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  • Foto do escritorPaulo Vinicius

Literatura LGBT e Censura na Bienal 2019

Na nossa coluna de opinião de hoje vamos debater sobre o que foram os acontecimentos que marcaram a segunda semana da Bienal do Livro 2019. Um momento importante na luta a favor da literatura LGBT e contra a censura e o autoritarismo.


Contextualizando


Tudo começou com uma postagem feita na terça-feira pela mãe de uma criança sobre uma HQ cujo título é A Cruzada das Crianças, cujo autor é Allan Heinberg e o artista é Jim Cheung. A primeira publicação da HQ data de 2010, e a edição atual pertence a uma coleção de títulos Marvel publicada pela Editora Salvat. A cena em questão (ilustrada logo abaixo) mostra o casal Wiccan e Hulkling em um momento afetuoso em que eles se beijam. Wiccan e Hulkling pertence a um grupo conhecido como Jovens Vingadores e eram um casal gay cujos problemas eram ligados a seus pais. Eles encontraram um no outro a solução para seus problemas familiares. A postagem da mãe da criança ganhou as redes sociais e rapidamente se tornou motivo de brincadeiras e piadas.


Alguns dias mais tarde, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, postou um vídeo em suas redes sociais alegando que iria acionar a Secretaria de Ordem Pública de forma a recolher as edições desta revista. O que se viu a partir de então foi um embate entre a prefeitura, a organização da Bienal e setores ligados às editoras e demais representantes da cultura no Brasil. Já na sexta-feira ele consegue uma autorização judicial e envia fiscais para efetuarem o recolhimento dos exemplares. Os fiscais chegaram por volta do início da tarde, mas a HQ, devido à polêmica instaurada pelo prefeito, havia esgotado, fruto da procura de pessoas curiosas. Não satisfeito com a busca pela HQ, o prefeito envia os fiscais em uma ronda pelos pavilhões da Bienal por outras obras cujo conteúdo ferisse "a moral e os bons costumes". Os fiscais permaneceram por algumas horas da tarde de sexta-feira, mas acabaram não realizando qualquer apreensão.


O clima de medo se instaurou pelo evento e o que se viu no sábado conseguiu alcançar novos patamares no quesito de autoritarismo. O youtuber Felipe Netto, revoltado com as atitudes arbitrárias da prefeitura, adquiriu 14000 exemplares de diversos livros com a temática LGBT e realizou uma ação no sábado onde distribuiu, gratuitamente, estes livros para leitores que estivessem no local. Em uma tirada irônica, ele ensacou os livros em uma embalagem preta com os dizeres para pessoas que não fossem homofóbicas. Na tarde de sábado, Crivella entrou com um recurso contra a liminar concedida no dia anterior e conseguiu a autorização de voltar a poder recolher livros que ele considerasse ofensivos. Novamente fiscais foram enviados até a Bienal e relatos de pessoas que estavam presentes durante a chegada dos mesmos perceberam a presença de Guardas Municipais armados, escoltando os fiscais. A administração da Bienal se reuniu com os fiscais da SEOP a portas fechadas durante quase duas horas e pediram aos mesmos que evitassem entrar nos pavilhões naquele dia, considerado um dos mais cheios das quase duas semanas de evento. Os fiscais não concordaram e entraram assim mesmo, mas à paisana. Segundo algumas pessoas ligadas a editoras, houve algumas batidas e fiscalizações estranhas durante toda a noite de sábado, com momentos de muito constrangimento.


Sabendo do que estava acontecendo, várias pessoas presentes organizaram uma passeata por todos os pavilhões do evento com gritos de ordem "Fora, Crivella" e "Não à censura" em um lindo movimento de repúdio às ações arbitrárias do final de semana. A manifestação durou um pouco mais de trinta minutos e os integrantes formaram um "stone wall" onde citaram artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), usado para justificar as ações do prefeito, e gritando palavras de ordem. Gravações deste momento de cidadania viralizaram nas redes sociais. No domingo, o ministro do STF, Dias Toffoli, anulou a decisão favorável a Crivella e permitiu a estabilidade do evento neste último dia. O prefeito, não satisfeito com a decisão, prometeu recorrer.



