O que aconteceria se as pessoas perdessem a capacidade de morrer? Esse é o mote desse romance utópico pós-apocalíptico escrito por Loraine Pivatto em que mesmo em um lugar que prega o igualitarismo, o ser humano sempre vai encontrar formas de separar as pessoas.
Sinopse:
O ano é 2012,
Dia 21 de dezembro,
E a temida profecia maia acaba de se cumprir.
Cidades devastadas,
Ruas vazias,
A população mundial bruscamente reduzida,
E a história dos sobreviventes começa a ser contada.
Os escolhidos iniciam um novo mundo, baseado nas novas regras passadas através dos sonhos.
Agora serão 2 vidas:
A primeira até os 70 anos,
A segunda, a partir dos 20 e até os 100.
150 anos no total.
Nenhum segundo a mais.
A nova sociedade começa a surgir:
Sem desigualdade,
Sem dinheiro,
Sem doenças,
Sem possibilidade de mortes prematuras,
Exceto por uma maneira.
Uma única maneira de morrer, mas que não pode ser revelada. Um segredo que precisa ser guardado. Para salvar a sociedade de si mesma.
O ser humano é capaz de mudar? Seríamos capazes de nos esquecer de todas as nossas disputas capitalistas, nosso individualismo para embarcar em um futuro onde todos pudessem ser iguais? Ou inventaríamos uma nova maneira de classificar as pessoas entre privilegiados e explorados? Nesse livro que, apesar de ter um viés leve, a autora nos apresenta algumas reflexões pessimistas acerca da natureza humana.
Regina é a presidente de uma grande empresa: atarefada, focada nos negócios, ela descobre pouco a pouco como o seu casamento está falido. E tudo acaba em uma noite quando ela descobre o seu marido transando com sua melhor amiga em sua própria sala. Após uma discussão acalorada, os ânimos se exaltam e Regina acaba dando dois tiros. Só que estes tiros acabam parados no tempo porque nesse momento a profecia maia de uma nova era se inicia. Nossa protagonista acorda sozinha, buscando sobreviventes. Ela consegue encontrar e se depara com uma nova realidade: as pessoas não podem mais morrer. Não só isso como nessa nova vida as pessoas irão viver até os 70 anos quando serão enviadas a uma nova vida em que elas começarão dos 20 anos. A partir daí veremos como Regina e seus descendentes se adaptarão a uma nova realidade que vai apresentar novos desafios.
Para aqueles que não conhecem, o slice of life é um gênero literário em que vemos o enredo sendo o cotidiano vivido pelos personagens. Os dramas e os problemas vão acontecendo aos poucos e geralmente a ação é focada no desenvolvimento dos personagens. Muitos não curtem o gênero por ele ser mais parado e com menos ação. Eu gosto porque obriga o autor a desenvolver melhor os personagens e a saber dosar a evolução do enredo. Em Pseudônimo Mr. Queen, Loraine escolheu dividir a história em três atos. O curioso é que eles são bem distintos e até um tanto desiguais entre si. No primeiro ato temos o impacto do encontro com o novo mundo e as descobertas que os personagens precisam descobrir sobre as regras e limites deste novo lugar. O enredo parece até o de um livro de mistério e o leitor vai querendo saber um pouco de como tudo funciona. O segundo ato se passa a partir do ponto de vista de Larissa, que acaba se tornando uma espécie de "neta" de Regina. Esse é um ato maior em que vemos o surgimento de uma nova classe social, os índices de avaliação de mérito, as dificuldades e as obsessões das pessoas. Na minha opinião, este foi o trecho que eu menos gostei porque acabou sendo muito estendido em relação aos outros dois atos. O terceiro ato é o de resolução dos problemas e das grandes revelações. Tudo acontece bem rapidamente e o leitor fica ávido querendo saber o que vai acontecer a seguir. Neste trecho vemos como a escrita da autora amadureceu bastante, mesmo os capítulos sendo um pouco mais alongados do que nos outros dois atos.
