Uma vingança que atravessa gerações. Uma comunidade indígena destruída por causa da ambição de colonizadores. Uma última flecha para dar fim a tudo.
Sinopse:
O roteirista Emerson Medina e o ilustrador Romahs Mascarenhas uniram seus talentos para criar uma Graphic Novel que tem como ponto de partida um tema tão atual: a dizimação do povo indígena. Nessa história de magia, intriga e vingança, o leitor vai descobrir que todas as contas devem ser pagas, mesmo que demore séculos.
Os quadrinhos são um meio importante para o resgate de narrativas que possam despertar o debate sobre algum assunto. Parece que ultrapassamos aquele momento de super-heróis porque de alguns anos para cá tem surgido narrativas cada vez melhores e que tratam dos temas mais variados. Posso mencionar aqui Angola Janga, do Marcelo D'Salete que fala sobre o quilombo de Palmares, Luzes de Niterói, do Marcelo Quintanilha que usa um espaço conhecido para contar uma história sobre amores e perdas. A Última Flecha vem nos trazer a tragédia do povo indígena ao longo dos séculos a partir da lente de um personagem que através de meios mágicos consegue continuar sua missão de vingança. O quadrinho é um espelho das atrocidades cometidas contra eles e nos mostra o quanto foi tirado deles. O apagamento de sua cultura, o assassinato de diversas tribos.
Começamos vendo um ataque de um grupo de colonos europeus a uma tribo indígena. Várias pessoas são massacradas sem piedade e o líder entra em uma cabana onde bebe de um líquido. O que parece ter sido o objetivo dessa empreitada. Quando tudo está acabado, Guajá retorna de sua caçada apenas para encontrar sua vila destruída. Ele pega sua amada companheira nos braços e chora por aquilo que perdeu. É aí que ele parte para se vingar daqueles que fizeram tamanha atrocidade. É então que chegamos em dois momentos: em 1903 quando alguém que se parece muito com Guajá deseja encontrar um pouco de carinho nos braços de uma prostituta e uma mulher chamada A Siciliana tem um encontro caliente com um homem poderoso.
O roteiro é muito bom. Medina nos entrega uma narrativa impactante que nos coloca na mira da flecha do último sobrevivente de uma tribo. Ele não tem nada a perder. Só deseja destruir aqueles que apagaram sua tribo da face da Terra. Caça um a um através dos tempos. E ele tem todo o tempo do mundo para isso. Vou comentar mais abaixo sobre a conexão entre roteiro e arte, só preciso ressaltar o quanto foi arriscado trabalhar uma narrativa quase que em três temporalidades. Isso em uma HQ que não é tão longa assim. O roteiro consegue entregar uma narrativa concisa e mantém o interesse do leitor até o final. O importante aqui era trabalhar as motivações de Guajá ao mesmo tempo em que aos poucos vai nos revelando os fatos que envolvem a sua missão. Para mim, roteiro impecável.
Falando sobre a arte de Romahs, é um estilo que não me agrada tanto assim. Ela é estilizada e possui um design de personagens bem característico. Apesar disso, preciso ressaltar alguns pontos. Primeiro, a preocupação do autor em se dedicar às expressões faciais. Romahs trabalha bem as emoções e isso nem sempre é algo simples. Sabemos, por exemplo, que Guajá é um homem taciturno e melancólico. Isso pode ser visto em seu olhar e todo o seu gestual que demonstra alguém destruído por aquilo que aconteceu. Já a mulher de sardas inicialmente aparece quase como uma ninfa do rio: bela, inocente. Quando nos voltamos para 1903, ela é uma prostituta que sabe usar o seu corpo para conseguir dinheiro. A forma como ela toca em Guajá ou como ela se posiciona no sofá condiz com táticas de sedução. Mas, após alguns acontecimentos, a personagem se assusta com certas revelações. Seu gestual, que era artificial, reverte a como ela é de verdade. O segundo ponto são os cenários detalhados presentes no fundo. Houve toda uma preocupação com o que está atrás dos personagens. Aqueles que moram em Manaus vão reconhecer alguns pontos existentes na HQ. Faz toda a diferença para o leitor um cenário bem preenchido. Contribui para a imersão na narrativa.
Gostei demais de como o roteiro deu muito espaço para a arte trabalhar. Esta é uma HQ relativamente rápida de ser lida. O primeiro balão de diálogo só aparece depois de treze páginas. E isso não atrapalha nem um pouco a compreensão ou o fluxo da história. Acho até que a história funcionou melhor dessa forma. Porque o leitor acaba precisando montar as peças que fazem sentido. O enquadramento usado é bem legal com um aproveitamento bom de todo o espaço oferecido pelo quadro. Às vezes o artista usa requadros em branco de forma a dar uma sensação maior de profundidade.
Minha experiência de leitura foi boa. A ideia da vingança e de como isso atravessou gerações foi bem inserida na história e ela é coerente com o que é apresentado. Ou seja, a gente acredita na vingança prometida pelo protagonista. A emoção que transborda nele quando ele leva a cabo a sua missão é palpável para a gente. Ficamos tristes pelo personagem. Seus problemas e dilemas nos fazem refletir sobre a verdade sobre como nossa sociedade lida com os povos indígenas. A indiferença com que lidamos com sua cultura é uma das principais responsáveis pelo desaparecimento das comunidades que ainda restam. E isso porque eles ainda escondem muitos detalhes interessantes sobre seus hábitos e tradições. Há tanto a ser descoberto e uma imensidão de informações escondidas no coração da floresta amazônica. Perdemos a possibilidade de nos comunicar com esses povos e descobrir o que se encontra em lugares remotos da civilização humana. A Última Flecha é uma daquelas HQs que nos tocam e nos fazem refletir sobre nossa própria história. E toda a violência perpetrada contra os povos indígenas.
Ficha Técnica:
Nome: A Última Flecha
Autor: Emerson Medina
Artista: Romahs Mascarenhas
Editora: Monomito Editorial
Número de Páginas: 56
Ano de Publicação: 2019
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*Material enviado em parceria com a Monomito Editorial
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