Como qualquer bruxinha em treinamento, Kiki precisa passar um ano no mundos dos homens. Ela se muda para uma cidade e precisa encontrar alguma forma de sobreviver. Apesar de ser muito prestativa, Kiki é atrapalhada. Será que ela vai conseguir se adaptar à vida na cidade?
Sinopse:
Por ordem de sua mãe, Kiki parte para um aprendizado de um ano, acompanhada por seu gato preto. A um comando de sua vassoura mágica, ela vai parar na charmosa cidadezinha de Moreoastal. Infelizmente, os hotéis locais não aceitam bruxas e a polícia a flagra fazendo algumas travessuras.
Antes de fazer a resenha, queria fazer uma confissão: eu mexi um pouco na ordem cronológica das animações. O Túmulo dos Vagalumes é posterior ao lançamento de Serviço de Entregas da Kiki. Foi lançado dois anos depois. Me justifico porque o Túmulo dos Vagalumes é um anime bem pesado e eu precisava estar no espírito específico para ver a animação. Desculpas à parte, voltemos para a programação normal.
Nos dias de hoje, boa parte dos estúdios de animação concebem enredos escalafobéticos que apresentam altas ideias e acabam deixando o espectador confuso. Mas, O Serviço de Entregas da Kiki é uma aula feita pelo senhor Hayao Miyazaki de como podemos fazer coisas incríveis com enredos absolutamente simples. A gente não sente nenhuma dificuldade em entender as coisas que acontecem no desenho e nada escapa ao espectador. Essa é uma das grandes qualidades do estúdio.
A história tem Kiki como personagem central. Ao fazer 13 anos ela se prepara para sua jornada. Kiki é uma bruxinha e, segundo as tradições, deve passar um ano longe dos pais para aprender a viver no mundo dos homens. Ela precisa escolher uma cidade e se não tiver nenhuma bruxa vivendo nesta cidade, ela passa a "pertencer à cidade". Kiki é uma menina esperta e prestativa, mas também muito atrapalhada. Seu sonho é ser a bruxa de alguma cidade que tenha mar. Ela constrói uma vassoura, mas sua mãe recomenda que ela use a velha vassoura que lhe foi dada por sua avó. Junto com Jiji, seu gato preto de estimação e melhor amigo, ela parte em direção à sua jornada. Nossa protagonista finalmente encontra uma cidade à beira do mar, mas esta é uma cidade magnífica e enorme. Ao mesmo tempo em que fica maravilhada com sua nova moradia, ela fica confusa diante da imensidão de tudo. As pessoas na cidade parecem não lhe dar bola e ela passa muitas dificuldades até encontrar Ozono, uma senhora dona de uma padaria que se afeiçoa muito à Kiki. Ozono ajuda Kiki a montar um serviço de entregas usando a habilidade da protagonista em voar.
Preciso dizer logo de cara que achei o visual de O Serviço de Entregas da Kiki mais atrativo do que Meu Vizinho Totoro. Acho que Miyazaki quis inventar um pouco na composição das cenas o que acabou deixando algumas cenas um pouco estranhas. Novamente, Miyazaki trabalha bastante com uma palheta de cores pasteis, mas dessa vez predomina o verde da floresta e o bege das casas. O visual da cidade é muito agradável. Me parece que Miyazaki se inspirou em cidades costeiras italianas para montar a cidade onde Kiki permanece. Eu associaria muito à Gênova ou à região costeira (e sem canais) da cidade de Veneza. É absurdo perceber como o Studio Ghibli consegue compor uma cidade com o nível dos mecanismos de animação da época. As pessoas que vivem na cidade tem personalidade, rostos e movimentação diferentes. Falar disso hoje é bobagem porque podemos jogar este tipo de efeito em algum programa de animação 3D pesado e ele faz todo o trabalho. Mas, O Serviço de Entregas da Kiki é uma animação produzida em 1989 em que não tinha metade desses instrumentos de animação. Quase tudo era feito à mão. Isso dá um valor enorme ao trabalho feito pelo estúdio. E digo mesmo: a animação não deixa nada a desejar a nenhum dos dias atuais.
Outro elemento que me chamou muito a atenção foi a trilha sonora. Que trilha espetacular. Novamente o estúdio se baseou na música italiana para compor o conjunto de músicas que tocam ao fundo. Algumas das cenas com Kiki voando pela cidade, observando a movimentação das pessoas e uma suave trilha sonora com arranjos feitos com instrumentos de sopro fazem a trilha ser marcante. A gente se sente na beira de uma praia ou andando por uma rua tranquila banhado pelo sol de uma tarde de sábado. Para mim foi uma experiência muito prazerosa.