Pseudônimo Mr. Queen é também uma história geracional. Mesmo sendo em primeira pessoa, alternamos o Ponto de Vista entre as três gerações da família Brandão. Cada uma com características específicas que as tornam indivíduos bem distintos. Regina é uma pessoa assombrada pelos seus crimes em sua vida anterior; ela faz de tudo para poder ajudar o próximo e repudia a morte; Larissa é uma menina criada com todo amor por Regina e de uma adolescente idealista ela se torna uma mulher responsável apesar de ter caído em um casamento infeliz; já Vitória, filha de Larissa, é revoltada, impulsiva e quer a todo custo alcançar seus objetivos, apesar de ser uma mulher de muito caráter. Das três eu gostei menos de Larissa. Achei que a personagem acabou ficando um pouco apagada no ato que seria só dela. Os problemas que ela passa ao longo da história acabam servindo para colocá-la para baixo. Ela consegue dar a volta por cima apenas no terceiro ato, mas sua recuperação perde muito o ímpeto diante do protagonismo gritante de Vitória no final da história.
Gostei muito da maneira como a Loraine aborda alguns temas bem complicados. Vou começar comentando sobre as classificações sociais. No nosso mundo as classes sociais são talhadas pelos recursos financeiros dos quais dispomos. As classes privilegiadas são simplesmente aquelas mais ricas. Mas, no mundo criado pela autora todos devem ter o mesmo tipo de moradia. Todos tem acesso às mesmas coisas e o dinheiro acaba perdendo o seu valor nesta sociedade utópica. Mas, o ser humano acaba encontrando outra forma de se classificar: qual a profissão que é exercida, quanto de felicidade ele tem, que tipo de casamento. O mundo se transforma em algo que as aparências acabam contando mais do que qualquer coisa. Para terem bons índices avaliativos, um indivíduo precisa publicar muitas fotos em seu Happiness Book (um tipo de Facebook) com várias aparições em eventos e festas sociais. As melhores profissões são ligadas à área de entretenimento como cantores, escritores, pessoas que lidam com informação. A própria beleza interfere no seu índice, então muitos possuem uma cota de cirurgias plásticas que podem usufruir. A autora faz uma crítica social bem pesada e reflexiva. Eu sou totalmente capaz de imaginar esse tipo de sociedade. Se formos olhar ao nosso redor, o ser humano precisa criar formas de se classificar. Tornou-se quase intrínseco ao seu caráter. Ele não consegue conviver em um lugar cooperativista e harmônico. Ou seja, as pessoas, no romance de Loraine, continuam a ser divididas. Tudo o que mudou foram os parâmetros de divisão.
Outro tema explorado pela autora é a obsessão. Paulinho é um homem obcecado por Larissa. Mas, ele é obcecado por uma imagem da mulher que ele ama. Uma imagem bem específica em um momento-chave da vida dele. E ele vai dispor de todos os recursos para obter aquela mulher que ele deseja. E a sua obsessão pode durar dias, meses, anos, décadas; é o motor que move a sua vida. A autora solta pistas ao longo do enredo de como é a personalidade do personagem ao longo da história, mas as revelações finais são realmente assustadoras. Dignas de um bom thriller. Claro, existe um clichê de par romântico para Larissa que não vou comentar, mas aqueles que estiverem acostumados com esse tipo de romance vão perceber. Mas, acho bacana a forma como acontece.
Eu fiquei bastante confuso sobre o tal mistério de como as pessoas morrem. Okay, eu entendi no final como isso se dá. Mas, sabe quando me parece um pouco esquisito. Depois aquela coisa de ir de um mundo para outro e se comunicar com quem está do outro lado, foram elementos de enredo que não ficaram bem encaixados e eu percebi na escrita da autora que ela mesma se deu conta disso. Várias das ideias sci-fi que ela propõe na história são muito interessantes, mas essa em particular achei que a Loraine poderia ter caminhado por um rumo diferente. Mas, esse não é o elemento mais importante da história.
Enfim, Pseudônimo Mr. Queen é uma boa história, talvez um pouco longa demais, mas não cansativa. O leitor acaba sempre se apegando a um ou outro núcleo de personagens, o que é normal no gênero slice of life. O ritmo da história pega no primeiro e no terceiro atos onde a autora demonstra um bom domínio de técnicas de escrita.
Ficha Técnica:
Nome: Pseudônimo Mr. Queen Autora: Loraine Pivatto
Editora: AutoPublicado
Gênero: Ficção Científica
Número de Páginas: 412
Ano de Publicação: 2015
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*Material enviado em parceria com a autora
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