Uma nova coletânea de contos escritos por diversos autores brasileiros de muito talento. Nesta primeira edição iremos encarar a prancha! Histórias de piratas de vários tempos e lugares, desde os tradicionais caçadores de tesouros até os novos piratas do mundo virtual. Confiram!
Sinopse:
O Tapioca Fantástica é um COLETIVO de amigos escritores, organizado e impulsionado por Diogo Andrade, que decidiram criar uma revista literária mesclando o que têm em comum: escrever literatura fantástica. Temperando seus textos por modos diferentes de criar mundos, nossos autores trarão o melhor das histórias de fantasia, terror, aventuras e tudo o que a inspiração mandar.
Nessa primeira edição, nós te convidamos a um mergulho.
Não no mar. Na tua memória, lá onde estão guardadas as primeiras histórias que você leu ou que te contaram. Talvez não seja muito diferente, em termos simbólicos. Mais de um escritor já usou a expressão “mar de histórias” pra se referir à fonte de todas as narrativas que ecoam pelo mundo.
E quando mergulhar, aposto, você vai encontrar piratas.
Eles navegam o mar de histórias há milênios, levando o terror e o fascínio onde quer que estejam.
Contos presentes nesta edição:
1 - "Jornadas aos reinos sem sol" de Ana Lúcia Merege
2 - "Azul" de Elias Flamel
3 - "Pirataria nas Profundezas da Rede" de Clecius Alexandre Duran
4 - "Em Silêncio Passageiro" de Moacir Fio
5 - "Como escorre a água" de GabiOz
6 - "Piratas patriotas dos mares meridionais" de Bruno Crispim
7 - "Rapsódia" de Bernardo Stamato
8 - "Presença" de Diogo Andrade
9 - "Vermelho" de Carol Mancini
Seguem as resenhas:
1 - "Jornadas aos reinos sem sol"
Autora: Ana Lúcia Merege Avaliação:
Gênero: Fantasia
Um grupo de aventureiros se dirige à cidade de Palanghat para encontrar um homem chamado Kothari. Eles receberam esta missão da deusa Lakshimi que deseja reaver um tesouro que lhe foi roubado. Ao chegar em Palanghat, Kothari revela que os aventureiros precisarão atravessar uma série de reinos que não veem a luz do sol e enfrentar perigos inimagináveis que testarão suas virtudes. A missão não será fácil, mas Mattan, Ruka, Narendra e os demais já possuem um forte laço que os liga após terem vencido inúmeros desafios. O que os aguarda nestes reinos? E eles conseguirão concluir seu objetivo ou serão mais uma das vítimas dos estranhos seres que habitam o lugar?
O tema dos desafios a serem ultrapassados é um clássico das histórias de fantasia. Já foi tema de diversas histórias em que o grupo de companheiros precisava provar o quanto seus laços de amizade eram fortes. Virtudes como sabedoria, coragem, destreza eram testadas para ver o quanto cada um contribuía no coletivo. É um clichê que já foi usado inúmeras vezes e é tão bom quando um autor sabe usá-lo bem. Muitas vezes a gente vê o quanto os autores se esforçam para desconstruir um tema ou uma forma de escrita, mas nem sempre isso é necessário. Ana Lúcia investiu nesses personagens e os deu tridimensionalidade, fazendo com que o leitor chegasse ao final e conhecesse um pouco deles. É uma forma muito eficiente de contar histórias e não é por que é clichê que precisa ser deixado de lado. A história é bastante divertida e tem algumas boas surpresas nessa jornada. Achei a solução final bastante inteligente embora a gente percebesse que uma certa situação se resolveria da forma como resolveu.
