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Foto do escritorPaulo Vinicius

Resenha: "As Aventuras de Pinóquio" de Carlo Collodi

Essa é a história original que trouxe para o público mundial um dos personagens mais famosos das histórias infantis. Mas, se você pensa que já conhecia a história, melhor pensar duas vezes. Collodi nos apresenta um Pinóquio bem diferente do bom menino criado por Gepetto.


Sinopse:


Pinóquio, o famoso boneco de madeira que queria ser um menino de verdade, ficou mundialmente conhecido a partir da animação da Disney de 1940, mas sua história tem uma origem muito mais sombria e travessa, diferente da versão promovida nas telas do cinema. Sua jornada começa nas mãos do escritor italiano, Carlo Collodi, que em 1883 publicou As Aventuras de Pinóquio. Sua história original é tão diferente que o editor de Collodi, na época, pediu que ele escrevesse mais capítulos para que o enredo pudesse ser direcionado a um final feliz. Pinóquio, por ser um boneco, era livre de amarras sociais: podia sair da linha, quebrar protocolos de hierarquia e desferir golpes na rígida moral imposta ao Ocidente em plena era vitoriana. O boneco é cínico, desobediente e, o que lhe confere em especial a fama, mentiroso.






Este livro é um ótimo exemplo de como as histórias podem ganhar novos significados com o passar das gerações. A história que conhecemos é uma bela história de uma marionete que tenta se tornar um belo menino com a magia da fada azul. Vez ou outra ele apronta algumas traquinagens e conta algumas mentiras, por isso seu nariz cresce. Mas, lá no fundo ele ama seu criador, o mestre Gepetto. Bem, digamos que a história original não é tão bonitinha assim. E Collodi quis trazer uma sátira, de certa forma, ao nos apresentar um personagem que é uma criança e não tem lá seus bons sentimentos. A versão da Disney que é a que temos um conhecimento maior é a que ficou eternizada. Com toda aquela aura de magia e doçura que a empresa empenhou no cinema na sua era de ouro. Até chegando a ressignificar as histórias, fugindo do original para trazer a um público mais jovem. Como a própria marionete que representa nas histórias, Pinóquio ganhou vida própria e ultrapassou seu criador. Muitos leitores sequer conhecem o nome de Carlo Collodi hoje embora consigam descrever perfeitamente o personagem que ele criou.


Na história, Pinóquio originalmente era um toco de madeira senciente. Gepetto lhe deu forma e colocou todo o seu carinho em sua criação. Só que desde sempre, a marionete é bastante desobediente. Frequentemente se envolve em problemas e não respeita lá muito as autoridades. Detesta ir para a escola e quer fazer o que lhe dá vontade. Sem se importar muito com as consequências de suas ações. Por esse motivo, os problemas irão persegui-lo. Ele irá se envolver com uma raposa e um gato que parecem esconder mais do que aparentam ser de verdade. E cada palavra que eles sussurrarem no ouvido de Pinóquio o levará mais longe de Gepetto. Terá colegas de escola que aprontarão todas, desde ir a uma cidade dos burros até insinuarem ver um tubarão no cais. Todas essas coisas enquanto Gepetto morre de preocupação com o seu filho. Poderá a Fada Azul ajudar esse menino a se tornar alguém mais consciente ou tudo estará perdido?


A narrativa do livro é escrita em terceira pessoa, bem no estilo das histórias de contos de fadas. Percebemos algumas fórmulas presentes nas linhas como as coisas se sucedendo em números de três até a resolução ou a magia sendo encarada com naturalidade no mundo. Collodi claramente pensou no início em escrever meros esquetes semanais onde aparecia Pinóquio aprontando alguma, se dando mal e deixando o gancho para a semana seguinte. Há um ponto de virada mais à frente quando a história é preparada para ganhar um livro e é nesse momento que Collodi insere a Fada Azul. Os capítulos são curtinhos, quase como cenas se desenrolando. A escrita é fácil de entender e é repleta de diálogos. Como livro infanto-juvenil, cumpre o seu papel de oferecer uma forma dinâmica de contar histórias e as figuras ajudam o leitor a compreender parte da cena. A segunda parte da história é um pouco enrolada em seu trecho final. Acredito que Collodi não foi capaz de prever a aceitação que seu personagem teria no mercado e tinha organizado a narrativa para acabar em um certo ponto. O que vem depois disso parece ter sido escrito de forma improvisada, então determinados acontecimentos se repetem, temos algumas cenas mais enroladas do que poderiam ser. O que posso destacar de positivo nessa segunda parte é que Collodi amarra bem alguns acontecimentos que se sucederam no comecinho da história e haviam ficado meio sem solução.


