A bordo do Quin Zaza, uma tripulação tenta ganhar a vida caçando perigosas criaturas. No meio de um difícil cotidiano vivido por essas pessoas, surgem a amizade e a coragem necessária para tocar a vida. Sem falar nas ótimas receitas que eles compartilham. Venham a bordo dessa aventura!
Sinopse:
Há meio século que eles cortam os céus atravessando países na procura dos raros dragões. O Quin Zaza é uma das poucas naves ainda em atividade na caça aos dragões. Cada um da tripulação tem suas próprias razões para estar nessa atividade. O de Mika, por exemplo, é comer a carne de dragão que ele adora! Sempre perseguindo presas de qualidade cada vez mais superior, eles seguem nessa emocionante jornada!
Como alguém que faz resenhas críticas e tenta compartilhar minhas leituras, preciso procurar ser bastante imparcial, mesmo não curtindo tanto uma leitura. Claro que a imparcialidade é impossível, ainda mais em um artigo de opinião. Mas, a gente tenta não ser tão taxativo. E é por isso que essas resenhas de Caçando Dragões serão tão complicadas porque não gostei do tema. Nem um pouco. A história é um slice of life da tripulação de um navio voador que vive a vida caçando dragões. Vemos os desafios, as dificuldades, as alegrias que esse trabalho impõe a eles. Esse mangá teve uma série de polêmicas quando foi publicado no Japão. Porque a narrativa pode ser facilmente entendida como uma defesa da caça de baleias, uma prática que é proibida por lá. Se você substituir dragões por baleias, é fácil a associação. Pensem comigo: eles andam em navios voadores, caçam os animais com arpões, retiram o seu óleo, curtem a sua pele, se alimentam de sua carne. Tudo remete a isso. Até acredito que o autor tenha mudado o seu direcionamento após as críticas, mas se torna complicado quando a temática em si é essa. Por mais que se tente enfeitar o pavão, ele continua sendo problemático. Então provavelmente tudo o que for opinar ou até como pretendo avaliar vai passar por esse ranço de que o tema não me agrada. Vamos ver até onde consigo ir.
A arte de Kuwabara não é nada muito espetacular. Ele emprega uma arte carregada de traços hachurados onde ele monta sombra, perspectiva e detalhes dos personagens. Ou seja, apesar de ser um traço tipicamente japonês, o autor resvala em uma técnica que, para o que ele faz, serve como um atalho para desviar o foco do leitor para os personagens. Apesar de ele ser bem detalhista na maneira como nos apresenta os elementos culinários, que são bastante presentes na história, os cenários não recebem a mesma atenção. Imaginei que, como ele detalha bem o preparo dos alimentos e até os ingredientes que isso não se daria. Mas, quando o leitor se depara com uma splash page com o horizonte, é aí que os pontos fracos do autor realmente aparecem. O próprio Quin Zaza, o navio onde boa parte da história se passa, não é tão bem trabalhado. Os quadros de fundo são bem genéricos e é comum o autor usar sequências focadas em rostos com o fundo branco para não precisar se concentrar no que se encontra atrás. Mal e porcamente o vi usando linhas cinéticas, uma característica tão comum entre mangakas.
A primeira edição se concentra em mostrar o cotidiano dentro do navio. A protagonista é Takita, uma recruta que ainda está aprendendo o ofício de caçadora. Ela serve como um personagem-orelha e passamos a conhecer tudo pelos seus olhos curiosos. Os dragões do mangá pouco se parecem com dragões propriamente ditos, e mais como criaturas enormes e monstruosas. Então cada caçada é única porque cada dragão possui características particulares. Ao longo da jornada presenciamos etapas do tratamento dos dragões capturados. Takita se empenha para conquistar a confiança dos outros membros da tripulação. Ela logo desenvolve amizade por Mika, um caçador viciado na arte de matar dragões. Sua característica impulsiva o coloca em situações bem assustadoras já que ele não se importa muito em correr riscos. Ele é fascinado também por diferentes técnicas de cozinhar carnes de dragão.
Outro tema abordado nesta edição é o que fez cada um dos tripulantes subir a bordo. Vanney é a personagem escolhida para guiar sua discussão. Não conhecemos muito sobre ela, mas ela possui antecedentes misteriosos. Principalmente sua afirmação de que não há nada esperando ela em terra. Vanney também não consegue compreender exatamente o que Mika enxerga de tão fascinante em caçar dragões. Ela é a personagem que funciona como uma antítese para a história nesse primeiro momento. E sua postura indiferente fornece esse ar afastado que ela passa para seus colegas. Vai ser em Takita que Vanney encontrar algo que possa tranquilizar seu coração. Por outro lado temos Giraud, o filho de um lendário caçador ao qual não sabemos o que aconteceu com ele. Seu pai foi o motivo para Giraud subir na Quin Zaza. Ele é alguém que tem ótimos conhecimentos sobre correntes aéreas e clima. É sua habilidade que tira o navio de algumas enrascadas. Sua coragem vai ser colocada à prova quando um dragão que seu pai perseguiu por tanto tempo surge em frente de todos.
