Uma estudante inglesa pretende realizar pesquisas sobre a Peste Negra viajando até o período. Seu professor aponta os perigos de uma viagem tão longe ao passado, mas mesmo assim ela persegue seus objetivos. Mas, imprevistos tornarão uma simples pesquisa em um apocalipse completo.
Sinopse:
Para Kivrin, que se prepara para um estudo de campo em uma das eras mais mortais da história humana, viajar no tempo é tão simples quanto tomar uma vacina ― desde que seja uma vacina contra as doenças encontradas na Idade Média. Já para seus professores, isso significa cálculos complexos e um monitoramento constante para garantir o reencontro.
No entanto, uma crise de proporções inimagináveis pode colocar o futuro de Kivrin, e de todo o Reino Unido, em perigo. Seu professor mais próximo, o sr. Dunworthy, fará de tudo para resgatá-la. Mas até que ponto é possível desafiar a morte?
De 1300 a 2050, Connie Willis faz um trabalho magnífico na construção de personagens complexos, densos e pelos quais é impossível não sentir empatia. O livro do juízo final é ao mesmo tempo uma incrível reconstrução histórica e uma aula sobre o poder da amizade.
Alguns autores desvalorizam a pesquisa para a composição de uma narrativa. Sabe quando você passa meses e mais meses se informando sobre determinados temas como a aerodinâmica de uma asa delta, as complexidades da marcenaria ou as característica de diferentes tipos de feno apenas para compor um capítulo do seu livro? Estes detalhes são tão importantes quanto uma boa história. Dão aspectos de verossimilhança. Mas, se estamos falando de histórias fantásticas, por que se preocupar com a realidade? Connie Willis nos mostra isso em detalhes em sua obra O Livro do Juízo Final.
A escrita da Connie continua a me impressionar. Só deixo um parênteses: O Livro do Juízo Final é um livro da década de 90 enquanto Interferências, meu primeiro contato com ela, é um livro mais recente. E este último tem uma vibe muito diferente do primeiro. O que estamos falando hoje é um livro premiado e considerado por muitos como um clássico da ficção científica. É uma escrita detalhista, mas que de forma alguma alija o leitor do que está acontecendo na história. Não senti palavras difíceis e em nenhum momento fiquei perdido. Fica aqui também o destaque para a tradução excepcional feita pelo Bráulio Tavares que manteve a característica da autora sem prejudicar o seu estilo. Os capítulos são redondos e não passam de 15 a 20 páginas. Mas, não pensem que se trata de uma leitura rápida.
"As lanternas lançavam seus raios nas facetas cristalinas dos flocos de neve, fazendo-os cintilar como joias, mas foram as estrelas que fizeram Kivrin prender a respiração, centenas de estrelas, milhares de estrelas, todas cintilando como diamantes do ar gelado. 'Está brilhando', disse Agnes, e Kivrin não entendeu se ela estava falando da neve ou do céu."
E aí vem a minha crítica (a primeira delas). Achei a escrita descritiva demais. Isso vem provavelmente da imensa pesquisa que a Connie fez sobre a Peste Negra e o século XIV. Como um historiador, eu fiquei deliciado em descobrir algumas coisas que eu desconhecia sobre o período. Sim, apesar de ser uma história de ficção científica, ela é baseada em fatos e informações históricas bem precisas. Ao mesmo tempo isso foi o calcanhar de Aquiles da narrativa, na minha opinião. É uma leitura densa, arrastada em alguns momentos. E mais: o leitor precisa manter o foco o tempo todo, caso contrário vai perder algum detalhe exposto pela autora que vai ser importante mais tarde. Chegou um momento em que eu precisei deixar o livro marinando um pouco, e pegar uma leitura mais leve e divertida antes de retomar a leitura. Por que a nota alta? Porque lá para o final da segunda parte e em toda a terceira parte, a espera vai ter valido a pena. As pontas começam a ser amarradas e a autora mostra por que ela era a maior vencedora de prêmios Hugo até alguns anos atrás. A ação corre frenética e a gente fica louco para virar logo as páginas e saber o que vai acontecer aos personagens.
O grande mérito em O Livro do Juízo Final são os personagens, sem dúvida alguma. Eu fiquei apaixonado por eles. Ao final do livro eu fiquei triste porque queria ver mais histórias com eles. As relações estabelecidas pela autora entre os diversos personagens, fossem eles principais ou secundários é incrível. A gente consegue se lembrar até de peculiaridades de cada um. Kivrin e o sr. Dunworthy são os nossos protagonistas, sendo Kivrin a personagem que está no passado e Dunworthy no presente da história. E a relação entre ambos é linda, muito mais do que um professor por sua aluna, mais de um pai para uma filha. Connie consegue estabelecer muito bem essa relação e ela é reforçada a cada capítulo que se passa. Claro que não é um amor obsessivo, mas uma relação de um pai que se preocupa com o que vai acontecer a sua filha em uma viagem perigosa.