Esse Pinóquio é bem diferente do menino ingênuo trazido pela Disney e que se popularizou. O Pinóquio de Collodi é preguiçoso, interesseiro e malandro. Não se incomoda nem um pouco em mentir para alcançar os seus objetivos. Tem algumas cenas bastante violentas como ele atirando um objeto e matando o grilo falante. Ou quando ele pega o dinheiro que era para ter sido usado para comprar um agasalho para Gepetto e ele pega e vai assistir algo divertido. Há traços da ingenuidade que vai lhe ser inserida depois como ele acreditar que se enterrar moedas vai conseguir fazer nascer uma árvore de moedas. O protagonista vai começar a evoluir depois que suas más ações o levam quase ao fundo do poço. Aos poucos, Pinóquio vai aprendendo sobre os valores da vida, o que faz com que ele se aproxime do sonho de se tornar um menino de verdade. Só que sua curva de aprendizado é bem grande e mesmo quando o leitor imaginar que ele aprendeu finalmente as coisas, ele volta a cometer erros.


O que vemos no livro é uma visão bem cética a cerca da inocência infantil. Collodi coloca situações em que Pinóquio mesmo se coloca que são complicadas. E o personagem faz isso de maneira bastante consciente. Sinto que hoje existe um certo pudor na hora de fazer com que personagens infantis sejam capazes de ações malignas. Na leitura de Menina Má, de William March, a gente vê outro exemplo de uma protagonista infantil capaz de realizar inúmeras atrocidades. São situações que não pertencem a um escritor maquiavélico ou alguma coisa do tipo; já presenciei situações como essas com meus alunos. Às vezes eles aprontam coisas em que estão conscientes do mal que estão fazendo. Os objetivos podem ser vários. Pinóquio quer viver a boa vida, sem precisar estudar ou assumir quaisquer obrigações. O que acontece com ele no fim da primeira parte (que é um final bem trágico) é o resultado do que ele havia aprontado até ali. Se Pinóquio tivesse sido consciente e seguido os conselhos daqueles que se importavam com ele, não teria se posto naquela situação. Os escritores precisam parar de romantizar demais a infância.


Collodi é bem satírico em diversos trechos. Isso fornece leveza ao que em alguns momentos são cenas bastante pesadas. A morte do grilo falante é tratada com tamanho desinteresse que chega a assustar. Parece uma cena de filme pastelão, mas foi um martelo arremessado em um suposto companheiro mágico que foi esmagado como um inseto. Ou o protagonista sendo perseguido por toda a noite por assassinos na floresta que queriam matá-lo e tomar o que era dele. E terminou do jeito que terminou. Mais à frente se tornarem escravos de um comerciante que tirava vantagem de meninos que tolos que desobedeciam os pais. Apesar da leveza e até da forma engraçada com a qual apresenta o senhor, a situação é bizarra: é um sequestro onde os garotos são levados a um lugar onde se tornarão meio de sustento desse senhor que os venderá a outras pessoas para serem usados como trabalhadores compulsórios. Tem nada bonitinho aqui não, exceto a belíssima edição da Wush. Talvez essa maneira tão "in your face" de descrever as coisas foi o que deu ao trabalho de Collodi a projeção que ele teve na época.


O livro não tem uma narrativa brilhante porque ele não foi pensado para ser uma obra longa. Collodi é que vai transformar posteriormente a obra em algo mais homogêneo. Há problemas de ritmo na história e de situações que se repetem. Alguns personagens são deixados de lado para que o autor possa mostrar a próxima situação, algumas vezes sumindo sem explicação do cenário. Contudo, assim como O Mágico de Oz, de L. Frank Baum, gostei bastante da obra de Collodi. Dá para entender por que a Disney rapidamente adaptou a obra para o cinema. O personagem é fascinante e remete a nós quando somos crianças. Sua personalidade se encaixa perfeitamente a meninos da idade dele, que aprontam, querem brincar e tudo o que mais desejam é ficar longe da escola. As lições da vida lhe são apresentadas à medida em que ele vai sofrendo dissabores e percebendo que sua existência não é apenas dele, mas de todos aqueles que estão ao seu redor. Certamente é um daqueles livros atemporais que mesmo daqui a muitos anos ainda estaremos discutindo sobre sua magia e seu alcance nas gerações mais novas.












Ficha Técnica:


Nome: As Aventuras de Pinóquio

Autor: Carlo Collodi

Editora: Wish

Tradutora: Roseli Dornelles

Número de Páginas: 256

Ano de Publicação: 2022


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