Essa é a história do sertão de Minas Gerais, de Riobaldo e Diadorim. Em um ambiente cruel ao mesmo tempo que idílico onde homens buscam a razão de suas vidas na dura existência do cotidiano marcado por mortes e desilusões.
Sinopse:
Publicado em 1956, e traduzido para diversas línguas, Grande sertão: veredas é o único romance escrito por João Guimarães Rosa e um dos mais importantes textos da literatura brasileira. Nesta versão em quadrinhos, vencedora do prêmio HQ Mix, o roteiro de Eloar Guazzelli refaz os caminhos da obra clássica e guia os traços poderosos de Rodrigo Rosa, que dá vida a um romance gráfico arrebatador e mescla faroeste e narrativa de aventura no coração do Brasil profundo. Ao atribuir ao sertão mineiro sua dimensão universal, Grande sertão é um mergulho na alma humana, capaz de retratar o amor e a violência através de personagens que se tornaram marcos da nossa cultura, como Riobaldo e Diadorim.
Adaptar um livro para quadrinhos é sempre uma tarefa complicada porque exige não apenas o conhecimento dos detalhes da obra, mas compreender o coração daquilo que foi contado. Na maior parte das vezes, a quadrinização fica aquém do resultado proposto. O que chega a nós com mais destaque são aqueles quadrinhos que são diferentes em algum ponto, seja na forma de adaptar ou na precisão do que foi adaptado. Eloar Guazzelli é alguém que trabalha há muito tempo com a arte de adaptar obras de ficção para quadrinhos. E ele tem como principal características não apenas traduzir bem as cenas e os diálogos, mas compreender a essência da história. Aquilo que faz a história pulsar. E nessa HQ ele pegou uma missão bem complicada: a de adaptar Grande Sertão - Veredas, um clássico da literatura brasileira escrita pelo gênio Guimarães Rosa.
Vou tentar a infeliz missão de fazer uma sinopse dessa obra. Grande Sertão Veredas é uma história contada pelo seu protagonista Riobaldo que nos conta sua trajetória pelo sertão mineiro em uma imensa jornada que nos fará conhecer o coração dos homens do interior, ao mesmo tempo em que ele precisa enfrentar as tropas governistas que buscam a opressão do povo sertanejo. Durante suas andanças ele conhece Diadorim (ou Reinaldo), um homem que através de sua bravura e decisão o encanta a ponto de ele dedicar sua vida a estar ao seu lado. Riobaldo e Diadorim fazem parte do bando de foras-da-lei sob a chefia de Joca Ramiro, um homem justo, porém embrutecido por todas as violências que ele já viu na vida. Grande Sertão é uma narrativa que mostra o interior do coração de Riobaldo, um homem balançado pela vontade de fazer a diferença, mas também a de estar ao lado do enigmático Diadorim, alguém por quem ele descobre sentimentos conflitantes.
Fica bastante complicado eu falar de como Guazzelli adaptou a obra porque a maneira como o roteiro chega nas páginas da HQ é muito semelhante ao que Guimarães Rosa empregou em sua obra. Óbvio que é basicamente impossível chegar próximo ao nível de escrita do grande autor, mas o que parece claro é que Guazzelli entendeu o que Rosa tentou transmitir em sua obra. E ele traduz isso de uma forma gentil e honesta, nos mostrando um sertão vivo, que é quase como o verdadeiro protagonista da obra, mais do que os personagens presentes na narrativa. Um sertão que pode ser belo e cruel ao mesmo tempo, e que bate forte no coração como as agruras da vida. As dificuldades são muitas vividas pelos sertanejos, tudo em troca de um pouco de liberdade em suas existências. Outro ponto legal do roteiro do Guazzelli é em como ele deixou a arte do Rodrigo Rosa trabalhar nos momentos mais idílicos.
A obra de Guimarães Rosa é muito mais complexa do que os temas que vou trabalhar aqui, mas queria chamar a atenção em três pontos. O primeiro deles é a existência de uma linguagem que se assemelha a um realismo mágico em alguns momentos. O sertão é um ambiente que ultrapassa a compreensão humana. Tem um momento da narrativa em que eles precisam atravessar uma faixa de terra que seria um atalho para o seu objetivo. E o sertão os castiga terrivelmente, mostrando suas garras para que o homem conheça o seu lugar. Já em outro momento temos uma informação de que o antagonista teria feito alguma espécie de pacto com o demônio para que ele pudesse suplantar todos os esforços feitos contra ele. E todos os reveses sofridos pelo bando de Riobaldo são fruto desse pacto. Ou que Diadorim tem o corpo fechado e por essa razão a narrativa nos mostra alguém que não se enquadra em definições mundanas. Ou seja, o mágico se une a uma vida cheia de dificuldades e fornece explicações possíveis para alguns dilemas.
