Chihiro e sua família estão viajando pela estrada quando acabam se perdendo. Ela e seus pais entram em uma estranha cidade. De repente, ela vê seus pais sendo transformados em porcos e estranhas criaturas que a seguem. Ela é ajudada por um garoto chamado Haku que a leva a uma casa de banhos peculiar.
Sinopse:
Chihiro e seus pais estão se mudando para uma cidade diferente. A caminho da nova casa, o pai decide pegar um atalho. Eles se deparam com uma mesa repleta de comida, embora ninguém esteja por perto. Chihiro sente o perigo, mas seus pais começam a comer. Quando anoitece, eles se transformam em porcos. Agora, apenas Chihiro pode salvá-los.
Em um discurso feito a alguns anos atrás, Neil Gaiman diz que um autor consegue fazer boa arte quando ele é capaz de tocar o coração de seus leitores. A Viagem de Chihiro é a melhor expressão de arte já feita pelo Studio Ghibli. Eu sou muito suspeito ao comentar a respeito desta animação porque é a minha favorita dentre toda a filmografia do estúdio. Foi o momento onde Miyazaki conseguiu expressar todos os sentimentos, colocar tudo de si em 120 minutos de história. Raramente a gente consegue assistir algo que seja tão completo e ao longo da história eu lutei para encontrar algo que me desagradasse no roteiro. Por ter visto a animação pela oitava vez eu tentei ser mais crítico, mas não consegui.
A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no Kamikakushi, no original) é a produção em animação mais conhecida internacionalmente do studio Ghibli. Novamente é uma animação que seguiu a linha de produção e direção por Hayao Miyazaki. A recepção no Japão foi muito positiva, gerando um bom marketing na época em que foi lançado. Mas, o que pegou muitos de surpresa foi a recepção internacional. Em 2002, A Viagem de Chihiro venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim e o reconhecimento maior veio logo a seguir com o Oscar de melhor animação em 2003. Foi a primeira vez que uma animação produzida no Japão recebeu um Oscar, o que ajudou a abrir o mercado para uma gama maior de autores, não apenas japoneses.
A história gira em torno de Chihiro, uma menina que está de mudança junto de seus pais em direção a outra cidade. Os motivos não são explicados, mas Chihiro está muito desgostosa por ter deixado todas as suas lembranças e amizades para trás. Como toda a criança de sua idade, ela não gosta de ter sua vida mudada de tal forma. Ao chegar na nova cidade, o pai de Chihiro tenta pegar um atalho, mas acaba se perdendo. No final do "atalho", eles descem e observam um imenso túnel que leva a um espaço aberto. Ao atravessarem esse túnel, Chihiro e seus pais chegam a uma espécie de cidade abandonada. Enquanto Chihiro pede para seus pais se apressarem para poderem sair dali, eles devoram diversos alimentos deixados aparentemente para trás. Chateada, Chihiro segue explorando a cidade, mas percebe algo errado. Quando chega em uma ponte que leva a um imenso prédio vermelho, ela se encontra com Haku que pede que ela saia dali o quanto antes. Infelizmente o nível da água subiu e ela não consegue retornar ao túnel por onde ela veio. A menina descobre que seus pais se tornaram porcos por terem devorado alimentos que não eram para humanos e o enorme prédio vermelho é uma espécie de casa de banhos para deuses e espíritos. Graças a Haku e a Kamaji, Chihiro consegue arrumar um trabalho na casa de banhos enquanto pensa em como libertar seus pais.
A animação de A Viagem de Chihiro é belíssima. Uma das melhores (se não a melhor) que eu presenciei em animações japonesas até hoje. Ou seja, o anime é esteticamente muito bonito. Miyazaki soube escolher uma palheta de cores muito vibrante, combinando com o que ele queria passar com o enredo. Muitas cores leves e pasteis, mesmo em momentos mais escuros como a ida até a casa de Zeniba, no Fundo do Pântano. Miyazaki trabalhou muito com espaços abertos e amplos como a vista do alto da casa de banhos em que Chihiro vê o outro lado da cidade de onde veio ou o trajeto feito pelo trem que atravessa os trilhos aquáticos. A quantidade de criaturas e rostos diferentes presentes em cada cena demonstra o nível da animação do estúdio. É assustador perceber que em uma cena da casa de banhos a gente consegue contar mais de 30 criaturas diferentes. A trilha sonora também é muito sutil. Compõe de maneira magistral as cenas da animação.