O que se sabe


Várias ações absurdas marcaram este último final de semana do evento. É inadmissível que o prefeito de uma cidade com tantos problemas como o Rio de Janeiro se preocupe com uma situação tão pequena quanto a de uma HQ que já tem mais de oito anos de publicação. Boa parte dos cariocas considera a administração de Crivella como uma das mais desastrosas dos últimos cinquenta anos, com problemas os mais variados: falta de repasse de verbas para a saúde, hospitais sucateados, a falta de manutenção da Avenida Niemeyer que causou o desmoronamento, o arroxo de verbas em vários setores, a ascensão das milícias, o aumento da violência, a decadência do ensino público, o abandono aos moradores de rua. Há poucos meses atrás, o prefeito encarou um processo de impeachment que quase ocorreu de fato e sua vitória foi pirreana diante de todo o desgaste ocorrido. Fontes dos bastidores da política carioca atestam que as atitudes do prefeito vem em uma espécie de início de corrida eleitoral já pensando em 2020, quando ele tentará a reeleição. O objetivo (conquistado, de fato) era chamar a atenção de famílias conservadores e núcleos ligados ao bolsonarismo para reforçar parte de suas bases eleitorais.


O Estatuto da Criança e do Adolescente não possui nenhum artigo condenando temáticas LGBT. O que está presente no artigo 78 é a necessidade de embalar em plástico preto e indicar a classificação de idade, revistas ou quaisquer outros materiais de divulgação que tratem de temas explícitos como sexo, violência, abuso. Posso dizer isso com bastante clareza porque trabalho com projetos ligados ao Ensino Fundamental II e Médio e todos nós precisamos prestar contas sobre o que iremos fazer em qualquer atividade de caráter transdisciplinar realizada nas escolas onde atuamos. Por ser um dos organizadores do clube do livro do meu local de trabalho, tenho todo o cuidado de selecionar obras que atendam aos pré-requisitos do ECA. No quadrinho em questão, o que vemos é um ato de afeto entre duas pessoas, sem a existência de nenhum ato libidinoso ou que constituísse sexo explícito.


Mas, o que eu pude perceber na sexta e no sábado é que a busca e apreensão da HQ foi usada como um trampolim para atacar toda e qualquer literatura com temática LGBT. Passou de algo específico para algo generalizado. Os fiscais estavam tão focados em buscar este tipo de material que passou na frente de vários livros com temáticas hot ou até que lidavam com sexo, ignorando-os. Era um claro ataque às comunidades LGBT. É preciso lembrar que desde 2011, a Constituição brasileira reconhece a união entre homossexuais, sendo que a partir deste ano qualquer ato de violência ou constrangimento feito a eles é enquadrado em crime de homofobia.


O que eu quero dizer é que, SIM, o senhor prefeito pode ser enquadrado como réu em uma acusação de ato homofóbico. Mas, tal não vai acontecer devido ao capital político envolvido, fora o fato de o mesmo representar os interesses econômicos e políticos de uma das maiores vertentes do evangelismo no Brasil na atualidade. E não importa o que o prefeito do Rio de Janeiro diga, ou que justificativa ele habilmente use, se tratou de CENSURA. Algo não visto desde a época da ditadura militar. Algo direcionado à literatura só visto durante as queimas de livros feitas por Adolf Hitler na Alemanha nazista. E as ações do prefeito provam o quanto ele é intolerante e pouco afeito a atos democráticos. Espero sinceramente que os cariocas percebam o quanto ele é nocivo e estranho ao município do Rio de Janeiro, conhecido por sua amabilidade, sua energia e sua liberdade às mais diversas vertentes culturais. Que a resposta seja dada de forma democrática nas urnas em 2020.