Outro lado interessante é que o roteiro ressalta bastante as dificuldades que Riobaldo tem para entender a si mesmo e a seus sentimentos por Diadorim. Na época em que o livro foi escrito, Rosa recebeu críticas e elogios por nos apresentar a imagem de um sertanejo dono de um espírito humano e frágil. Retirando do palco aquele estereótipo do homem másculo e viril, e nos colocando frente a frente com uma personalidade que precisa entender o que ele faz no meio de pessoas que matam outros. Desde o começo da história, Riobaldo critica as ações violentas do bando ao qual faz parte. Se ele buscava outras soluções no começo, o convívio com seus companheiros e as situações que eles vivem cria uma casca nele em que há a compreensão de uma necessidade de encontrar a justiça. Diante de tanta opressão e violência, somente esse caminho pode nos levar a alguma solução futura. Claro que em vários momentos, se coloca contra decisões mais extremas do bando como quando eles capturam o líder das tropas governistas na região.
Sem falar na situação com Diadorim que percebemos se tornar uma paixão verdadeira da parte de Riobaldo. Seus sentimentos por seu companheiro são claros, o que lhe causa uma confusão ao pensar que ele está apaixonado por um homem. Na sua concepção de mundo, isso é errado e ele tenta se convencer de que é o amor de um irmão. Mas, os indícios apresentados por toda a narrativa falam o contrário e ele não os aceita. Sua saída, muitas vezes, é encontrar uma paixão efêmera seja com amantes vazias nas cidades ou se convencendo de que vai se casar com Otacília. O que o deixa mais confuso ainda é a percepção de que Diadorim parece também sentir o mesmo, dada as expressões de ciúmes que ele visualiza eventualmente. Então Riobaldo fica nesse dilema e chega a pensar até em pegar Diadorim e abandonar o bando em busca de uma vida longe de tudo. Mas, ele acaba rechaçado pela promessa de Diadorim que busca sempre um objetivo que parece não ter fim.
Essa é uma belíssima adaptação do romance de Guimarães Rosa. Acho que Guazzelli foi muito feliz ao conseguir captar a essência da narrativa tão mágica e desoladora de Grande Sertão - Veredas. Ele conseguiu transmitir para os leitores um texto difícil de ser adaptado dada a maestria de Guimarães Rosa de empregar a língua portuguesa de maneiras criativas e inesperadas. O livro em si possui uma linguagem própria, dificílima de ser traduzida e o roteirista conseguiu ser muito feliz. Para aqueles que sentiram dificuldade com o texto literário, recomendo esta HQ como uma porta de entrada para um retorno futuro ao mundo mágico criado pelo grande autor. Espero ter feito um bom trabalho em apresentar essa HQ, porque tentar reduzir a narrativa magnífica deste autor em uma resenha de poucos parágrafos chega a ser uma heresia à grandiosidade do gênio de Guimarães Rosa.
O Quadrinho em 1 Quadro:
Preciso dedicar um trecho desta resenha para elogiar o trabalho maravilhoso feito por Rodrigo Rosa, que transformou o roteiro adaptado de Guazzelli em imagens. E que quadros maravilhosos. O trabalho a lápis e carvão caiu como uma luva para este quadrinho porque conseguiu transmitir personagens expressivos e um ambiente repleto de sol e poeira para os leitores. Os riscados transmitem uma mensagem competente e fornecem uma aura etérea para a HQ. Estamos falando de uma narrativa que se olharmos sem os diálogos parece algo saído de um western. Mas, quando mesclamos composição de cenas, narrativa, diálogo e quadros isso forma um todo harmonizado que se transforma em um universo completamente à parte. Observem bem os rostos dos personagens e veremos pessoas marcadas pelas dificuldades da seca e da falta de apoio. Ou os quadros grandiosos como o acima em que o desenhista cria uma cena repleta de simbolismos ao qual poderíamos passar horas buscando novas interpretações. Outra qualidade do trabalho de Rodrigo Rosa é a capacidade de representar o sertão como um ambiente belo e cruel. Alguns quadros em que o bando de Riobaldo cavalga para o interior com o sol nas costas, percebemos os raios de sol sendo representados tanto como a luz que ilumina o cotidiano das pessoas como aquele que coloca um peso em suas costas. A natureza é representada como maravilhosa e cruel no lápis do desenhista. Algo que chama a atenção e nos encanta.
Ficha Técnica:
Nome: Grande Sertão - Veredas
Autor: Eloar Guazzelli
Artista: Rodrigo Rosa
Adaptado da obra de Guimarães Rosa
Editora: Companhia das Letras
Gênero: Drama
Número de Páginas: 184
Ano de Publicação: 2021
*Material enviado em parceria com a editora
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