Um acontecimento trágico vai mudar para sempre a vida de quatro amigas que antes eram como irmãs. Vinte anos mais tarde o assassinato de uma delas vai levá-las a reviver esses acontecimentos enquanto buscam descobrir quem as está perseguindo.
Sinopse:
Quatro adolescentes fazem um pacto de guardar um segredo horrível. Vinte anos depois, uma delas é mutilada e morta. Na parede, próximo ao corpo, uma palavra escrita com sangue fresco: "Assassinas".
Agora, Mariana, Dafne e Cacau serão sugadas pelo redemoinho de intrigas, política e corrupção da sua cidade natal, e precisam encontrar o assassino antes que uma delas seja a próxima vítima.
Cláudia Lemes é uma autora com a capacidade de nos mostrar o lado obscuro do ser humano. E a cada livro que ela publica, Cláudia consolida ainda mais a sua narrativa precisa, seca em alguns momentos (como bons romances de Rubem Fonseca) em que não existe uma distinção clara entre o bem e o mal. Existem pessoas em seus tons de cinza, objetivos e aspirações que se relacionam umas com as outras e com isso movem a narrativa. Não à toa A Segunda Morte de Suellen Rocha é o melhor romance da autora que eu li até o presente momento e nos traz uma história sobre arrependimentos, cumplicidade e transformações.
A narrativa segue as vidas de Mariana, Suellen, Dafne e Cacau. Quatro amigas que desde jovens mantiveram uma forte conexão entre elas. A adolescência chegou e ambas estão se transformando e estabelecendo novas metas para suas vidas. Mas, um acontecimento trágico vai fazer com que a vida delas mude para sempre. Isso provoca a separação entre elas e cada uma delas continua com suas vidas. Anos mais tarde, o assassinato de Suellen Rocha que teve requintes de extrema crueldade faz com que as amigas novamente se encontrem na cidade de Jepiri. Mas, quem terá matado a amiga? Será apenas um assassino com ódio de mulheres ou alguém ligado ao sombrio passado das quatro?
É curioso porque narrativas de suspense e thriller não são o tipo de história que eu mais gosto. Mesmo assim, fui tragado para dentro dos problemas e dilemas de todos os personagens envolvidos. Curiosamente, eu estava lendo Serpentário, escrito por Felipe Castilho, antes deste livro e o autor usa o mesmo sistema de flashbacks e cenas no presente que a Cláudia usa. Temos capítulos que alternam passado e presente. No passado a narrativa adota um tom mais descritivo e onisciente em que não há um ponto de vista claro. Já as cenas que se passam no momento em que a história acontece são contadas a partir de diversos pontos de vista, como se fossem câmeras colocadas no ombro dos personagens. Embora tenha um bom número de páginas, a narrativa flui bem, demonstrando uma escrita correta e bem encaixada.
Gostei demais dos personagens criados pela Cláudia. Ela entende bem como funcionam as engrenagens da construção de bons personagens. No passado vemos as quatro protagonistas e sua relação umas com as outras. Lá a autora vai trabalhar as diferenças entre elas e como enxergam o mundo ao seu redor. Os acontecimentos pregressos servem de plataforma para trabalhar a ação no presente. Logicamente que o salto temporal provocou mudanças nas personagens, mas a essência da mentalidade de cada uma está ali. A autora se preocupou em apresentar problemas bem reais para suas personagens. É possível se identificar com cada uma delas. Ou os estereótipos que elas representam.
Vou começar pela própria Suellen. Um espírito livre quando adolescente podemos dizer que ela era a cola que unia as demais. Mas, ao ser criada por uma família formada por fanáticos religiosos dedicados a uma igreja neopentecostal, ela tinha muito de sua liberdade cerceada pelos pais. Esse é o tipo de ambiente tóxico para uma adolescente em fase de transformação. Suas amigas são sua fonte de escape até que acontece uma situação trágica. Passando para o presente, ela acaba se convertendo e se tornando parte do rebanho de fiéis da igreja local. Ou seja o refúgio na religião acaba se tornando a maneira que ela encontrou para se redimir de seus pecados passados. A relação conturbada que ela tinha com seu irmão Davi é o espelho do que era com o resto da família. Mas, após sua conversão eles se tornaram bons amigos já que ela decidiu deixar de lado todos os seus hábitos.