Miyazaki foge um pouco do lugar comum nas animações japonesas e vai buscar inspiração nas lendas sobre bruxas europeias. Na época, foi muito criativa a ideia do autor. Kiki é uma bruxa que voa em uma vassoura mágica e tem um gato preto. Mas, Miyazaki muda alguns elementos para criar uma história acessível a todas as idades. Por exemplo, Kiki é uma bruxa prestativa e que gosta de ajudar as pessoas. Outro elemento é que as bruxas são vistas como coisas normais e cotidianas. As pessoas não encaram as bruxas com estranhamento. Eu conseguiria até encaixar O Serviço de Entregas da Kiki como uma espécie de realismo mágico, que tem justamente esta característica como pilar: encarar o fantástico como cotidiano. Só que alguns críticos podem alegar que seria estranho já que o subgênero do realismo mágico tende a estar presente mais em obras sul-americanas, portuguesas e espanholas. Também chama a atenção o fato de Jiji ser um gato preto e o animal ser associado ao azar ou mau agouro. Miyazaki também tira isso ao compor seus personagens.
A animação é claramente uma jornada de crescimento. Kiki sai de cada deslumbrada com a novidade de poder ser livre. Ela quer ser importante, mas ao mesmo tempo quer se divertir ao chegar em uma nova cidade. Mas, ela vai ser afogada em preocupações ao perceber que viver sozinha em um lugar estranho pode ser muito difícil. Kiki vai precisar deixar algumas coisas de lado para ganhar novas responsabilidades. Claro que nossa protagonista não pode se esquecer de que é uma jovem em crescimento e não pode viver apenas com responsabilidade. Tanto é que quando ela esquece da diversão e só pensa em trabalhar, ela perde seus poderes. Isso é uma metáfora de como esquecemos quem somos diante de tantas responsabilidades. Mas, com otimismo somos capazes de solucionar todos os nossos problemas. E é quando Kiki percebe que não está sozinha e precisa incorporar um sentimento de desapego que as coisas melhoram e seus poderes retornam.
Percebi também que novamente Miyazaki insere a temática da civilização x natureza. Kiki é uma personagem criada diante do contato com a natureza. Quando ela chega à cidade se vê completamente imersa em um ambiente que não valoriza tanto a natureza. Ela se sente solitária e desconfortável. As situações em que Kiki recupera seu otimismo são todas ligadas à natureza: quando ela está voando e sente o vento batendo em seu rosto ou quando visita Ursula, sua amiga pintora, no meio da floresta. A gente percebe nas animações de Miyazaki o apreço que ele tem no contato com a natureza e como esse contato pode ser transformador para o homem.
Por fim queria tocar rapidamente no tema da aviação (vou comentar melhor quando resenhar Porco Rosso). Miyazaki é um fã de aeronáutica e o vôo e as máquinas voadoras estão sempre presentes em suas animações. Aqui o ideal da aviação está presente no garoto Tombo Coppeli, um menino apaixonado por uma bicicleta com hélice e tem uma quedinha por Kiki. Para mim, Tombo parece muito com a personalidade do próprio Miyazaki. É como se ele tivesse inserido a si mesmo na animação. O espírito do aviador de gostar do vento, de querer ser um só com o céu, está presente na animação. E, pasmem: o dirigível Spirit of Freedom que aparece na animação, é de fato um dirigível que realmente existiu na década de 1930. Isto mostra a paixão do autor por máquinas voadoras.
Enfim, O Serviço de Entregas da Kiki é uma animação muito divertida. Recomendo a qualquer um que deseje ver algo leve em uma tarde de sábado e curtir uma história saudável. Além de dar boas risadas diante das trapalhadas de Kiki e Tombo. Novamente, Miyazaki me proporciona aquelas duas horas descompromissadas em que eu deixo meu espírito se levar para dentro da história apresentada na telinha.
Na próxima semana, vamos de Porco Rosso e vamos falar de aviação.
Ficha Técnica:
Nome: O Serviço de Entregas da Kiki
Diretor: Hayao Miyazaki
Produtor: Hayao Miyazaki
Roteirista: Hayao Miyazaki
Estúdio: Studio Ghibli
País de Origem: Japão
Tempo de Duração: 103 min
Ano de Lançamento: 1989
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