O aspecto que achei que não me agradou tanto foi o tanto que a história demora um pouco para que o leitor se sinta mais confortável nela. Confesso que fiquei confuso no começo, sem entender do que se tratava ou para onde ia. Creio que esses sejam personagens oriundos de uma série de outras histórias. E essa seja algum tipo de aventura específica deles. Para quem não está familiarizado com eles, isso dificulta um pouco a compreensão do todo. Lá para a metade final isso fica mais tranquilo pelas próprias virtudes de escrita da autora que consegue contornar bem isso. Até mesmo a trama me confundiu um pouco no começo. Mas, no geral, a história é divertida e entrega uma boa dose de ação e emoção.
2 - "Azul"
Autor: Elias Flamel Avaliação:
Gênero: Fantasia
Acompanhamos um nobre decaído que se tornou pirata por conta de uma tragédia. Mas, o navio em que ele estava foi atacado pelo impiedoso capitão De Groot. Ele tenta fugir, mas mesmo suas habilidades não são páreo para a habilidosa tripulação do capitão pirata. Depois de ser incorporado a ela, o protagonista vai subindo em suas atribuições até se tornar o primeiro imediato. Algo que ele não compreende é como De Groot consegue manter seus homens motivados até que ele descobre uma estranha substância azul que parece fornecer a força de vontade necessária para superar os desafios. Mas, de onde vem essa substância? O capitão evita comentar sobre esse assunto, mas a dúvida e a curiosidade tornam o assunto inevitável. Só que talvez ele não esteja preparado para a cruel verdade e as consequências de deter esse conhecimento.
Diferente da história anterior que tinha um tom mais de caçada ao tesouro, esta é mais calcada na visão clássica do pirata. Ao mesmo tempo, Flamel faz uma homenagem clara a H.P. Lovecraft. A atmosfera é aterrorizante e claustrofóbica. As informações são fornecidas ao leitor com um pouco de calma e parcimônia. Boa parte da narrativa segue um padrão mais descritivo com o leitor sentindo e reagindo junto com o protagonista (do qual não ficamos sabendo o nome). À medida em que a narrativa passa é como se estivéssemos mergulhando cada vez mais fundo em uma piscina escura e sombria. As verdades secretas são repletas de peso e responsabilidade e o personagem percebe que precisa sair dali de qualquer forma caso contrário alguma coisa muito séria vai acontecer a ele. E não tem nada a ver com vida ou morte, mas algo além disso. A narrativa se divide em três capítulos e quando chegarmos lá pelo terceiro, a situação que se abate por todo o navio é uma consequência de uma série de coisas que já vinham sido pressionadas e somente transbordaram.
Não sou a melhor pessoa para avaliar um conto que se inspira em Lovecraft, simplesmente por que o autor não me agrada. Mas, vou tentar expor o que não curti tanto sem me concentrar no aspecto lovecraftiano da coisa. A narrativa é um tanto quanto longa demais; as situações poderiam ter sido resolvidas em um espaço mais curto de páginas. Algumas vezes o personagem fica apenas divergindo do assunto principal. Um conto precisa ser ágil e prender a atenção do leitor. Quando o autor começa a ser mais subjetivo em sua abordagem, nossa atenção se esvai. Porém, tem um aspecto curioso: a narrativa dá uns saltos de tempo que nos deixa perdidos. O momento em que o personagem é aceito na tripulação para o que ele se torna um imediato é brusco demais. Considero até que Flamel nem precisava ter transformado o protagonista em um imediato do navio, sendo que a ação toda poderia ter se baseado nele como um reles marujo que conquistou a confiança do capitão. Mas, isso são detalhes. O que importa é que essa brusquidão nos faz ficar um pouco perdidos no desenvolvimento da história.
3 - "Pirataria nas profundezas da rede"
Autor: Clecius Alexandre Duran Avaliação:
Gênero: Terror
Na trama, nosso protagonista, Francisco, trabalha em uma empresa de segurança de dados. Explorado por um chefe folgado, ele se vê envolvido ema situação em que um autor famoso cuja obra não foi finalizada, tem seu notebook nas mãos da empresa que precisa decodificar os arquivos que ele deixou para trás. Sabendo do potencial desse material, além de sua curiosidade de leitor, Francisco faz de tudo para obter os dados do disco rígido e começa a devorar a famigerada última história nunca publicada. Mas, segredos sombrios se escondem por trás dela.
