Acham que conhecem todos os animes que se passam em outro mundo? Isekais se tornaram algo comum nos últimos tempos, mas Kumo Desu Ga Nani Ka vai te surpreender. Não se deixe enganar pela protagonista, uma aranha bonitinha e engraçada. A narrativa é bem mais profunda do que parece. Confiram mais nessa matéria!
Isekais são histórias que se passam em mundos alternativos em que o protagonista acaba caindo seja através de um portal, de um meio digital, de uma convocação mágica ou outros meios. As histórias que recorrem ao tema da reencarnação também tem se tornado bastante frequentes. Esse é um gênero que explodiu de alguns anos para cá com sucessos como SwordArt Online, Re:Zero, Rising of Shield Hero e tantos outros. Daí alguns espectadores terem criado uma certa resistência porque o tema se tornou comum demais. Em todos os períodos de novas temporadas de animes no Japão, tem pelo menos 3 ou 4 desses entre os lançamentos. Na última temporada foram 4, se eu contar as novas temporadas daqueles que já existem. Daí a pergunta: por que eu devo assistir a um anime onde uma garota acorda em um mundo de fantasia encarnada em outra criatura?
Bem, estou aqui para tentar convencê-lo a dar uma oportunidade a esse anime. Antes de mais nada, vamos falar dos dados técnicos. Kumo Desu Ga Nani Ka, ou So I'm a Spider, So What? é uma animação do estúdio Millepensee, produzido por Jotaro Ishigami e dirigido por Shin Itagaki que conta com uma temporada de 23 episódios, divididas em um sistema de split coeur (mas que acabou passando de forma ininterrupta por duas temporadas). Ela é baseada na light novel de mesmo nome publicada desde 2015 e que conta com quatorze volumes até o momento. O mangá é da mesma época que a light novel e é publicada na revista Young Ace Up e conta até o momento com 9 volumes. O criador da light novel é Akina Baba e o mangaká responsável é Asahiro Kakashi.
Dito isso, sobre o que é a obra? A narrativa começa de forma bem direta. Uma classe escolar acaba sendo transportada para outro mundo quando uma luz incide sobre eles. A protagonista não tem nome (apesar de que no anime ela acaba recebendo um como humana) e a gente a conhece mais como Kumoko. Ela reencarna em uma estranha caverna e percebe que ela havia se transformado em uma smaller tarasect, um tipo de monstro-aranha minúsculo desse mundo. Não só ela reencarnou em um monstro fraco como ela desperta em um dos lugares mais perigosos desse mundo: o Grande Labirinto de Elroe. Lá ela vai precisar aprender a sobreviver, entendo qual é o papel dela dentro da cadeia alimentar. Aos poucos ela vai descobrindo que esse mundo se assemelha a um game de RPG, onde ela, ao matar inimigos, vai conseguindo adquirir habilidades. Como uma gamer ela mesma, Kumoko vai decifrando os sistemas que regem esse mundo e evoluindo seu personagem, mudando de forma a cada dificuldade superada.
Mas, espera aí? Vocês vão me dizer que já viram essa história antes com um personagem superpoderoso se tornando o ser mais incrível desse mundo, certo? Errado. Alguns momentos do anime são bem tensos com cenas bizarras com Kumoko ficando cega após uma criatura banal atirar ácido nos seus olhos, um lagarto gigante comer suas pernas ou quando ela se vê cercada de lava vulcânica por toda a parte e seu corpo começa a pegar fogo. Sim, ela vai se tornar poderosa, mas por causa de seus próprios esforços e levando muita porrada antes de conseguir. Ou seja, existe uma sensação de desenvolvimento que não tem a ver com nada superpoderoso. Embora a gente comece a desconfiar da existência de forças superiores que manipulam as dificuldades em prol de sua própria diversão. Ou seja, os esforços de Kumoko são magnificados pelas dificuldades que lhe são impostas.
Antes de me focar nos demais personagens, queria colocar o quanto Kumoko é uma personagem divertida. Não é aquele personagem tolo, que tem uma mentalidade maniqueísta de bem contra o mal. Ela quer sobreviver e ela entende que para isso ela precisa ficar mais forte. Sendo uma pequena aranha, vai desenvolver estratagemas para derrotar seus inimigos, mesmo que seja uma habilidade roubada como o Olhar Maléfico, uma habilidade que reduz pontos de vida de seus oponentes de forma lenta (enquanto ela corre por todo o cenário apenas fugindo de ataques). Não existe um chamado heroico para ela e nem uma vontade bondosa de salvar o mundo. Só que Kumoko observa a manipulação das coisas ao seu redor e seu objetivo passa a ser o de compreender a própria mecânica do mundo.
