Com 27 anos, Taeko vai visitar sua família que mora na cidade de Atami. Um descanso de sua agitada vida na cidade. Esta viagem vai representar uma volta aos momentos simples de sua infância e despertar alguns sentimentos que estavam lá no fundo de seu coração.
Sinopse:
Taeko é uma mulher solteira que se dedica apenas ao trabalho. Ela sai de sua nativa Tóquio pela primeira vez e viaja a Yamagata para visitar a família da irmã durante a colheita anual de açafrão-bastardo. Ao longo da viagem, ela começa a questionar se sua vida estressante é o que desejava quando jovem.
Existem programas, filmes ou músicas na vida que marcam pontos de nossa existência. Conseguem tocar nossos corações de uma tal forma que a gente não consegue entender porque fomos capazes de viver sem nunca termos nos deparado com aquilo. Essa foi a minha reação com Only Yesterday. A animação ecoou de tal forma que eu me senti completo após ter visto aquelas duas horas de filme.
Bem, Only Yesterday é mais uma das animações do Studio Ghibli que não foram dirigidas por Hayao Miyazaki, e sim por Isao Takahata, o eterno companheiro de Miyazaki. Takahata juntamente com Miyazaki foram responsáveis diretos pela criação do estúdio. Only Yesterday é outra das animações que não fizeram tanto sucesso quanto animações clássicas do estúdio. Assim como a animação que comentamos na semana passada, ele é incluído em boxes de coletâneas do estúdio. Curiosamente Only Yesterday foi uma das animações mais lucrativas do Ghibli em território japonês. Até hoje é o único do Ghibli que não chegou corretamente no mercado norte-americano. Entretanto, achei o enredo um pouco melhor desenvolvido do que As Ondas do Oceano. A recepção no mercado internacional foi diversa, mas como o estúdio ainda lucrava com o sucesso de Porco Rosso, eles se permitiram produzir esta ideia de Takahata.
Taeko Okajima é uma solteirona de 27 anos que está indo visitar alguns conhecidos que vivem na pequena cidade interiorana de Atami, no distrito de Takase em Yamagata. Enquanto ela faz sua viagem, Taeko se recorda de seus tempos de quinta série quando ela era uma menina mimada e sentia inveja de suas colegas que podiam passar as férias em suas casas de campo enquanto ela permanecia em casa. Vemos diversos momentos da infância de Taeko como sua experiência no teatro da escola, o menino que se apaixona por ela e é um jogador de beisebol e até a rivalidade com sua irmã Yaeko. Only Yesterday é mais um slice of life, ou seja, uma animação sobre a vida cotidiana, tema típico de desenhos japoneses.
A animação é ousada, porém não muito bonita. Digo ousada por algumas razões. Uma delas é que Takahata gravou os diálogos junto com a animação produzindo um efeito mais realista no rosto dos personagens. Normalmente a gravação dos diálogos é feita após a animação ter sido feita, dando um aspecto meio artificial aos personagens. Por exemplo, o rosto da Taeko mais velha é repleto de covinhas e expressões assim como as do Toshio. Isso faz com que os personagens sejam mais realistas. A outra razão é que Takahata escreveu Only Yesterday como um mangá seriado. Ele teve que fazer um intenso trabalho de edição para que o mangá coubesse dentro das 120 horas que ele planejava.
A trilha sonora não é nada espetacular, mas vale mencionar pela curiosidade. Takahata emprega uma trilha sonora húngara para compor as cenas que se passam em Atami. Um dos personagens, Toshio, diz que é porque ele acha que a música compõe bem o clima do interior. Isso é o que o próprio Takahata achava. O cenário em si também é muito bacana. Não é um primor como em outras obras do estúdio, parecendo simples quando se passam na escola ou na casa da família de Taeko. O que eu destaco são as cenas amplas do interior. Estas são são belíssimas. E servem para ilustrar bem o raciocínio do diretor. Ele queria mostrar a vida dos fazendeiros japoneses, mostrando como eles são capazes de interferir com a natureza. Na minha opinião ele conseguiu isso com sucesso.
