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Foto do escritorPaulo Vinicius

Resenha: "A Criança Roubada" de Keith Donohue

Uma criança é roubada aos 7 anos por um metamorfo que toma o seu lugar. A partir de então inicia-se a longa jornada de vida de uma criança que agora vive entre metamorfos e um metamorfo que agora vive entre pessoas.


Sinopse:


A criança roubada' é uma fábula sobre os desafios da vida. Henry Day tem 7 anos quando foge de casa e se esconde na floresta. Só que ele não sabe que é seguido de perto por pequenos seres que vivem na mata e, de tempos em tempos, roubam a identidade de uma criança humana.






O que somos? Qual é o nosso papel no mundo? Somos definidos pela nossa natureza ou pela nossa criação? Essas são algumas das perguntas pontuadas por Keith Donohue nessa obra que é extremamente reflexiva. Ao mesmo tempo o autor consegue nos apresentar uma obra bem redondinha, e reinventa o mito do metamorfo que foi escassamente explorado ao longo dos anos.

Henry Day é um menino de sete anos que gosta de brincar na parte de fora da casa. Sua mãe e seu pai são extremamente amorosos apesar de Henry ser meio introvertido. Ele possui duas irmãs gêmeas que aprontam todas. Como irmão mais velho é dever de Henry cuidar pelo bem estar delas quando sua mãe está ocupada com alguma tarefa doméstica. Mas, Henry não gosta de ter que cuidar delas e um dia ele discute com sua mãe e faz birra ao ter que ficar de olho nelas. Sorrateiramente, ele foge para uma mata que ficava próxima à sua casa e se esconde lá. Leva alguns brinquedos. Uma atitude bem típica de criança. O que Henry não contava é que ele seria raptado por um grupo de criaturas da floresta que o atiram no rio como parte de um ritual de preparação. Quando Henry sai da água, sua vida mudou completamente. Pouco a pouco suas lembranças vão desaparecendo à medida em que sua nova realidade se resume ao fato de ele ter que conviver na floresta junto com outras criaturas que parecem um bando de crianças sujas. Na verdade estes são metamorfos, criaturas da floresta que trocam de lugar com crianças humanas e assumem suas vidas. Henry Day se torna agora Aniday, parte de um grupo formado por outras crianças. O lugar de Henry Day passa a ser ocupado por um metamorfo muito antigo, oriundo do século XIX e que agora luta para manter sua nova identidade.

É inegável a habilidade com a qual o autor ressignificou o mito do metamorfo. Só me recordo de duas outras histórias com esse mito: Mr. X de Peter Straub e a duologia Inverso/Reverso de Karen Alvares. É uma história pouco explorada e que pode produzir bons resultados. Aqui o mito do metamorfo é um meio para contar a história. A temática principal é a identidade, é a maneira como nos adaptamos ao meio social em que vivemos. Quando o autor muda os protagonistas de ambiente ele procura tentar responder se somos pessoas formadas pelo meio em que vivemos ou se nascemos para viver entre nossos iguais. Natureza x criação. E o mais curioso de tudo é que os dois personagens não conseguem se adaptar aos lugares em que se encontram; não estavam satisfeitos antes, não estarão satisfeitos depois. O metamorfo aqui não é uma criatura que quer devorar a família. Ele apenas quer ter o direito de viver confortavelmente, sem ter de viver com os perigos da floresta.

A estrutura narrativa é formada por capítulos que se alternam. Do começo ao fim ora temos um capítulo com Aniday, ora com o metamorfo (que vou chamar de Henry Day). Essa estrutura não é quebrada do início ao fim. A narrativa é feita em primeira pessoa e apresenta diretamente as sensações e percepções dos personagens do começo ao fim. Vale a pena conferir os capítulos em que as histórias se cruzam. Um acontecimento que ambos tenham convivido em um espaço próximo podem ter interpretações diferentes para ambos os casos. A cena com a biblioteca pegando fogo quase no final da história é icônica. A maneira como os dois interpretaram a cena é muito interessante e isso é mérito da escrita do autor.


