Esta resenha de Robinson Crusoé reflete sobre uma das maneiras modernas de se aproveitar o clássico da literatura inglesa.
Sinopse:
“30 de setembro de 1659. Eu, pobre e desgraçado Robinson Crusoé, depois de naufragar em alto-mar durante uma tempestade terrível, cheguei à costa desta ilha desoladora e infeliz, que denominei ‘Ilha do Desespero’, sendo que o restante da tripulação do navio afogou-se, e quase morri.”
Com uma prosa aparentemente despretensiosa, mas repleta de nuances, Daniel Defoe narra a vida atribulada de Crusoé a partir da decisão de abandonar o destino trivial no interior da Inglaterra para se tornar marinheiro. Após várias desventuras e uma crucial estada no Brasil, seu barco naufraga em meio a uma tempestade violenta, a tripulação morre e ele vai parar numa ilha deserta tendo apenas uma faca, um cachimbo e um pouco de tabaco, além de um formidável instinto de sobrevivência. Com disciplina, Crusoé aprende não apenas a construir uma canoa, fazer uma panela e assar pão, mas também a enfrentar seus medos, suas dúvidas e a solidão absoluta. Até que, depois de 24 anos excruciantes, ele descobre uma pegada humana na areia.
A clássica história sobre o protagonista naufragado e isolado do resto do mundo em uma ilha ainda é capaz de tecer efeitos em leitores atuais? Com toda a certeza. Ainda mais no momento atual, quando podemos pegar uma parte desta metáfora e refletir sobre os modos de isolamento social a que fomos capazes de nos colocar — infelizmente nem todos por motivos de necessidade ou mera negligência — a prevenir a disseminação de uma doença pandêmica, e nisso aprender atividades as quais jamais daríamos uma oportunidade, como a de fazer o próprio pão como o nosso protagonista, ou refletir sobre os valores importantes em nossas vidas, como ele fez. Robinson Crusoé foi o náufrago que passou mais de vinte anos sozinho numa ilha, cuja história foi escrita por Daniel Defoe em 1719. A editora Zahar relançou o livro no Brasil numa edição ilustrada com a tradução de José Roberto O’Shea em 2021.
“Nunca os contratempos de qualquer jovem aventureiro, creio eu, começaram tão cedo ou perduraram tanto quanto os meus.”
A narrativa em primeira pessoa de Robinson Crusoé começa pelas advertências dadas a seu pai sobre uma vida garantida, e do quanto seria imprudente trocá-la por uma vida nos mares, quando sequer tinha alguma experiência com a atividade. Todos os alertas proféticos do pai foram incapazes de convencer Robinson a mudar de ideia e ele persistiu no sonho de viajar de navio. Este se torna um pesadelo logo depois quando o protagonista precisa encarar uma tempestade mortal. Embora tenha sobrevivido, era apenas o primeiro de seus infortúnios. Entre incertezas em prosseguir nesta atividade, chegou até a ficar no Brasil, então uma colônia de Portugal, mas de lá içou as velas de novo, com a próxima tragédia a mudar de vez a sua vida.
Robinson foi o único sobrevivente do naufrágio, condenado a viver numa ilha inabitada por humanos. Dotado apenas de recursos que conseguiu recuperar da embarcação naufragada e pelo pouco conhecimento sobre produção de todos os itens básicos à rotina humana — moradia, vestuário, subsistência —, assim sobreviveu nesta aventura compartilhada por meio desta narrativa.
“[...] não têm vergonha de pecar, mas têm vergonha de mostrar arrependimento.”
A ficção tem uma escrita semelhante a uma obra autobiográfica, com o protagonista organizando os acontecimentos conforme avalia a melhor maneira de retratar o que lhe aconteceu, usando por vezes de registros epistolares — diários. Sem complexidade na narrativa, restrita a descrições pertinentes à história e inspirada em reflexões pertinentes à época, como a valorização em se aprimorar por conta própria entre os ingleses contemporâneos ao Defoe. Só que para o leitor comum isso pode trazer certa simplicidade apesar das descrições detalhadas.
Uma comparação pertinente aos livros atuais é o conflito, que costuma acontecer entre personagens, mesmo quando para usar o antagonista apenas de metáfora à fraqueza do protagonista. Já boa parte deste livro trata apenas do único personagem interagindo consigo mesmo. A proposta em si pode afastar certos leitores que podem esperar uma escrita monótona, embora nem sempre isso ocorra. O autor conseguiu colocar o protagonista em conflito com os problemas que fez a narrativa fluir, e em outras vezes entregou monólogos sobre reflexões acerca da religião do personagem. Já ao retomar a interação com outros personagens, soa incoerente a capacidade do protagonista em manter as habilidades de comunicação após tanto tempo vivendo isolado da sociedade.
Robinson Crusoé é um relato fictício, elaborado para que a vida deste personagem contenha significados traçados desde quando desafiou sua família para seguir uma carreira inesperada, onde os acasos são justificados pelos monólogos do protagonista. Ainda assim entrega uma aventura singular a leitores de séculos após seu lançamento, revivendo novas maneiras de se sentirem ilhados e forçados a aprender atividades inusitadas para coisas simples.
“Aquilo foi apenas uma amostra das desventuras que eu haveria de sofrer.”
Ficha Técnica:
Nome: Robinson Crusoé
Autor: Daniel Defoe
Editora: Zahar
Tradução: José Roberto O'Shea
Número de Páginas: 352
Ano de Publicação: 2021 (nova edição)
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*Material enviado em parceria com a Companhia das Letras
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