Anos após ter sua filha morta em um crime brutal, Verena não consegue mais sair de casa. Tendo deixado seu emprego e agora casada com Karina, ela tenta juntar os cacos de sua vida. Mas, um serial killer que atormenta a cidade irá tirar a sua paz e, quando os mortos falam, não há escapatória.
Sinopse:
Verena Castro pediu exoneração do cargo de investigadora na DHPP quando sua filha mais nova foi assassinada. Quatro anos depois, sua vida toma um rumo inesperado quando recebe o telefonema de um médium, indicando um corpo e sua localização. Envolvida na investigação de forma clandestina com a ajuda do melhor amigo, Caio, Verena logo descobre que há um maníaco na cidade de São Paulo, replicando as cenas de homicídio mais perturbadoras dos filmes clássicos de horror – e a próxima vítima pode ser alguém que ela ama.
Dois crimes bárbaros tiram a movimentada cidade de São Paulo do normal. Crimes que não são comuns em metrópole conhecida pelo seu lado sombrio. Caio, um policial do DHPP, tenta descobrir o responsável pelos crimes e se assusta ao descobrir que eles podem estar interligados. Isabela, a delegada, tenta não criar ilusões de que se trataria de um serial killer. Enquanto busca manter as aparências de um crime comum, em sua vida íntima, vive um tórrido caso com Caio. O que parecia ser apenas um momento de alívio sexual para os dois, lentamente se torna algo mais. No centro de tudo temos Verena, que foi uma policial badass que acabou abandonando sua vida combatendo o crime após sua filha ser brutalmente assassinada e o caso ser arquivado por falta de pistas. Ela nunca conseguiu se recuperar disso e desenvolveu um tipo de fobia de estar em público e há meses não sai de casa. Casa essa que ela divide com sua esposa Karina e onde ela passa o tempo caçando pedófilos nas redes sociais. Só que estes dois casos parecem ter conexão com ela, principalmente quando um estranho homem chamado Walter Kister liga para ela dizendo ter uma mensagem de sua filha morta.
Antes de mais nada, meus caros leitores e leitoras, atentem ao aviso de gatilho logo no começo do livro. Não é brincadeira. Tem sexo, muita dose de violência, assassinatos macabros, e alguns momentos bem tensos. O aviso não está lá à toa.
Posto isso, a Cláudia está maravilhosa neste livro. Sem dúvida alguma, o melhor livro que li dela. E isso porque não sou fã desse gênero de histórias. Mesmo assim, ela conseguiu me enredar por mais de duzentas páginas de muita tensão e personagens que são vívidos demais para eu não achar que eles não sejam reais. Talvez este seja um dos pontos fortes deste romance: o quanto ela investiu tempo e esforço em criar personagens tridimensionais. Nenhum deles é um personagem idealizado, sendo que todos tem suas qualidades, defeitos, medos e ansiedades. Isso dá corpo e solidez àquilo que ela pretende trazer na narrativa. A autora alterna entre os pontos de vista de cada um dos personagens, sendo uma narração em terceira pessoa, mas daquela mais próxima a qual vivenciamos o que os personagens estão enxergando. Outro destaque que posso apontar na escrita da Cláudia é o quanto os diálogos soam naturais. E isso é algo difícil de ser feito, principalmente quando se trata de explicar os processos de inteligência necessários durante a investigação de um crime. As falas soam corriqueiras e a entonação e a cadência fluem como uma luva. Mesmo em capítulos que possuem um número maior de informações e explicações, estas não soam chatas e enfadonhas, como se fosse uma grande aula. Nada disso... há inflexões nas vozes dos personagens, seja Isabela com um tom mais agressivo, Caio e seu jeito mais calmo e equilibrado ou Verena e seu desespero.