O enredo trata de uma jornada de crescimento. Tudo o que Chihiro passa ao longo da animação é uma forma de testar a menina e ver o quanto ela seria capaz de crescer diante de uma situação totalmente adversa. No começo da animação, Chihiro é menina mimada e chorona. Mas, a prisão de seus pais por Yubaba, o amor que ela sente por Haku e seus sentimentos honestos fazem com que ela seja obrigada a amadurecer rapidamente. O espectador presencia a mudança de personalidade da protagonista de forma orgânica e não forçada. O autor não fez uma evolução obrigatória; as situações que a personagem vive a obrigam a tomar decisões. Chihiro não precisaria fazer o teste final proposto por Yubaba, mas ela quis mesmo assim.
Outro tema muito presente na animação são as memórias. Miyazaki quis ilustrar como as memórias compõem a própria personalidade de um indivíduo. Perder suas lembranças é como perder uma parte essencial de si. Podemos ver o quanto Chihiro fica confusa quando até seu próprio nome ela não é capaz de lembrar. O próprio Haku sofre com essa ausência de memórias. No começo da animação, Haku é um personagem muito bidimensional, mas à medida em que ele vai entrando em contato com alguém que parece se lembrar de quem ele verdadeiramente é, o personagem vai ganhando contornos mais profundos.
Temos uma enormidade de elementos simbólicos presentes na animação. O que mais me chamou a atenção foi o "roubo" do nome de Chihiro. Aqui percebemos um pouco da cultura oriental onde saber o nome de alguém é ter poder sobre esta. Ao retirar duas letras do nome de Chihiro (tornando-a em Sen) Yubaba retira a própria personalidade da personagem, tornando-a uma nova pessoa. O ato dos pais de Chihiro de comer desenfreadamente e depois se tornar porcos lembra muito o mito de Circe que acontece durante a jornada de retorno de Ulisses para a ilha de Ítaca em Odisseia. No livro, os tripulantes do navio de Ulisses são transformados em animais por Circe após serem alimentados. Outra homenagem feita a algum elemento mitológico ocidental é quando Haku pede a Chihiro que não olhe para trás ao retornar para seus pais. Esta fala de Haku me fez pensar no mito de Eurídice em que seu amado Orpheu não deve olhar Eurídice caso contrário jamais poderia tê-la de volta (Eurídice morreu e tinha sido enviada para o reino dos mortos).
A presença de deuses na animação é uma enormidade. Por exemplo, é preciso lembrar que muito da cultura japonesa gira em torno da deificação de elementos da natureza. Portanto, Haku ser o espírito de um rio que desapareceu não é tão absurdo assim. Ou os pequenos pássaros de papel que parecem tsurus abertos; um tsuru traz o bem, mas um tsuru aberto pode servir para causar dano a uma pessoa. Posso estar imaginando coisas, mas eu imaginei aqueles pássaros de papel como se fossem tsurus abertos. Outra simbologia que eu percebi na animação foi o fato de os humanos serem o alimento dos deuses. Todos aqueles que entravam no mundo dos espíritos sem serem convidados acabavam se transformando em animais e sendo devorados pelos deuses.
Miyazaki explora também os sentimentos. O amor de Chihiro por Haku faz com que este recupere sua memória no final do anime. Seu amor por Haku é tão grande que ela não se importa em não ser capaz de completar sua tarefa de resgatar os seus pais. Somente a partir deste desapego da parte de Chihiro é que ela foi capaz de chegar até Zeniba. Os sentimentos puros da protagonista acabam atraindo a atenção de NoFace que imagina em Chihiro uma possível amiga. Alguém que estava a tanto tempo sem uma única amizade acaba encontrando na protagonista respeito e carinho. NoFace faz o possível para agradar Chihiro e acaba errando algumas vezes em suas tentativas exageradas. Ao ser compreensiva e carinhosa, Chihiro consegue salvar a própria essência de NoFace.
A Viagem de Chihiro é uma ilustração definitiva da mente criativa desse gênio que é Hayao Miyazaki. Nesta animação ele foi capaz de nos entregar um produto completo. Pensar que ele quase se aposentou após filmar Mononoke, me faz pensar que a gente poderia ter ficado sem essa obra de arte espetacular. Recomendo Chihiro a qualquer pessoa. Veja não apenas uma, mas várias vezes. Você verá como a cada vez que for assistido a animação ganha novos nuances.
Ficha Técnica:
Nome: A Viagem de Chihiro
Diretor: Hayao Miyazaki
Produtor: Toshio Suzuki
Roteirista: Hayao Miyazaki
Estúdio: Studio Ghibli
País de Origem: Japão
Tempo de Duração: 125 min
Ano de Lançamento: 2001
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