Seus demais colegas acabam indo parar em reinos de fantasia medievais bem ao estilo de um game do gênero. Schlain é o irmão do maior herói desse mundo. Ele era aquele cara agregador do grupo da escola e de certa forma se entende como responsável por todos. Mas, uma tragédia vai acabar colocando-o em uma rota que ele não pretendia. Karmatia Anabald era Kanato na sua vida prévia. O melhor amigo e companheiro de futebol de Yamada (Schlain), os dois mantiveram sua amizade nesse outro mundo. Karmatia faz o possível para proteger Schlain dos perigos ao seu redor, que ela diz que ele não percebe. Feirune (Shirahune na outra vida) teve o mesmo destino que Kumoko e foi transformada em um filhote de dragão terrestre. Shirahune fazia bullying com a encarnação anterior de Kumoko e ao ser transportada para este mundo, tudo mudou de perspectiva. Ela deseja reencontrar Kumoko e se redimir por aquilo que ela fez no passado. Hugo (Natsume) era outro dos amigos de Schlain em outra vida. Quando ele foi trazido para o novo mundo, imaginava um recomeço se tornando alguém melhor do que antes. Talvez um herói, alguém reverenciado por todos. Mas, suas atitudes impulsivas colocam a ele e a seus colegas em riscos desnecessários e Schlain acaba quase sempre salvando a todos, ganhando honra e prestígio que Hugo imaginava serem seus. Isso faz o seu gênio mudar e se tornar cada vez mais violento até entrar em rota de colisão com seus antigos colegas.
Yui (ou Yuika) era uma menina doce e gentil que nesse mundo encarnou como uma sacerdotisa disposta a eliminar todas as criaturas demoníacas desse mundo. Ela acredita piamente no poder de sua fé, o que por vezes a transforma em uma fanática fundamentalista. Por último não podemos nos esquecer de Filimos (a professora Okazaka) que era a responsável pela turma em sua vida anterior. Ela reencarna em uma elfa com mais poderes e conhecimentos do que deixa transparecer à primeira vista. Filimos é a responsável por rastrear e encontrar todos os seus alunos que foram transportados para este mundo. Embora ela não consiga encontrar alguns poucos.
Como vocês podem ver, a história parece bonitinha e engraçadinha, mas pouco a pouco ela vai tomando um rumo sombrio que chega a chocar o espectador. Admito que estava assistindo porque a Kumoko é uma personagem muito divertida e diferente do padrão. Só que algumas revelações que começam a ocorrer lá pelo episódio 5 em diante te fazem parar para pensar. Sem entregar muito, basta dizer que os alunos reencarnaram em corpos de pessoas deste mundo. E sem eles perceberem as personalidades e funções destas pessoas vão modificando a índole deles. É o que acontece com Hugo, por exemplo, que logo veremos batendo cabeça com Schlain. Isso também é bastante perceptível na doce Yui que deixa de ser aquela menina meiga para se transformar em uma fanática com alguns olhares bem psicopatas. A única que ainda retém parte de sua personalidade é Fei, cujo temperamento é maior do que parece a princípio.
Tem outro detalhe bastante curioso e que o espectador desconfia lá pela metade da série: ela se passa em duas temporalidades diferentes. Alguns acontecimentos tem uma lacuna estranha na visão dos personagens. O surgimento de uma antagonista demoníaca mais para a frente nos coloca a pensar o quanto esta personagem surge de repente na série e toma o comando de criaturas extremamente poderosas. Fora que Fimilo não diz onde alguns dos alunos desaparecidos se encontram, além de ela afirmar logo no segundo episódio com uma clareza certeira que Kumoko está morta. Na sua frase, não há espaço para dúvidas. Isso coloca o espectador com várias pulgas atrás da orelha. A partir da primeira metade da série, mesmo com todo o tom divertido e leve proporcionado pela Kumoko, a história vai tomando rumos sombrios, com mortes tomando conta dos diversos lados deste mundo e os personagens se envolvendo em uma trama mortal entre dois grupos de seres, além das disputas pelo trono.
A animação está bem bacana. Sinceramente eu não conhecia o estúdio que produziu a série e a direção é bastante competente. Como quase todas nos últimos tempos, a animação usa elementos em CG, mas sem abusar e sem parecer forçado. Alguns combates que acontecem ao longo da série são impressionantes como Kumoko lutando contra um dragão da terra. A sequência de animação ocupa mais da metade do episódio e é muito bem executada, colocando ação, drama e sacrifício para o espectador. Os movimentos fluidos dos personagens também enchem os olhos. Com uma dose certa de boa narrativa, personagens sendo desenvolvidos aos poucos, uma protagonista curiosa, divertida e inteligente, Kumo Desu Ga Nani Ka não é o melhor anime do ano, mas é um bom candidato a estar em uma lista de 10. Vale sim assistir. Deixo aqui linkado a primeira abertura que mostra bastante do que são os doze primeiros episódios do anime.
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