Uma história magnífica de um robô que busca, contra tudo e contra todos, se tornar humano. E ele será mais humano do que muitos humanos.
Existem histórias que nos emocionam. São capazes de fazer com que a gente se divirta, chore, tenhamos medo. Quando um autor é capaz de fazer você sentir algo através de sua pena, significa que 80% de seu trabalho já foi feito. O caminho para a glória é certo. O Homem Bicentenário é uma dessas histórias. Uma linda história capaz de fazer você chorar litros ao final. A prosa de Asimov neste trabalho nunca foi tão perfeita.
Pode um robô ser um homem? É dessa premissa que Asimov parte ao contar a saga de Andrew Martin, mais um entre milhões de robôs fabricados pela U.S. Robots. Ele pertencia à família dos Martin e era muito bem tratado por todos. Um dia, ao tentar agradar Mandy, a caçula da família, ele produz uma obra de arte sem imitar nada que ele havia visto antes. O pai de Mandy pensa: pode um robô ter inspiração, criatividade? Ao consultar os técnicos da U.S. Robots, ele descobre que Andrew veio com um defeito de fábrica ao procurar simular o comportamento do homem. A partir dessa descoberta, o que veremos será a saga de um robô tentando provar que ele pode ser um homem.
A luta de Andrew por essa possibilidade é comovente. O que nos faz homens? O que é a liberdade para nós? Aliás o primeiro embate de Andrew será para ser livre, ser alforriado. Achei até o uso da palavra alforria um pouco forte, mas em uma segunda análise, os robôs seriam quase como escravos. Fazem tudo por seus donos sem reclamar e ao custo de horas e horas de trabalho. Alguém pode argumentar: “ué, mas eles foram construídos para isso”. Sim, mas e se o robô for consciente do significado a palavra liberdade e desejar possuí-la? Esse foi o argumento usado por Andrew para obter sua liberdade.
É realmente comovente ver alguns dos momentos de Andrew com a família e a justiça. Muitas situações que ocorrem com Andrew são até bobas se formos levar em consideração o grau de complexidade dos contos de ficção científica dos dias atuais. Mas, esse tipo de narrativa típica da Era de Ouro mostra como para contar uma boa história não tem necessidade de complicar muito. Acho até que Asimov brilha mais com os seus contos onde ele é obrigado a limitar sua pena para poder encaixar a história dentro do espaço requerido. Aqui não existe explicações científicas alongadas, apenas em alguns momentos para justificar as transformações de Andrew.
A relação de Andrew com a família Martin é linda. Os momentos em que ele passa junto da família demonstram todo o sentimento que um robô, com todas as limitações neste sentido, poderiam sentir. A ligação entre Mandy e Andrew também é muito representativa. Não à toa no final derradeiro da história, quem aparece é Mandy. Sinal de que o que Andrew e Mandy sentiam um pelo outro transcendia qualquer outro sentimento, qualquer outro momento, qualquer outro tempo.
Possivelmente o maior obstáculo de Andrew foi a aceitação da sociedade em relação à “condição humana” de Andrew. A maneira como a sociedade atacou a vontade de Andrew em alguns momentos mostra um pouco da humilhação e falta de solidariedade em relação ao próximo que vemos nos dias de hoje. A história só é de ficção científica porque ali existe um robô, mas poderia muito bem ser a história de um escravo no período colonial tentando provar que ele poderia ser livre ou igual a todos. O tema escondido neste conto é a igualdade. Os homens ainda não estão totalmente prontos para entender a essência desse conceito: sempre vai existir alguma coisa que nos separe, seja a religião, a cor de pele ou os costumes. Asimov nos mostra que mesmo em um futuro distante, essa percepção se manteve. A palavra robô esconde o real significado da história de Asimov e quando podemos perceber isso, o conto ganha uma profundidade ainda maior.
Destaco mais uma vez a imensa capacidade de Asimov de ligar todas as suas histórias em um único universo. Por exemplo, Andrew observa uma holo-imagem de Susan Calvin. Ela é a psicóloga de robôs que aparece na maioria dos contos que compõem a coletânea Eu, Robô. E ela viveu quase paralelamente à Andrew. Em outro momento, a U.S. Robots começa a usar um cérebro único para controlar todos os robôs da Terra o que faz com que os robôs com cérebros positrônicos saiam da Terra e participem da colonização no espaço. Ora, essa foi a primeira onde de colonizações espaciais que vai gerar os Mundos Siderais que serão discutidos em Fundação e Terra. É o embrião daquilo que virá a ser o Império Galáctico.
O Homem Bicentenário chegou a ser adaptado para o cinema com o papel de Andrew Martin sendo escalado para o lendário Robin Williams. O filme é fantástico; o diretor realmente conseguiu captar a essência da história e Robin cumpre muito bem o papel do robô Andrew. Tanto o filme como o conto são maravilhosos, são algumas das melhores histórias curtas do século XX. Recomendo a qualquer fã de ficção científica a leitura.
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