Clecius faz uma ótima brincadeira a respeito de dois temas: a segurança de dados e autores que morrem e suas obras nunca ficam finalizadas. Quando me deparei com a sinopse deste conto, estranhei um pouco porque conheço o Clecius há alguns anos e sei que o copo de café dele está no terror. Mas, confio na escrita dele e fui lendo a narrativa. E, bem, deixarei demais detalhes para os leitores, mas o conto é coerente com as propostas dele. Gosto da escrita do Clecius que, nessa narrativa, mistura um ar erudito com vários tons de ironia divertidíssimos. A narrativa é bastante envolvente e é posta de uma maneira em que o leitor fica curioso para saber o que vai acontecer na página seguinte. Os mistérios são empilhados um por um e vão se acumulando até a revelação no clímax da história. Gostei muito da virada narrativa e ela aconteceu de um jeito bem diferente. Isso porque essa virada acontece duplamente. Existe uma revelação para depois acontecer uma situação bizarra logo em seguida. Muito boa história.
4 - "Em silêncio passageiro"
Autor: Moacir Fio Avaliação:
Gênero: Terror
Nas longas viagens de ônibus de um motorista no nordeste brasileiro, coisas estranhas tem acontecido: passageiros tem desaparecido e dado lugar para outros dois. Além disso, assentos extras tem aparecido também no ônibus embora este não tenha aumentado de tamanho. O que passa a ser visto com fruto de muita cachaça e horas mal dormidas, se torna algo amedrontador para nosso protagonista. Ele dirige com extremo cuidado, mas mesmo assim os desaparecimentos continuam e ele não encontra o motivo para isso. O que acontecerá a ele? E essa viagem chegará ao fim?
Essa é uma narrativa bastante concentrada no terror ambiental. O ônibus funciona como uma espécie de "casa" mal assombrada com elementos sobrenaturais sendo inseridos. Não há uma explicação para os acontecimentos e esse nem é o propósito da narrativa. É mais como o personagem vai conseguir sobreviver até o final. Por falar neste, o autor o deixa aberto para que o leitor explore o que entendeu de toda aquela situação. Na minha visão, faltou alguma coisa na narrativa. Algumas páginas a mais ou até explorar aquela viagem mais pelo visão dos passageiros desaparecendo. Daria uma atmosfera ainda mais aterrorizante. A narrativa cumpre bem o papel proposto pelo autor e, mesmo curtinha, me deixou intrigado.
5 - "Como escorre a água"
Autora: GabiOz Avaliação:
Gênero: Ficção Especulativa
Em uma narrativa que mescla fantasia e realidade, um pai e sua filha navegam por um mar repleto de perigos insondáveis. Seu pai lhe conta histórias não apenas para agradar a filha, mas para manter os crocodilentos longe do navio. Entre idas e vindas, entre encontros improváveis e roubos de estrelas, os dias se passam devagar e sempre. Quando um estranho homem é trazido a bordo, talvez algumas coisas mudem. Mas, o que é real e o que é ilusão? Em uma belíssima narrativa, GabiOz mescla sonhos e realidade de uma maneira como só um verdadeiro contador de histórias vai fazer. Querem se sentar para ouvi-la? Pois bem, eis a hora e o momento certo para isso. Tudo começa no mar...