Já Mariana é uma das principais personagens dentre as quatro. Quando era mais jovem se apaixonou por Reno, um colega de escola. Uma pessoa amorosa e que tem uma forte conexão com suas amigas. É uma que acaba se punindo após aquilo que marcou as quatro. Ela acaba se casando com um delegado e deixando de lado o seu amor juvenil. Só que esse marido é um homem violento e cujo sentimento de ciúmes acaba fazendo da vida de Mariana um inferno. Com surras frequentes, ela acaba se tornando uma mulher submissa, que encontra todo o tipo de estratégia para fugir das surras. Aquela que um dia foi a corajosa do grupo agora é aquela que se submete a uma relação de dependência. Reno continua a fazer parte de seu coração e esse sentimento por ele apenas aumentou.
Maria Cláudia, ou Cacau, é aquela que conseguiu tocar a vida após os eventos trágicos. Por incrível que pareça o seu egoísmo acabou lhe servindo como um atenuante para o que aconteceu. Ela conseguiu reverter bem a situação e lidar com seus próprios sentimentos. Das quatro, achei que a autora trabalhou menos a Cacau e isso fez com que eu apenas pudesse supor que o fato de ela ser incapaz de ter filhos possa ser algo emocional. Pelo menos no livro não é dito nada a respeito de alguma condição médica. Curiosamente, a personagem se torna médica de forma a ajudar as pessoas, um traço que estava presente já na adolescência.
E Dafne é a estrategista, a pragmática do grupo. Assim como Mariana as duas possuem um forte senso de liderança, motivo esse que pode ter levado a várias discussões entre as duas. Por outro lado, a proximidade entre as personagens também é enorme. Ao compartilharem do mesmo amor por Reno, algo que certamente vai gerar alguma confusão mais tarde já que elas deixam de se falar por boa parte da vida adulta, isso pode tê-las feito se aproximar ainda mais. Ela assume o papel de gestora dos negócios de seu pai na gráfica. Das quatro é a única que estabelece uma vida fora da cidade. Isso porque ela não consegue mais ficar presa a um ambiente que lhe trazia tantas lembranças ruins. Mas, era inevitável que ela retornasse. Ao retornar ela precisa fazer as pazes com suas dúvidas e amarguras.
A narrativa tem um bom pedaço dedicado a explorar as memórias das quatro mulheres. Como um quebra-cabeças, Cláudia vai montando as peças pouco a pouco para o leitor. À medida em que a história avança mais vamos nos dando conta de o quanto o assassinato de Suellen tem muito a ver com a história de todas. E o quanto a situação passada fez com que seus laços se rompessem irremediavelmente. Mais do que isso: é como se as personagens tivessem parado no tempo e não avançassem mais com suas vidas. O relógio da vida delas parou naquele dia no meio da floresta.
Uma das grandes estratégias da autora para manter a história interessante é não ser previsível na maior parte do tempo. Imaginamos que a solução para os mistérios é uma quando a resposta para tudo está sendo balançada bem na nossa frente o tempo todo. É o truque do prestidigitador que desvia o foco da atenção do leitor em pontos que nada tem a ver com a resposta. Ao mesmo tempo eu achei que a Cláudia criou uma super trama no final que acabou ficando grande demais para a proposta inicial. Gostava mais quando a narrativa tinha um teor mais íntimo e pessoal. Quando ela assume um ar conspiratório, para mim foi como se o foco tivesse se perdido. Mas, isso é uma preferência minha. Costumo preferir narrativas que usam menos para contar mais. O assassino poderia ter tido uma motivação bem mais simplória se focando mais em como ele absorveu aquilo que lhe foi dito e usou de forma errada.
A Segunda Morte de Suellen Rocha é, sem dúvida, um livro instigante, escrito por uma autora habilidosa na arte de criar situações terríveis que levam a mudanças de caráter. Ela entende muito bem como seus personagens funcionam e sua tridimensionalidade os tornam verossímeis ao leitor. O que é excelente para uma autora cujas narrativas dependem de ter os dois pés fincados na realidade. Ela aproveitou e tocou em temas bastante atuais como violência doméstica, fundamentalismo religioso e preconceito étnico.
Ficha Técnica:
Nome: A Segunda Morte de Suellen Rocha
Autora: Cláudia Lemes
Editora: Avec
Número de Páginas: 296
Ano de Publicação: 2020
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*Material enviado em parceria com a Avec Editora
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