O mistério em torno das mortes envolve boa parte da narrativa e vamos sendo levados em um jogo de gato e rato. Cláudia conseguiu fazer com que esta parte fosse interessante ao mesmo tempo em que nos mostra todos os problemas de uma investigação policial mais séria no Brasil. Tem toda uma série de críticas presentes entre linhas, como os atrasos nos laudos, a contaminação das investigações, o desinteresse de outras delegacias, as politicagens. Tudo com um tom ácido e de ironia que já fazem parte da linguagem da autora. Aliás, a narrativa dela me fez pensar imediatamente em Rubem Fonseca e sua maneira de nos mostrar uma cidade decadente e policiais precisando lidar à sua maneira com o antagonista da trama. Claro que Fonseca possuía uma linguagem muito mais crua enquanto que a Cláudia é descritiva em certos momentos, algo que incomodaria muito nosso velho autor de literatura policial. Sinceramente, prefiro o estilo da Cláudia porque ela dá mais corpo à história.
A situação de psicológica de Verena durante a narrativa nos deixa apreensivos. Ver o quanto ela se sente impotente diante das coisas que estão acontecendo é um sinal de força e fraqueza ao mesmo tempo. Mas, essa vulnerabilidade de Verena, apesar de seu exterior forte, é o que torna a personagem tão apaixonante. Porque a gente acompanha esses momentos com ela: sofremos a seu lado, choramos, ficamos com raiva. Ela tem total consciência de suas fragilidades e ela faz aquilo que o seu corpo, em modo de sobrevivência, manda fazer. Em seu coração, ela sabe que precisa mudar, que precisa dar um passo adiante. A relutância em fazer isso é devido às cicatrizes que se encontram ali. E ela vê o mínimo de normalidade que ela conquistou ao longo dos anos, escapando de suas mãos. Seu casamento com Karina, sua aceitação da morte de Luisa, a segurança e bem-estar de seu filho e até sua própria sanidade. Esse é o melhor tipo de personagem: aquele no qual trilhamos um caminho de redenção e superação junto com ele.
Não falei ainda do aspecto "sobrenatural" da narrativa. E achei importante a autora não cair no erro de fazer com que a história caminhasse para um caminho fantasioso demais. Cláudia conseguiu manter os pés no chão embora tenha sido capaz de nos apresentar parte do mundo por trás do espiritismo. O quanto eles sofrem preconceito da parte de pessoas leigas e como existe todo um sincretismo na maneira como eles lidam com as pessoas que já se foram. Zulma é uma menina que tem habilidades como medium desde pequena, mas ela não aceita isso em sua vida. O que para muitos é um chamado, para ela é um fardo. Ela só quer ter uma vida normal. Já Walter apenas deseja aquilo que é melhor para a sua neta e entende as suas resistências. Infelizmente, para determinadas coisas na vida, não existe uma solução simples. Gostei bastante da maneira como a autora conduziu essa parte da trama e a integrou à narrativa principal.
Já Caio e Isabela formam outro grupo narrativo e vemos como os dois dançam uma valsa em que algum dos dois vai ceder primeiro. Quem vai demonstrar seus sentimentos pelo outro? Caio luta com seu coração fraturado por causa do caso de Luisa que ele não foi capaz de resolver com sua antiga parceira, Verena. Ele se entrega a uma louca relação com sua superior onde ao mesmo tempo em que ele se envolve com uma mulher sedutora, ele entorpece seus problemas. Por outro lado, Isadora sacia seus desejos sádicos que se revelam depois ser uma manifestação de sentimentos mais profundos de seu coração. Na sua perspectiva, os homens são seus brinquedos, mas esse tal de Caio tem um algo a mais que ela não sabe explicar. E quando ela descobrir a resposta, vai ser como um botão sendo apertado subitamente que vai dar vazão a toda uma torrente de sentimentos que haviam sido represados.
Esse é um daqueles livros super redondinhos onde a autora é habilidosa o suficiente para cobrir todas as arestas do que ela pretendia fazer. Com diálogos muito bem executados, personagens instigantes e que possuem inúmeras camadas, ela mostra a força de sua escrita em uma narrativa violenta, cruel e ao mesmo tempo emocional no sentido de personagens que precisam fazer as pazes com seu passado para conseguir seguir em frente. Mas, antes precisarão viver uma história de terror digna do cinema.
Ficha Técnica:
Nome: Quando os mortos falam
Autora: Cláudia Lemes
Editora: Avec
Número de Páginas: 241
Ano de Publicação: 2021
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*Material enviado em parceria com a Avec Editora
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