A escrita da autora é repleta de sensações e metáforas. É aquele tipo de escrita mais sensorial, que estimula o leitor a cheirar, a ouvir, a sentir. Cada frase em cada parágrafo é pensada para atender a um todo coeso. Uma narrativa poética repleta de significados que enreda o leitor desde o primeiro minuto. A atmosfera misteriosa estimula a gente a virar as páginas e descobrir o que está acontecendo. Mesmo que a gente não entenda de todo, Os múltiplos significados dão algumas pista sobre essa jornada. A autora usa e abusa das subseções para trocar de ponto de vista ou de cena entre as páginas. Talvez isso seja um dos pontos que não gostei. Embora forneça agilidade à trama, com frequência nos vemos perdidos tentando entender o que aconteceu. No começo o mistério e o encanto são bem legais, mas à medida em que a narrativa avança e o leitor não consegue entender de todo o que está acontecendo ou para onde a narrativa vai, há uma frustração. Fiquei cativado pela escrita dela, mas faltou um pouco de objetividade na trama. Por outro lado, a autora usa uma mecânica que gosto bastante: a quebra da quarta parede. Frequentemente ela parece estar conversando com o leitor, como se estivéssemos ao redor de uma fogueira escutando uma boa história. Esse elemento participativo fornece uma boa camada extra de imersão, nos convidando a fazer parte deste mundo. É uma boa história e que vai encantar muitos leitores.
6 - "Piratas patriotas dos mares meridionais"
Autor: Bruno Crispim Avaliação:
Gênero: Nonsense
Imaginem se três irmãos adquirissem um barco, após a derrota de seu líder de extrema-direita (que perdeu injustamente, segundo eles), e levassem toda uma galera de Copacabana para o Planalto Central, para fazer justiça com as próprias mãos. Só tem um pequeno problema: essa viagem desses "piratas" dos mares meridionais vai ser bastante acidentadas quando homens passam a sugar a própria essência de seus companheiros e se tornarem algo que não pode mais ser reconhecido como um ser humano. Um bando de capitalistas atrapalhados cujas vidas luxuosas, preguiçosas e confortáveis está ameaçada pelo retorno de pessoas irrelevantes ao poder. É preciso fazer justiça... custe o que custar.
A narrativa de Bruno Crispim é uma baita crítica social. Aliás, se você for da mesma opinião que os personagens do conto dele, eu me preocuparia e o conto não é para você. Bruno tem uma escrita bem ácida, calcada no nonsense, ou seja, a história não é necessariamente para fazer sentido completo, como Alice no País das Maravilhas não era. Apesar de o nonsense ser algo que ganhou corpo por causa de Lewis Carroll, a escrita do autor se assemelha muito mais a de um autor brasileiro que gosto muito, o Nelson de Oliveira. Usar da fantasia e da ficção especulativa como mote para criar uma história irônica que nos cutuca e nos faz refletir nos problemas sociais que vivemos. Várias alegorias que ele emprega são bastante típicas de nossa realidade: um grupo de personagens decididamente estúpidos e alienados, oriundos de um bairro de classe média e alta, um líder de direita que reclama do processo democrático. Até a ideia de transformá-los em vampiros demonstra a inumanidade e a falta de solidariedade e cegueira daqueles que abraçaram o discurso extremista. As alegorias do autor são bem claras, as brincadeiras narrativas que ele faz são pertinentes e é uma daquelas histórias que, se você for bastante engajado nos assuntos, vai te fazer gargalhar em vários momentos. A ficção especulativa tem esse viés incômodo e reflexivo. Quando ela não tem, é apenas mais letras escritas em um papel. Esse conto foi uma grata surpresa e um emprego inteligente do tema de piratas.
7 - "Rapsódia"
Autor: Bernardo Stamato Avaliação:
Gênero: Ficção Científica
Uma tripulação de mercenários está atrás de uma famigerada pirata espacial chamada Sigrid. Depois de uma perseguição implacável, eles a cercam e à sua nave em um cinturão de asteróides. Mas, a situação chega a um impasse e Sigrid tenta subornar o capitão da nave oferecendo uma proposta irrecusável. É então que eles aceitam uma perigosa e incerta missão de caça ao tesouro que os levará a um lugar abandonado onde eles podem (ou não) encontrar esse tesouro. Mas, será que ele existe mesmo? Ou Sigrid está enrolando todos enquanto planeja uma emboscada? Nada é certo nessa situação instável e as tensões vão chegar às estrelas. Saibam mais nesta história.
