Erick vai visitar sua família após anos sem contato. Mas, é uma visita rápida porque ele logo é chamado pela M.A.S.E. para ficar em uma espécie de isolamento. Parece que a corporação fez uma descoberta extraordinária que pode mudar a vida de todos: a viagem no tempo.
Sinopse:
A cientista Rebecca Stone não celebrou a descoberta da viagem no tempo. Naquele dia, ela perdeu o melhor amigo em Nova Iorque, o ex-namorado desapareceu em São Paulo e ela recebeu uma missão perigosa. Tudo está conectado, só não sabe como. Ainda. Resolver o mistério e evitar mais mortes e desaparecimentos significa colocar a vida dela em jogo e arriscar o futuro da Terra.
Uma das coisas que mais me agradam na ficção científica é quando ela trata de um assunto atual. Trabalhos como Fahrenheit 451 (de Ray Bradbury), Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas (de Philip K. Dick) ou A Curva do Sonho (de Úrsula K. Le Guin) por mais que extrapolem futuros intrigantes com tecnologias ainda não existentes, conseguem ecoar temas contemporâneos. Sejam governos totalitários ou o transumanismo, ocupam apenas um cenário de fumaça e espelhos. Fábio M. Barreto faz o mesmo aqui ao nos colocar em um cenário futurista, mas falando de algo tão atual que deve ocupar o jornal de amanhã de alguma forma: manipulação da informação.
A trama gira em torno de dois personagens: Erick Ciritelli e Rebecca Stone. Erick é um pesquisador da M.A.S.E., uma poderosa organização que, após alguma catástrofes que aconteceram na Terra, se tornou uma empresa de vanguarda na pesquisa espacial e em outros projetos mais exóticos. Quando ele estava indo visitar os pais, após anos de isolamento que rendeu o afastamento e o ressentimento deles, uma revelação de um membro do alto escalão da empresa faz com que ele se veja obrigado a cortar sua visita e retornar o seu auto-isolamento. Enquanto isso, Rebecca Stone descobre que seu amigo Andrew McMab, um jornalista investigativo, desapareceu deixando pistas de que a M.A.S.E. estaria envolvida de alguma forma. Ela vai tentar encontrar seu amigo, mas acabará se tornando alvo de uma terrível conspiração. E, nos bastidores do poder, Peter Stanton revela ao mundo que a M.A.S.E. descobriu a tecnologia da viagem no tempo e se revela o Porta-Voz do Amanhã.
"Dedicar a vida à ciência costumava gerar uma camada robusta de serviço público sobre o ego, mas ele sempre estava lá e aparecia a cada vitória, cada prêmio, cada descoberta, por menor que fosse."
Snowglobe possui uma escrita bem redondinha e tranquila de ser compreendida. Mesmo que você não esteja familiarizado com os termos e gírias normalmente empregadas pelo gênero, o leitor não vai ter nenhuma dificuldade. Mais do que isso, Snowglobe é aquele tipo de romance que não fica restrito ao gênero scifi. A narrativa é contada em terceira pessoa a partir de dois pontos de vistas primários, Erick e Rebecca, e dois secundários, Stanton e Blake. Fábio optou pela estrutura cinematográfica de roteiro em três atos, sendo o primeiro até o momento da revelação, o segundo se passando entre isso e uma espécie de confronto final e o clímax per se é o terceiro ato. Essa estrutura também combina bem com a história que possui uma dinâmica bem fluida. Uma vez que o leitor absorve a maneira como o Fábio apresenta os personagens, a narrativa e distribui os capítulos, tudo passa com bastante velocidade.
O que me incomodou um pouco é algo que o Fábio usa de forma recorrente na história. E é engraçado porque é algo que eu emprego nas minhas explicações em sala de aula... mas, vendo de fora me causou esse estranhamento. Assim como eu, o autor é bastante metafórico. Para construir uma situação, algumas vezes ele precisa associar o que se passa com outra coisa. O emprego de uma linguagem figurada teoricamente é voltado para fazer o leitor compreender de forma mais intrínseca aquilo que o autor deseja passar. Mesmo que se trate de uma situação pela qual o leitor nunca passou... recorrer a uma experiência comum para superar a barreira do desconhecido. Só que quando empregada demais, essa maneira de exemplificar cria uma barriga no texto (cria uma barriga na própria fala, levando em consideração que as minhas aulas são longas). Em alguns capítulos acaba não havendo desenvolvimentos relevantes porque o autor ficou preso a uma ou mais metáforas. Entendo que a intenção era criar uma informalidade e uma aproximação com o leitor, mas qualquer coisa quando feita com uma frequência grande acaba mais incomodando do que auxiliando.
