Kaluanã é um índio que foi criado distante de sua taba de origem por conta de alguns problemas internos. Anos depois ele retorna e precisa lidar com a sobrevivência de sua comunidade frente à ameaça postada por portugueses e franceses.
Sinopse:
Os índios Potiguaras lutam contra a colonização portuguesa.
Um acordo com os franceses é feito para tentar barrar seu avanço, mas o inimigo está determinado a conquistar suas novas terras e ainda usá-los como mão de obra escrava.
Conseguirão os guerreiros potiguaras deter o avanço português em suas terras?
Acompanhe a história de amor e de luta de Kaluanã, um jovem índio, na defesa de sua tribo e de seus costumes, contra a pior das ameaças: o homem branco.
Um romance que mistura ficção e fatos históricos, ocorridos na época do descobrimento do Brasil, ao longo do litoral nordestino.
Junte-se a esse embate, ocorrido há mais de quatrocentos anos, no berço de formação do Brasil.
Esse é um romance bem diferente que vem suprir um vácuo existente na atualidade no Brasil: narrativas que se passem no período colonial brasileiro. É incrível o quanto a nossa história é rica em acontecimentos marcantes e o quanto não exploramos esse imenso manancial. Isso falando não apenas em situações ligados aos colonos portugueses, mas histórias indígenas (como é o caso de O Potiguar) ou ligados à chegada da população africana no Brasil. Simplesmente, não tem. Só por esse motivo, eu dou três corujas de cara para o João Paulo pela coragem e pelo trabalho árduo em ter estudado os fatos históricos do período e ter criado uma história marcante.
Vou começar de maneira inversa falando do enredo. É inegável o trabalho de pesquisa para a composição dos fatos. Lógico que o autor em nenhum momento se propõe a ser 100% fidedigno, do contrário ele não conseguiria trabalhar sua história e personagens. Mas, bateu um arrepio quando eu olhei aquele mapa das capitanias hereditárias. Eu sou professor de História no Estado e ver uma obra que trate com respeito do período sem incorrer em ironias, estereótipos e bobagens do tipo, já me faz ficar emocionado. Percebemos o trabalho de pesquisa acurado ao ver detalhes simples como a alimentação dos indígenas da região, como eles se relacionavam, quais eram os rituais. Ao final existe um apêndice legal mostrando algumas expressões potiguaras que enriquecem bastante a leitura e uma bibliografia bacana caso o leitor fique interessado pelo tema e deseje se aprofundar mais.
A narrativa é bem fechada em si, então não se preocupem porque não se trata de uma trilogia ou uma série. Tem início, meio e fim, muito bem delimitados. A escrita é em terceira pessoa, mas o autor se permite vagar pelos vários locais onde a narrativa se situa. Não existem necessariamente núcleos de personagem, mas percebemos um foco maior nas aventuras de Kaluanã. Os capítulos são bem delimitados, facilitando a passagem de páginas. O autor não pesou a mão na narrativa e dá para perceber uma boa evolução do O Último Guardião para cá. Vemos um foco maior no trabalho de desenvolvimento do protagonista e em defini-lo com mais profundidade. Nada de jornada do herói por aqui; temos a boa e velha divisão em três atos feita com qualidade e habilidade do autor. Até aparecem alguns elementos da jornada, mas acredito que por ser uma história fechada em si, o autor optou por algo mais compacto, facilitando o encerramento da história.
Senti ainda alguns problemas relacionados a elementos transicionais que eu havia apontado em resenhas anteriores. Quando ocorrem saltos entre núcleos de personagens, é preciso subdividir a cena para não causar uma confusão no leitor. Em capítulos em que núcleos indígenas e portugueses coexistem, acontecem alguns momentos truncados onde a narrativa alterna entre esses núcleos. Bastava ali um travessão dividindo a cena, uma estrelinha ou algum outro símbolo qualquer. Stephen King usa números quando recorre a transições. Outro tipo de transição que ficou um pouco estranha foi a passagem de anos na história. Ela acontecia de forma abrupta e causava um estranhamento inicial. Nesse quesito, eu preferiria que o autor tivesse encerrado o capítulo e destacado quantos anos se passaram no início do próximo capítulo.
Em relação aos personagens, vemos um bom crescimento do autor. Apesar de que eu já havia curtido o Galaniel no primeiro livro de O Último dos Guardiões, mas acredito que Kaluanã seja uma construção mais madura do autor. Ele tem qualidades e defeitos assim como inseguranças. Em vários momentos na história, ele questiona a si mesmo sobre que rumos ele deve seguir. Em outros, ele apenas tenta se integrar na taba onde vive. Já os demais personagens também possuem a sua vez: Ussu Ypau e sua inveja do sucesso de Kaluanã, a doce Kauany que encara Kaluanã como um igual; Atãguatu, parceiro do protagonista. Na questão do núcleo indígena, gostaria de ter visto um trabalho maior com Atãguatu que ficou um pouco de lado no meio da história. Mas, em um sentido geral, o trabalho com a taba Poti ficou excelente. Um detalhe que vai passar despercebido por muita gente foi a presença da taba com uma cacique mulher, a Antônia. Adorei que o autor se preocupou em mostrar que nem só de caciques homens viviam as antigas comunidades indígenas no Brasil.
Porém, o núcleo português não foi muito trabalhado. Senti falta de o autor trabalhar mais as motivações dos portugueses em desejar as terras indígenas. No final, pareceu que os portugueses foram apenas puros antagonistas à história, apesar de que em trechos parecia que o autor quis dar mais profundidade a eles. Os portugueses ficaram muito unidimensionais, quando na verdade havia toda uma série de temas que poderiam ter sido trabalhados. O próprio resgate da filha do cacique que estava presa por um mameluco prova que o autor pensou em fazer isso.
O Potiguar é a prova viva de que é possível sim criar boas histórias a partir dos próprios relatos do período colonial brasileiro. Existe uma série de livros e manuais sobre o tema. Para que insistir na Idade Média europeia, se nós temos tanta riqueza aqui disponível e inexplorada? João Paulo merece meus aplausos de pé por ter tido a ousadia e a coragem de criar uma história usando elementos exclusivamente brasileiros e explorando a rica história indígena. Notei também muita evolução na escrita do autor. Ou seja, meus caros, O Potiguar é um livro obrigatório para todos que estão curtindo a ascensão da literatura fantástica brasileira.
Ficha Técnica:
Nome: O Potiguar Autor: João Paulo SIlveira Editora: Auto-Publicado Gênero: Romance Histórico Número de Páginas: 214 Ano de Publicação: 2017
*Material enviado em parceria com o autor
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