Dos contos desta edição esse é o mais puro suco de ficção científica com caça ao tesouro. Tem tudo o que um leito do gênero pode curtir, desde perseguições de naves, disparos de lasers e confrontos com seres bizarros. O autor conseguiu escrever uma história divertida e descompromissada onde o leitor vai encontrar diversos clichês do gênero. A escrita é bem tranquila de ser entendida e depois de umas três ou quatro páginas a gente consegue entender qual é a motivação da história. A narrativa é em terceira pessoa puxando mais para algo voltado para os diálogos. A trama deixa alguns ganchos para histórias futuras, então é ver se o autor pretende retornar a este mundo futuramente.
A narrativa se baseia demais em diálogos. Alguns deles são trocas quase monossilábicas, o que dá um aspecto não muito legal à narrativa. Canso de dizer o quanto é preciso haver um equilíbrio adequado entre diálogos, descrições e narrações. Se um ultrapassa o outro, a menos que seja algo proposital, acaba se tornando prejudicial ao ritmo da história. Determinadas falas poderiam ser suprimidas em prol de uma frase com o personagem concordando ou discordando, gesticulando a cabeça, ou movimentando outra parte do corpo. Saber trabalhar com a comunicação gestual é aumentar o seu arsenal de ferramentas para escrever uma boa história. Outro ponto que não curti foi a ausência do desenvolvimento dos personagens. A história é calcada no capitão ou nas aventuras da nave Rapsódia? Ok, o capitão é o protagonista, mas porque não individualizar os personagens? Houve um momento legal entre o capitão e a diplomata onde o leitor é colocado frente à contradição de que ela é uma mercenária que é totalmente pacifista. Mas e os outros personagens? Parece que eles apenas compõem o fundo. A aventura no asteróide poderia ter contado com a participação de outros membros da tripulação da Rapsódia e alguns da de Sigrid só para criar uma tensão maior e delinear melhor os personagens.
É uma história divertida, mas havia bem mais potencial a ser explorado.
8 - "Presença"
Autor: Diogo Andrade Avaliação:
Gênero: Suspense
Preciso ajudar a minha família! Com essa frase em sua mente e coração, a protagonista obtém informações sobre um tesouro escondido na floresta que poderia resolver todos os seus problemas. Mas, dias se passam e esta é uma caçada bem difícil, levando a protagonista aos seus limites. Não ajuda o fato de ela estar sozinha em um lugar que parece perigoso e se sentir observada a cada momento. Depois de muita luta, ela consegue encontrar o local onde o tesouro está enterrado e inicia sua missão de retirá-lo da terra. Descansando um pouco depois da terrível jornada, ela desperta no dia seguinte com a constatação de que suas ferramentas foram roubadas. Desenterrar o baú se torna uma tarefa ainda mais desesperada e algo não está certo nesta floresta. O que se esconde ali? E poderá ela finalmente cumprir sua missão e ajudar seus familiares?
Esta é a primeira vez que leio um conto que não seja de fantasia do Diogo. Uma coisa que gosto na escrita dele é em como ela consegue ser ambiental, mais do que simplesmente descritiva. Ela te coloca no lugar e faz com que o leitor consiga enxergar o que o cerca. A narrativa acontece em terceira pessoa e boa parte dela é descritiva porque se passa a partir de um único personagem. Faço ideia de como deve ter sido complicado escrever essa história porque é complicado manter a atenção do leitor quando sua história é basicamente um personagem solitário explorando um lugar. E não é nenhum cenário de fantasia ou uma ambientação futurista; é somente uma floresta sombria. O autor precisa se focar em despertar os sentidos do leitor com o vento que sopra, o som de folhas ao fundo, a chuva que cai impiedosa. A partir do momento em que o leitor está mais familiarizado, colocar algum elemento desconcertante que provoque tensão ou desconfiança.