O enredo é um pouco lento. Acho até que alguns leitores tem a falsa impressão de que A Criança Roubada é um livro de terror. Não é. Está mais para um drama com uma história de crescimento. Os personagens amadurecem no decorrer da história e acabam sendo definidos pelas escolhas que fazem. A minha escolha por dar duas corujas passa pelo fato de que a história não é memorável, apesar de muito reflexiva. Eu diria mais que ela é melancólica. Nenhum dos personagens termina bem a história. Acabei pensando muito sobre o meu papel na sociedade com o final do livro e isso também pode ser considerado um mérito da escrita do autor. Em O Menino Que Desenhava Monstros, Donohue também coloca questões sociais muito interessantes como o que podemos definir como um monstro. Acho até que o fato de os protagonistas não terem sido capazes de abandonar o passado e seguir em frente tenha sido o principal motivo para eles não conhecerem a verdadeira felicidade. Quando eles se dão conta do que eles precisavam era tarde demais. Se Aniday perde aquilo que mais lhe era caro, Henry Day também. Mesmo Aniday tendo se tornado um "imortal" sua vida acaba perdendo um pouco do sentido. Já Henry Day gasta metade de sua vida em uma busca inútil por si mesmo e não percebe que sua identidade é formada por aquilo que ele e aqueles que vivem ao seu redor pensam dele.

Os demais personagens são bem construídos e apresentam dramas próprios. Do lado de Aniday vale destacar a ligação entre ele e Speck. Tudo o que ela queria era viver livremente ao lado de seus companheiros. Quando ela começa a perceber que isso acaba se tornando impossível, sua atenção se volta para Aniday que não a percebe da mesma forma. Ela deixa várias pistas para ele sobre o seu interesse. Mas, novamente: o fato de Aniday não conseguir seguir em frente prejudica a sua visão sobre aquilo que acontece ao seu redor. Igel representa o lado mais selvagem dos metamorfos. Mas, dentro de sua selvageria existe uma pessoa assustada que tudo o que deseja é abandonar a vida difícil da floresta. Só que com o aproximar do dia em que ele iria deixar a floresta, ele tem receio. Receio por si e por seus companheiro que acabam se tornando parte dele. Já do lado de Henry Day algumas cenas são absolutamente lindas. Uma em particular quase no final do livro com a conversa dele com a mãe e o comentário final dela é de partir o coração. Os capítulos finais possuem um nível de melancolia que chega a assustar. O relacionamento de Henry Day com sua esposa também é digno de nota. O fato de ele não conseguir se relacionar adequadamente com uma mulher tão amorosa quanto Tess é prova cabal de que a vida entre os homens acabou não lhe satisfazendo. A identidade que ele roubou não era a que ele queria de verdade. A necessidade (quase obsessiva) em buscar sua origem consumiu sua vida adulta por completo. Fora o fato de que ele vai passar muito tempo com medo de que seu filho seja raptado pelos metamorfos. Mais uma obsessão que vai provocar um afastamento em relação à sua esposa.

Também temos uma discussão sobre o avanço da civilização diante da natureza. Até se pararmos para pensar um pouco, Aniday está em um núcleo voltado para o apreço da natureza e a sobrevivência diante da dura realidade enquanto Henry Day vê o progresso. Os metamorfos começam a perder um pouco sua identidade quando passam a depender de pequenos furtos na cidade para poder sobreviver. Com o avanço da cidade em direção à floresta eles ficam sem um lugar para viver. Por outro lado, Henry Day anseia por retornar à natureza. E este anseio vai lhe provocar um temor de que ele perca tudo aquilo que conquistou. Alguns podem reclamar que o autor não explica quem foi o verdadeiro metamorfo, ou o primeiro metamorfo, já que todas as crianças que vivem junto a Aniday também foram crianças roubadas. O autor não sentiu necessidade disso. A história não é sobre metamorfos, mas sobre pessoas que são incapazes de se encaixar dentro de suas realidades. O elemento mágico funciona apenas como um meio para um fim. Se forçarmos muito a barra, podemos comparar o gênero do livro ao realismo mágico de Jorge Luis Borges e de Julio Cortázar que emprega a fantasia como uma metáfora para contar uma história sobre pessoas.

A Criança Roubada é um excelente livro de reflexão. Não é um livro de terror, sendo um drama com algumas pitadas de suspense aqui e ali. A prosa é um pouco lenta, mas a maneira como o autor nos apresenta a visão dos dois personagens sobre um mesmo acontecimento demonstra a extrema habilidade da pena de Keith Donohue. Ele reinventa o mito do metamorfo e dá sua própria visão sobre como nos relacionamos com a natureza.












Ficha Técnica:


Nome: A Criança Roubada

Autor: Keith Donohue

Editora: Alfaguara

Gênero: Fantasia

Tradutor: Cássio de Arantes Leite

Número de Páginas: 368

Ano de Publicação: 2007


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