Já o segundo volume nos leva até uma cidade desse mundo. Se trata de um volume com mais ação onde os personagens precisam lidar com um dragão enorme trazido por outra tripulação e que subitamente desperta. As duas tripulações precisam deixar suas diferenças de lado e trabalhar para impedir o dragão de destruir a cidade enquanto se debate. É uma missão mais complicada que as anteriores pelo tamanho da criatura e suas habilidades únicas como raios e ondas de calor. Achei a ação meio confusa e até nem combina tanto com o estilo da narrativa, mas o autor tem boas ideias. Novamente enxergo na história a influência de técnicas náuticas típicas de pescadores: o emprego de arpões, a necessidade de usar explosivos quando a pele é grossa demais, a possibilidade de usar venenos, sempre observando o tamanho e a fisiologia da criatura. Volto àquela discussão inicial do quanto o tema me incomoda até porque a criatura estava cega e envenenada. Existe também aquela percepção de caçador de que uma vez que se ataca uma criatura, é preciso abatê-la e comê-la. É uma espécie de código de honra.
Outro ponto discutido são os longos períodos de permanência no céu. Fazem com que as relações entre eles sejam primordiais e conseguir criar laços em cidades ou casas se torna difícil. Como é o que acontece entre Giraud e a menina Katja. Me faz pensar nos marinheiros que deixam seus amores nas cidades costeiras. Os sentimentos e angústias que vem com a solidão e os longos períodos sem ver outras pessoas. Ou quando se conhece alguém e se desenvolve sentimentos por uma pessoa, a necessidade de se despedir e não se sabe ao certo se haverá um novo momento. Os amores são efêmeros e passageiros como a brisa da tarde. Por outro lado, pode haver situações em que o objetivo do marujo é deixar para trás suas relações como é o caso da Vanney. Achei legal a forma como o autor trabalhou o relacionamento inocente e crescente entre Giraud e Katja para no final termos aquele desfecho. E é uma conscientização sobre as dificuldades da vida no mar.
Para que os leitores desta resenha não me achem implicante, a arte melhorou um pouco. Gostei de alguns momentos como o sobrevoo sobre a cidade quase no final do segundo volume e duas splash pages. Mas, os problemas ainda permanecem na ausência de detalhes, no emprego de alguns atalhos. Esse era o momento em que o autor poderia mostrar suas habilidades em cenas de ação. Mas, o que vimos foram sequências estranhas, ângulos de ação esquisitos e falta de linhas cinéticas. Se o autor substituísse as linhas por algum outro recurso ocidental, como perspectiva, escala, sombras. Mas, tal não é o caso. Foram dois capítulos destacando esse momento e não senti o impacto da cena. Tem alguns momentos legais como o dragão se assomando acima da cidade e mostrando o seu real poder destrutivo.
O autor aproveita esta edição para acrescentar alguns elementos de construção de mundo. No caso, as escravas vendidas como damas dos prazeres nos prostíbulos da cidade. Vemos aquele velho hábito de marinheiros de aliviar suas tensões com os confortos de uma mulher. No caso, a personagem Katja, por quem Giraud se apaixona, é uma dessas meninas. Garotas sem rumo e sem esperança de saírem de seus lugares, ele tenta conquistá-la dando um pouco de seu carinho e inocência. Esse aspecto é meio glamourizado no mangá e não tratado exatamente com o devido cuidado. Achei bem raso. O que me chamou a atenção foi a arte de usar partes da pele de dragões para fazer tapeçarias. Ponto que se liga também a determinados hábitos de caça. Gostei dos detalhes que o autor inseriu em um hábito. Mostra que ele tem um pouco de noção acerca da necessidade de dar profundidade às culturas do seu material.
No geral, Caçando Dragões não é um mangá excepcional, sendo apenas mais um em uma longa gama de outras publicações. A temática me incomoda bastante, tendo vários paralelos aos hábitos de caçadores, seja na forma de matar animais, às receitas para comê-los, ao curtir, ao aproveitar o seu óleo. Se você não conseguir passar dessa impressão inicial e o tema te incomoda, não avance. Pare por aqui. Se você conseguir ultrapassar, tem alguns pontos que merecem elogios, mas está muito longe de ser algo realmente bom. A arte não é legal. O autor peca no emprego de elementos comuns da arte japonesa como as linhas cinéticas, a preocupação com a expressividade dos personagens. Uma arte hachurada e que, em splash pages, revela os seus maiores pontos fracos.
Ficha Técnica:
Nome: Caçando Dragões vols. 1 e 2
Autor: Taku Kuwabara
Editora: Panini Comics
Tradutora: Dirce Miyamura
Número de Páginas: 208 e 200
Ano de Publicação: 2019
Links de compra:
コメント