Faltou ser um pouco mais preciso acerca da história em si. Fiquei um pouco confuso com todo o contexto dos expedicionários e da árvore que não pode ser derrubada. Existe toda uma trama de maldição por trás do tesouro em si que a personagem acaba sendo enredada. A narrativa poderia ter sido mais reduzida e com um escopo menor. Uma simples história de fantasmas teria tido mais resultado e sido mais eficiente. Na dúvida sobre o que fazer, use a Navalha de Occam: a solução sempre é a mais simples. A primeira metade da história, para mim, é perfeita. Boa introdução, ambiente tenso, medo ao redor. A segunda quando se delineia a maldição, ficou um pouco confusa. Entendi o final, mas confesso que não curti a segunda parte. Talvez nem fosse preciso dizer o que era a maldição ou a história por trás dela... ela acontecer já seria um desafio suficiente.
9 - "Vermelho"
Autora: Carol Mancini Avaliação:
Gênero: Ficção Científica
Joana é a capitã de um navio responsável por libertar outras mulheres de seu cativeiro. Neste mundo distópico, após uma terrível guerra, um gás esverdeado foi liberado nas grandes cidades, provocando danos irreparáveis em mulheres que tiveram sua pele e seus olhos afetados por uma estranha aflição. O sol as afeta de maneira letal, o que as relegou a serem criaturas da noite. Chamadas agora de vampiras, elas sofrem com o preconceito masculino por elas serem totalmente funcionais em outro momento do dia, além de algumas outras coisas. Navios que eram usados durante a guerra se tornam prisões onde elas sofrem todo o tipo de torturas. Joana é a filha de uma dessas prisões e agora luta para fazer um mundo melhor. E ela esconde um segredo que pode mudar esse mundo para sempre...
Carol usa de uma metáfora muito usada no passado (e talvez até por alguns nos dias de hoje) em que as mulheres eram consideradas vampiras. Aquelas que destoavam de seu papel como pessoas do lar ou progenitoras eram conhecidas como tal, sedutoras de homens. Lembremos que um dos primeiros romances sobre vampiros era com uma personagem feminina, Carmilla. Carmilla é anterior ao Drácula escrito por Bram Stoker. Essa associação, portanto, é parte da misoginia que abate nossa sociedade há séculos. Usar uma distopia para discutir esse assunto de uma outra maneira é bem inteligente da parte dela. A autora escreve de uma forma semi-epistolar, onde as subseções são quase como entradas de um diário. Digo semi porque algumas destas subseções servem para contextualizar o mundo pensado pela autora. A narrativa é bem expositiva em partes, o que pode não agradar a alguns leitores que podem esperar algo mais orientado para ação.
Ser uma história mais refletiva e ativista a torna bem especial para este primeiro volume do Tapioca Fantástica. Embora tenhamos avançado em diversas pautas femininas, o preconceito de gênero continua por aí. Realidades como as pensadas por Margaret Atwood em O Conto da Aia e a pensada por Carol Mancini neste conto não são tão absurdas assim. Basta um aperto de botão para toda a nossa realidade abraçar pautas extremistas. Tem um tema bem legal sendo abordado neste conto que é o da revolução. Muitas vezes uma decisão na direção certa ou uma pessoa podem fazer a diferença. Só o que é preciso é a vontade de lutar. Por isso é que Joana se abriu para a personagem que iria ajudá-la. Ela era importante para o plano da personagem, mas mais do que isso: havia uma motivação para ela mesma continuar tocando essa luta que é tão importante para todas. Vale muito o debate e o conto tem bem mais camadas do que as que estou postando aqui. Mas, incentivo todos a darem uma conferida.
Ficha Técnica:
Nome: Tapioca Fantástica vol. 1 - Piratas
Organizado por Diogo Andrade
Editora: Autopublicado
Número de Páginas: 228
Ano de Publicação: 2023
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*Material recebido em parceira com os autores
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