Em uma edição que contém dois álbuns com o clássico personagem, vemos Tintim, o capitão Hadock e o professor Girassol em uma viagem para a Lua. Mas, estranhos acontecimentos durante a construção do foguete faz todos desconfiarem de algum trabalho de espionagem.
Sinopse:
Publicados quinze anos antes de o homem aterrissar na Lua, em 20 de julho de 1969 ― e antes mesmo do primeiro satélite, o Sputnik 1, ser lançado, em 1957 ―, Rumo à Lua e Explorando a Lua narram os preparativos e a espetacular saga, cheia de perigos, de Tintim e do capitão Haddock em solo lunar.
Ao regressar do país do Ouro Negro, o capitão Haddock recebe um telegrama do professor Girassol, no qual ele avisa que está na Sildávia e pede que o capitão e Tintim vão encontrá-lo. No aeroporto de Klow, capital da Sildávia, um chofer os aguarda e os leva ao que parece ser uma instalação militar ultrassecreta. Lá encontram Girassol dando os retoques finais num foguete atômico a bordo do qual partirá rumo à Lua. E ele quer Tintim e Haddock na expedição! Os perigos com que nossos astronautas toparão durante a viagem não serão nada perto do que enfrentarão explorando a Lua: como se não bastassem as armadilhas e dificuldades do solo lunar, eles vão se ver às voltas com um inimigo cruel e disposto a tudo para alcançar seus objetivos.
Confesso que essa foi a primeira HQ do Tintim que li na vida. Antes o meu contato com o icônico personagem havia sido por uma antiga série que adaptava os álbuns e passava na TV Educativa há décadas atrás. O filme em CG também foi uma maneira de relembrar o personagem. Ao pegar essa HQ a sensação que tive foi a de viver uma enorme aventura junto com o personagem. Mesmo tendo alguns aspectos complicados para a nossa atual forma de leitura, as histórias do aventureiro sempre me deixavam curioso, sem falar nas maluquices aprontadas pelo Hadock e o professor Girassol. Hergé tem muito a nos ensinar sobre construção de narrativa, ritmo e o timing para o humor.
Esse é um álbum duplo contendo as HQs Tintim Rumo à Lua e Tintim Explorando a Lua. Foi uma boa sacada da Companhia das Letras ao reunir duas histórias que são interligadas mesmo. Não tenho informações ainda se isso será uma coleção de capa dura ou se reunirá outras histórias duplas. O tamanho da HQ é típico de um álbum europeu, o que fica um pouco maior do que um quadrinho comum. Isso permite à arte de Hergé respirar e brilhar. Os quadros poderiam ficar prejudicados em um tamanho menor, principalmente porque se trata de uma HQ prolixa, com uma quantidade bem grande de textos. Se os desenhos fossem menores, isso deixaria a HQ menos legal. Sinto falta de materiais extras como um prefácio simples ou alguma quantidade de rascunhos. Mas, compreendo que isso pode ser uma exigência do legado do Hergé ou da Casterman. Algo semelhante ao que acontece ao Asterix publicado pela Record que também não tem extra nenhum, contendo somente a história em si. O que o pessoal pede que tem esses materiais são outras coleções que provavelmente exigiriam o contato com quem produz estes materiais em específico.
A aventura deste álbum começa com Tintim e Hadock retornando de sua última aventura que foi Tintim no País do Ouro Negro e ao chegarem no castelo de Moulinsart, eles recebem um telegrama do professor Girassol pedindo que eles sigam para a Sildávia. Os dois acham muito estranho, mas acabam seguindo para lá onde são escoltados até uma base em Sbrodj onde encontram o professor envolvido em um projeto de construção de um foguete para ser enviado à Lua. Girassol faz um convite a ambos para ajudá-lo nesta empreitada. Só que algumas coisas estranhas acontecem pela base, evidenciando a presença de um grupo de espiões que pretendem se apoderar do foguete. Além de encararem uma perigosa missão rumo à Lua, Tintim precisará de toda a sua esperteza para se livrar destes criminosos. E quem sabe rever um velho conhecido...
Hergé é um dos maiores difusores da técnica de linha clara. Vou tentar explicar em termos simples o que é isso. Neste estilo de desenho os personagens são desenhados com poucas linhas, sendo que elas funcionam mais como uma forma de delinear a sua silhueta. Por exemplo, o rosto de Tintim é formado pelas linhas de seus cabelos, dois traços representando suas sobrancelhas, um C que dá conta de seu nariz e um tipo de letra O que seria a sua boca. Vejam como o personagem necessita de bem poucos detalhes de corpo. Isso permite ao artista se focar em outras nuances do quadro como o fundo, as roupas e outros objetos espalhados. Mesmo com poucas linhas, os personagens de Hergé são bastante expressivos, sendo necessário manipular apenas algum aspecto do rosto para condicionar o leitor a entender que aquilo se trata de uma demonstração de alegria, de ironia, de raiva, de felicidade, de curiosidade. O genial é em perceber o quanto Hergé consegue ser hermético sem deixar de ser profundo.