O tema principal da animação é a relação do homem com a natureza. Only Yesterday é uma ode em defesa à vida frugal do campo. Vemos que a protagonista está perdida porque sente que não se encaixa na vida movimentada da cidade. As pessoas estão afastadas de um convívio íntimo e vivem em seus pequenos apartamentos tocando a vida. Takahata claramente faz uma crítica ao universo urbano capitalista. Quando Taeko vai ao campo, ela se reencontra consigo mesma, com traumas de sua infância. O contato com as pessoas do campo faz com que ela se sinta acolhida. A vida simples é difícil porém recompensadora no sentido de que Taeko se sente parte de alguma coisa. É nesta vida simples que ela finalmente encontra o amor.
Takahata discute até mesmo os benefícios da agricultura orgânica para o homem. Toshio serve como se fosse a imagem do diretor na animação. O seu pensamento simplista acaba tendo como objetivo expor as ideias de Takahata. Ele acredita que os fazendeiros são uma espécie em extinção por causa da ocupação das cidades. Lembremos que o Japão é um arquipélago e mais de 90% dele é ocupado por cidades. Algumas produtos tradicionais como o arroz e o cártamo são prejudicados pela especulação imobiliária que deseja construir grandes arranha-céus. A vida destas pessoas se torna difícil porque o seu ganha-pão já não garantido quando eles se veem sendo assediados por consórcios imobiliários. As novas gerações não entendem a necessidade deste tipo de trabalho porque vivem em um universo midiático cercado por audio e video por todos os lados. A vida simples do campo não é atrativa para eles.
Alguma reflexões de Toshio são fascinantes. Ele mostra uma cena ampliada do campo para Taeko e pergunta a ela o que foi feito pela natureza. A personagem, assim como nós mesmos, apontaríamos para uma floresta ou um pequeno riacho. E o personagem responde: "somente o topo das montanhas". O rio que Taeko aponta foi feito pelo homem para irrigar os campos de arroz. Já a floresta teve sua madeira cortada e podada para construir as casas dos fazendeiros. É um tipo de raciocínio simples porém difícil de ser feito com perfeição. Isso porque a gente imagina que tudo no interior foi feito pela natureza.
Admito que as cenas da escola foram as menos interessantes para mim. Claro que algumas foram, no mínimo, inusitadas. Quando Taeko se encontra com o jogador de beisebol depois da escola e eles trocam palavras bonitinhas, Taeko se sente nas nuvens e aparece uma ceninha dela mergulhando em um céu de arco-íris. Ou Takahata fazendo uma homenagem aos desenhos japoneses antigos com Taeko vendo televisão.
No mais, as cenas na escola servem mais para fazer um contraponto à Taeko adulta já com mais experiência. Pelo menos eu aprendi um novo corte de abacaxi com Nanako, irmã mais velha de Taeko. O que eu achei importante também foi que Takahata mostrou um pouco do seio de uma família simples japonesa. A mãe de Taeko é muito submissa e serve ao pai que permanece sempre sendo uma pessoa sisuda e carrancuda. As cenas do jantar são bem artificiais, ilustrando que o homem da casa precisa ser honrado pelo resto da família e ele é a palavra final em todos os assuntos. Não vejo aqui uma violência aparente, mas uma violência simbólica. As mulheres da casa são todas retraídas porque precisam ser reverentes ao alfa da casa. O trecho em que Taeko é convidada para integrar uma peça de teatro na universidade é bem ilustrativa. O pai não permite que a filha vá porque ele acredita que isso não é coisa de mulheres decentes. A cultura familiar japonesa é bem diferente da nossa que possui um ar mais liberal.
Only Yesterday é uma animação que vale a pena ser assistida por toda esta discussão entre urbano e rural. Em um mundo onde cada vez temos menos contato com a natureza precisamos refletir qual o papel do homem nessa sociedade pós-moderna. E como esquecemos vários valores importantes como a frugalidade e a simplicidade. Mesmo eu sendo suspeito para comentar digo que a animação valeu a pena ser assistida.
Na próxima semana vamos falar de animais falantes, não? Estamos todos com saudades das animações malucas de Miyazaki. Hora de Pom Poko.
Ficha Técnica:
Nome: Only Yesterday
Diretor: Isao Takahata
Produtor: Toshio Suzuki
Roteirista: Isao Takahata
Estúdio: Studio Ghibli
País de Origem: Japão
Tempo de Duração: 118 min
Ano de Lançamento: 1991
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