Kivrin representa o nosso olhar para o passado. Ela vai ser os nossos olhos no século XIV. Admito que demorei para gostar do núcleo dela: Kivrin, Agnes, Rosemund, Eliwys, Imeyne, o padre Roche e Gawyn. Provavelmente pelo excesso de descrições do modo de vida da época, a religiosidade, os costumes tenham me afastado de curtir esse núcleo. Cada vez que Imeyne passava parágrafos e mais parágrafos descrevendo como devia ser o culto em uma igreja medieval, aquilo me cansava. Mas, ao mesmo tempo, serviu para tirar um pouco daquele mito que todo o leitor de fantasia tem de que o período medieval era maravilhoso e repleto de aventuras. Como o sr. Dunworthy explica a Kivrin antes de ela partir, é um período repleto de perigos, doenças, degoladores e muita superstição. Pessoas poderiam ser mortas apenas por erros de etiqueta. Connie consegue reproduzir até mesmo a forma como as famílias se relacionavam. A relação entre mãe e filhas vai parecer estranha, mas não nos esqueçamos que essa noção do amor romântico e caloroso é algo bem recente, vinda do século XIX. Crianças no período antigo e medieval eram tratadas como pequenos adultos. Se casavam logo, e quase nunca por amor.
“Às vezes fazemos tudo por uma pessoa, mas isto não basta para salvar a vida dela.”
Connie é uma autora que não tem pena de matar personagens. Se apegou a um? Cuidado! Ela vai matá-lo eventualmente. Os momentos finais tanto no passado como no presente são mortais. Kivrin passa por uma situação inacreditável. Tudo aquilo pelo que ela passa é chocante, é de fato o fim dos tempos. Presenciar aquela situação acaba com a psiquê de qualquer um. Aqueles momentos finais são completamente justificáveis diante do pavor da aniquilação de tudo o que você conhece. E não se tratou de uma magia, de um exército ou de uma arma; foi apenas um micro-organismo capaz de devastar o ser humano. O curioso de tudo é perceber o quanto o ser humano se desespera diante de uma força que ele é incapaz de resistir.
Também somos colocados diante da arrogância do ser humano. Gilchrist e sua equipe representam aqueles de pensamento pequeno e capazes de realizar ações impensadas apenas para se beneficiar de qualquer forma. Não importam os meios para se alcançarem determinados fins. Kivrin acaba pagando pela irresponsabilidade alheia. E mesmo Dunworthy tendo boas razões para desfazer a experiência ele acaba precisando enfrentar inúmeros obstáculos. Em alguns momentos da história, a gente chega a bater cabeças de tantas burocracias e bobagens que o protagonista precisa passar. Esse elemento de vai e vem na história é o que me fez gostar mais do núcleo no presente. Isso somado ao espírito investigativo de tentar descobrir aonde se encontrava a razão de todos os problemas que acontecem na história.
Minha outra crítica diz respeito ao peso da narrativa e à demora com a qual as coisas acontecem. Achei que a narrativa tem muita barriga, ou seja, tem muitos elementos que são dispensáveis. Alguns capítulos são marcados por terem acontecimentos irrelevantes apenas destacando relações entre personagens. Algo que poderia ter sido condensado em cenas menores e sem tanta pompa e descrição. Me peguei cansado ao ter que lidar com as benditas sineiras explicando estilos e formas de tocar sinos. Além disso, as frases são carregadas e exigem atenção. Isso porque o leitor é que vai juntando as peças para solucionar os mistérios da trama. Por essa razão acabamos nos detendo mais nos parágrafos.
Connie Willis nos presenteia com mais uma história memorável. Mostrando como realizar uma pesquisa para a composição de uma narrativa, ela nos coloca diante de personagens inesquecíveis. Desmistificando a Idade Média e nos aproximando do que ela realmente foi, Connie nos mostra como podemos ficar impotentes diante de criaturas microscópicas e como o fim do mundo pode ser traumático. Uma das cenas mais belas e temíveis é quando Kivrin e Roche estão na Igreja após toda a destruição deixada pela Peste Negra. Mesmo uma pessoa cética como Kivrin é levada ao seu limite e questiona sua fé e a justiça no mundo. Ou seja, recomendo demais este livro.
Ficha Técnica:
Nome: O Livro do Juízo Final Autora: Connie Willis Editora: Suma Gênero: Ficção Científica Tradutor: Bráulio Tavares Número de Páginas: 576 Ano de Publicação: 2017 Link de compra: https://amzn.to/2D6t5WA
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