Percebam o quanto a HQ transborda cores por toda a parte. Os cenários são vivos, mesmo quando ele leva a ação para o espaço. Ao mesmo tempo percebam os detalhes dos objetos como o jipe na imagem acima, com sua traseira bem desenhada, a roda que nos remete aos carros grandes e até os vidros. Conseguimos ver a preocupação de Hergé em desenhar a estrutura que segura o foguete. Aliás, todos os desenhos tiveram uma profunda pesquisa do autor que buscou informações sobre o funcionamento de uma base aeroespacial e baseou o seu modelo de foguete nos V5 antigos da Segunda Guerra. Curioso pensar que esse sistema de lançamento e aterrissagem foi pensado por Elon Musk em seus foguetes espaciais. Havia a preocupação em não destruir o foguete, já que se trata de uma peça cara. O quanto Hergé teve algumas ideias que ainda hoje conseguem ser atuais.
Talvez a maior crítica seja o fato de a HQ possuir muitos balões de diálogo. Os textos são extensos e podem ocupar quase metade de um quadro. Quem pegar a HQ imaginando ser uma leitura rápida, vai cair do cavalo. É demorada, principalmente para que o leitor possa pegar as mensagens e as piadas internas. A história é uma grande aventura com exploração e curiosidade, duas daquelas características que sinto falta em algumas histórias na atualidade. Tintim é o protótipo desse personagem: criativo, curioso, inventivo. O personagem enfrenta todo o tipo de vilões e não é desses personagens bobos, sabendo criar uma armadilha ou usar uma arma. A narrativa em si remete imediatamente aos conflitos da Guerra Fria entre EUA e URSS, sendo que Hergé inverte as posições colocando Tintim para ajudar um país que lembra uma nação do Leste Europeu da época da Cortina de Ferro ou até a própria URSS. Outra coisa bacana do roteiro de Hergé é que apesar de toda a ingenuidade na criação da história, de forma alguma ele é previsível. Tem algumas boas viradas narrativas acontecendo e somente depois a gente fica se perguntando por que não havíamos pensado naquilo.
A HQ é muito bem humorada com os personagens fazendo algumas trapalhadas inenarráveis. O capitão Hadock sempre criando os xingamentos mais criativos que você vai ver em qualquer lugar, o professor Girassol sendo meio lunático e os policiais Dupont e Dupond aprontando todas com sua maneira errada de entender as mensagens. Sempre com algum trocadilho no meio. E o pobre do cachorrinho Milu sofrendo todo o tipo de indignidades sendo que ele só quer ficar curtinho no seu canto comendo um osso. Pode ser que o estilo de humor do Hergé não agrade a todos, até porque o que nos faz rir é bem diferente variando de pessoa para pessoa. Para mim, funcionou como uma luva e sempre me pegava com aquele sorriso do canto de rosto. Gosto de como o Hergé sabe o tempo certo de colocar alguma situação mais embaraçosa ou simplesmente fazer toda uma preparação para um momento engraçado. Um bom exemplo disso é quando o professor Girassol vai apresentar o foguete para eles. E todos estão cansados de ver o Hadock tropeçando ou caindo em tudo o que é lugar. Em cada cômodo do foguete, Girassol faz questão de alertar Hadock para prestar atenção no buraco que dá para a escada. Ele faz isso três vezes. Quando eles chegam no topo do foguete, Girassol recebe um aviso para se apresentar na sala do controle. E o que acontece? O próprio professor Girassol tropeça e cai buraco abaixo. Percebam como houve um momento de ilustração do que poderia acontecer, o histórico de Hadock, mas Hergé não apressou as coisas. Esperou até a piada ficar madura para apertar o gatilho da situação.
Se vocês estão buscando uma leitura leve e divertida, Tintim é o quadrinho certo para você. Hergé é um gênio na arte de compor histórias. Lendo a HQ, isso me fez lembrar de quando eu curtia uma época mais simples em que via um personagem vagando pelo mundo vivendo todo o tipo de histórias em lugares exóticos, com personagens engraçados. Aqui tem histórias para várias horas de leitura acompanhados dos personagens que marcaram história na França. Vale demais a pena a leitura.
Ficha Técnica:
Nome: Tintim e a Lua (Tintim Rumo à Lua/Tintim Explorando a Lua)
Autor: Hergé
Editora: Companhia das Letras
Tradutor: Eduardo Brandão
Número de Páginas: 128
Ano de Publicação: 2021
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*Material enviado em parceria com a Companhia das Letras
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