Discutindo


O que pude tirar disso foi a rápida manifestação de inúmeras pessoas ligadas ao meio literário e ao artístico, condenando as ações do prefeito. As imagens de sábado são lindas e fazem qualquer pessoa ligada à literatura, seja como leitor, como autor, como editor, como tradutor, como capista, etc, se emocionar. Mas, a bola não pode cair. Desde que o atual governo iniciou suas atividades em janeiro deste ano, a pressão sobre manifestações culturais aumentou exponencialmente. Com um discurso retrógrado, conservador e de ataque às liberdades civis, o contexto atual tende a uma radicalização dos sentimentos. A um maniqueísmo que separou famílias e amizades. O que cabe a cada um de nós fazer é proporcionar atos de confraternização, de união, de reflexão. Por mais que estejamos revoltados com os últimos anos onde a corrupção imperou, não podemos nos esquecer de que devemos amar o próximo. E amar significa respeitar e compreender que suas posições podem não ser as mesmas que as minhas.


Outro ponto que precisa ser atacado principalmente para aqueles que tem algum tipo de maior alcance no mercado brasileiro é na formação de leitores. Só podemos acabar com as trevas do pensamento conservador com as luzes da compreensão. Nossas atuais gerações não são de leitores... Muitos sequer encostam em um livro por boa parte da vida. Precisamos quebrar isso. Podemos conquistar esse avanço através de influenciadores digitais, artistas, celebridades e outras pessoas do meio. Mas, ao mesmo tempo, devemos atacar no olho do furacão, nas escolas. É preciso conscientizar nossas crianças e adolescentes quanto à necessidade de mudarmos nossa maneira de pensar. Não podemos ser apenas individualistas, pensando no que eu vou comer no dia seguinte. A cidadania só pode ser exercida com a participação de todos.


No ano que vem teremos uma prévia do que será 2022. Serão as eleições municipais onde poderemos ver se os sentimentos radicais avançaram ou retrocederam. Se o prefeito Crivella já iniciou sua campanha eleitoral, por que não iniciarmos a nossa também? Nada de lavagem cerebral ou panfletagem partidária, mas com a conscientização de que as coisas precisam mudar. Devemos ter respeito pelas pessoas... Não digo apenas a membros de comunidades LGBT, mas também a negros, a índios, a refugiados, a cadeirantes, às mulheres. Digo isso porque parece que nossa raiva tem afetado a maneira com que julgamos o próximo.


O que se buscou condenar foi um ato de carinho, um ato de amor. Não importa se são pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, um ato de amor é um ato de amor. E, muitas vezes, é isso o que falta no mundo. Amar. Não tenho como concordar com isso e não tenho como sequer justificar isso. Em um país onde temos um dos maiores índices de feminicídios e atos de agressão contra homossexuais, ações como as do prefeito apenas estimulam o ódio e a violência. A solução para essa equação é amar. Amar e respeitar o próximo, não importando suas escolhas, suas opções, suas opiniões. Carinho não pode ser censurado.


Quero deixar os meus parabéns a algumas pessoas especiais que eu conheço pessoalmente ou de contato pelas redes sociais pelas atitudes corajosas deste final de semana: ao Felipe Netto (que mesmo eu não gostando do seu canal, preciso sim aplaudir sua atitude e agradecer por ela), à Luly Trigo, à Ligia Colares, às meninas da Agência Página 7, ao Vitor Martins, ao Felipe Castilho, e a muitas outras pessoas que se envolveram de frente nesse momento histórico (e me perdoem se não tiver incluído seu nome aqui). E um agradecimento especial para a Joice Cardoso, da Estante Diagonal, que filmou a caminhada das pessoas pelos pavilhões do RioCentro, me fazendo chorar durante aqueles minutos. Que feliz foi você de poder estar e participar deste momento.


Seguindo esta matéria, fizemos uma série de indicações sobre livros com personagens LGBT ligados a fantasia e a ficção científica (link para a matéria).





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