamente a ele como algum tipo de divindade artificial.
Muitas questões ficaram no ar e este segundo volume levantou ainda mais a barra do quadrinho. Com mistérios crescentes, personagens ganhando mais e mais camadas, o leitor fica na expectativa sobre o próximo volume. Por exemplo, por que a pequena menina não fala e gosta de estar perto de Verloc? Ou as desconfianças de Churcill sobre uma possível integração entre carne e robôs. Aliás, as cenas de ação do Churchill estão entre as mais sinistras deste volume. E por fim o que Conrad e Verloc encontrarão depois do vale que eles atravessaram.
O Quadrinho em 1 Quadro:

Não tenho como não falar da criatividade de Peeters em toda essa série de ficção científica. Em algumas histórias, a gente consegue detectar de onde a inspiração para algum veículo, máquina ou criatura que um autor teve. Ele só mudou algumas características e inseriu uma criatura terrestre em outro ambiente. Em Aâma a concepção de ideias está fora da casinha. Peeters consegue te entregar algo realmente alienígena, daqueles que a gente não consegue imaginar na Terra. Gostaria sinceramente de entender como é o processo criativo por trás do desenho destas imagens. Olhem acima como eles são. Passam de amebas aquáticas a plantas carnívoras cuspidoras de ácido. Sem falar no próprio ambiente do planeta que embora se pareça com uma planície vai adotando formas cada vez mais complexas. Ah, e o design dos ambuladores que é o máximo também. Eu gostaria de ter uma figure de um ambulador. Peeters não se intimida nem um pouco em criar cenários amplos para que o leitor faça ideia da desolação do que o cerca. Tudo parece muito grande. E quando chegamos nos novos ecossistemas, essa sensação permanece. Tem uma cena em que os personagens caem por um buraco e chegam em algum tipo de "floresta" subterrânea que é enorme. O autor está muito bem nessa HQ.


Ficha Técnica:
Nome: Aama vol. 2 - A multidão invisível
Autor: Frederik Peeters
Editora: Nemo
Tradutor: Fernando Scheibe
Número de Páginas: 88
Ano de Publicação: 2014
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