Os personagens são o ponto alto da narrativa. Isso demonstra o quanto o autor gastou para desenvolvê-los. Começando por um dos protagonistas, Erick é aquele tipo de personagem que possui pouca experiência em se relacionar com outras pessoas. O fato de ter dedicado sua vida à realização de um projeto científico prejudicou a maneira como ele enxerga o mundo. Ter se separado de Rebecca contribuiu para esse senso de isolamento grande dele. Quando ele se vê colocado em uma situação da qual não consegue escapar, ele perde um pouco o rumo. Fábio vai construir uma narrativa em que ele tira progressivamente as bases que fundamentam a própria vida do protagonista. Talvez o melhor exemplo sobre por que o título do livro é Snowglobe é a vida de Erick. Mas, não vou comentar sobre isso ou do contrário eu darei spoilers.
Já Rebecca é a ex de Erick e se separou dele por conta da obsessão dele com seu trabalho. Ao descobrir alguns podres da M.A.S.E., ela decide se dedicar à exploração espacial. Ao se afastar de toda a confusão, Becca conseguiu construir sua própria carreira. Quando ela se vê envolvida em uma investigação de desaparecimento, sua vida é colocada em risco. Não só isso como ela vai precisar rever seus sentimentos em relação a si e à sua vida amorosa. Por causa do seu jeitão impulsivo, o perigo vai bater à sua porta. A narrativa da Becca é a que mais me agrada da narrativa e ela é responsável por alguns momentos bem tensos.
"A verdade era Becca e Becca era a verdade. O núcleo de uma vida inteira, sobrevivendo à maior das provações e renascendo como uma cria do conflito. Sem medo. Sem desafio. Apenas a certeza."
O fascínio pelas redes sociais e pelos influenciadores digitais está presente na figura de Blake Manners. Uma espécie de celebridade digital, ela é a recordista em um game de tiro chamado Camper. Becca vai precisar buscar a ajuda de Blake quando se vê sem pistas sobre quem sequestrou Andy. É aí que vamos conhecer o mundo de aparências dela. Apesar de ser uma pessoa que é seguida por milhões de fãs, Blake é uma pessoa solitária. Sem ter em quem confiar o seu eu real, ela precisa ser protegida de tudo e todos. Como ter intimidade em uma vida exposta ao mundo 24 horas por dias?
Por fim, temos Peter Stanton, a face pública da M.A.S.E.. Aqui não posso revelar muito, só dizendo que manipular informações é o que ele faz melhor. Decidir o quanto informação representa poder, quem vai ser afetado por uma palavra ou duas. Isso dá um alto sentido de ego àquele que detém o poder da informação.
Curti a narrativa até meados da terceira parte. O Fábio me enganou direitinho. Criei a expectativa de que ele estaria montando um tecnothriller onde a narrativa iria girar em um confronto de tensões entre os personagens e a M.A.S.E. Sendo esta última a "vilã" da história e os personagens seriam responsáveis por desmascarar aqueles que estariam envolvidos na trama. E isso deu um baita gás na história, tornando-a interessante, fluida. Me lembrou bastante os romances do Cory Doctorow como Pequeno Irmão ou Piratas de Dados. Só que entrou a trama da viagem no tempo no final. Para mim, essa foi a parte onde a história perdeu o ritmo com elementos que não teriam feito falta. Se a trama tivesse apenas ficado na investigação, na perseguição e no complô da M.A.S.E., teria sido perfeito. Mas, toda aquela trama da quarta parte acabou me soando desconectada com a narrativa principal. A ideia de brincar com manipulação de informações e sua interferência em políticas e governos é muito atual e gera uma associação imediata.
Outra coisa que acabou me decepcionando um pouco foi o personagem que atua como antagonista, Stanton. Ele tinha muito potencial para oferecer à trama e acaba apagado no último trecho da história. Até acho que no geral o autor soube desenvolver bem seus personagens e dar bons arcos narrativos (uns mais interessantes e outros menos interessantes). O problema acabou sendo a ruptura que acontece quando Stanton e Blake são colocados no clímax narrativo. A gente acaba não tendo um bom payoff de suas trajetórias. Aqui eu não posso entrar em detalhes, mas os protagonistas secundários acabaram não tendo um desfecho adequado aos seus papéis na narrativa como um todo.
"Só um homem tolo coloca caprichos acima de fatos."
Enfim, eu adorei vários aspectos do desenvolvimento dos personagens e a maneira como eles reagiam ao mundo que os cercava. Não só isso como todos eles ganharam ímpeto e evoluíram com o passar da trama e a gente salivava por ver aonde tudo ia dar. Mas, uma escrita que me incomodou em diversos momentos por empregar muitas metáforas e uma quarta parte que esfriou as minhas expectativas fizeram com que eu repensasse algumas coisas sobre a história. No entanto, Fábio nos dá uma aula de roteiro, escrita fluida e construção/motivação de personagens. Fora que, graças a Deus, o autor sai daquela "bendita" (para não usar o antônimo) fórmula do mito do herói. Snowglobe é atual, é envolvente e merece estar na sua lista de leituras.
Ficha Técnica:
Nome: Snowglobe
Autor: Fábio M. Barreto
Editora: SOS Hollywood Productions
Número de Páginas: 319
Ano de Publicação: 2019
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