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O Hugo Awards e a censura (de novo...)

Nos últimos anos houve uma série de polêmicas envolvendo autores ligados a movimentos de extrema-direita e uma das maiores premiações de literatura de gênero do mundo. Só que na edição de 2023, houve mais uma polêmica que diz respeito à censura. Mais uma vez. Saibam mais nesta postagem.



O Hugo Awards é considerada uma das premiações mais prestigiadas no que diz respeito à literatura de fantasia, terror e ficção científica. Apenas os maiores e melhores trabalhos estão entre as suas listas de finalistas, que quase sempre servem como parâmetros de filtragem do que foi destaque no ano anterior. Editoras internacionais costumam usar os títulos que se encontram nessas listagem para saber o que levar para seus respectivos mercados. Só que na última década a premiação acabou sendo sequestrada e levada para um embate ideológico em várias frentes. Isso acabou por colocar em dúvida os critérios de escolha e de votação que são bastante peculiares na premiação. Em 2023, não foi diferente. Vários casos de censura de títulos bastante conhecidos apareceram na imprensa com os autores se queixando de interferência governamental na seleção de vencedores. Algo que mancha a imagem de uma premiação que já vem passando por uma crise interna nos bastidores.


Antes dessas denúncias, a premiação sofreu por pelo menos três edições com a atuação de um grupo conhecido como Sad Puppies. Se tratava de um grupo de autores ligados a movimentos e pautas de extrema-direita que reclamavam do fato de a premiação ter se tornado representativa e diversa demais. Entre os argumentos estavam uma eventual virada para discussão de pautas que eles consideravam tolas como uma valorização de personagens LGBT, a preocupação com imigrantes, desigualdade social, abuso de poder por governos ditatoriais. Na visão dos Sad Puppies, a fantasia e ficção científica deveriam seguir modelos passados, sendo limpa de pautas sociais. Era o velho argumento conservador de que "no meu livro de fantasia não pode ter política". Eles organizaram um grupo de outros escritores que viciaram o processo de votação e colocavam apenas membros dos Sad Puppies entre os finalistas. A organização do evento percebeu a sabotagem e desclassificou aqueles que faziam parte do esquema. Mesmo assim isso colocou em evidência as fragilidades do processo de votação.


O Hugo Awards é uma premiação que possui critérios bem específicos. Para fazer parte da votação a obra precisa ter sido publicada no ano anterior. A organização do evento é rotativa com a cada ano sendo formada por uma equipe diferente. O mesmo pode ser dito do local onde a premiação é realizada. Existe uma eleição da sede de futuros eventos e há todo um lobby para receber a premiação. Isso gera visibilidade para o local e é usada para fomentar o aparelho cultural do país em questão. Em 2023, o evento foi realizado em Chengdu, na China. Já vou chegar em como a localização afetou o evento. A votação dos melhores é feita pelos sócios pagadores do Hugo. Essa é a maneira como o Hugo Awards se financia: com a inscrição de autores e interessados que pagam uma taxa para se manter como votantes. Outra peculiaridade é que os números da votação só são inteiramente revelados após a revelação dos vencedores. Geralmente sabemos disso alguns dias depois. Durante o evento são realizadas inúmeras palestras e há o lançamento de projetos e iniciativas para fomentar a literatura de gênero. Enfim, o evento do Hugo Awards (a World Convention) é uma grande celebração da potência que a literatura de fantasia e de ficção científica possuem. Inclusive tivemos a participação da nossa querida Ana Rusche que esteve palestrando em uma das mesas lá em Chengdu.



Mas, falemos do babado que é isso que vocês querem saber. E ele envolve estas duas autoras entre outros que também foram surpreendidos. Como disse acima, o número de votos que cada um recebeu é revelado após a premiação e são números que saem dois ou três dias depois. Pois é... não foi esse o caso dessa vez. Só viemos a saber os votos em janeiro quando o prazo da revelação dos números oficiais estava prestes a se encerrar (há um tempo previsto no regimento interno para a transparência dos dados de votação) e algumas surpresas surgiram. Como alguém que acompanha premiações, a gente meio que deduz quem são os favoritos do ano e especula aqueles que tem chances. Algumas categorias possuem vencedores bem óbvios dado a lista de cinco finalistas. Uma das autoras que mais vem se destacado nos últimos anos é a R.F. Kuang, autora da série A Guerra da Papoula. Ela estava na lista de finalistas de melhor romance longo com o seu livro mais recente Babel, que inclusive já foi lançado aqui no Brasil pela editora Intrínseca. Observando os outros títulos da listagem, a autora era a franca favorita. No entanto, para surpresa de todos, quem venceu foi Nettle and Bone, uma obra de fantasia da autora T. Kingfisher. Um nome bem menos conhecido internacionalmente do que a de Kuang. E, confesso, Nettle and Bone é um livro bem mediano se comparado a Babel.


Algumas semanas antes da premiação Kuang havia levantado algumas suspeitas sobre as indicações e o fato do evento acontecer na China não lhe agradava. Mas, foram comentários pontuais na época e ela não entrou em detalhes. Quando os resultados saíram, aí sim foi outra história. Kuang afirmou que sua obra havia sido desclassificada durante as etapas de votação e por essa razão não havia conseguido conquistar votos suficientes para ganhar o prêmio. Mas, ao analisarmos os números de votação víamos que os números de Babel eram constantes e aumentavam em uma velocidade exponencial. Lá pela quarta fase de votações, o título sumiu das cédulas de votação sem maiores explicações. A autora alega que recebeu um email da organização do evento com uma justificativa bem simplória e nada reveladora sobre os motivos que levaram à desclassificação do livro. Babel é um livro que vai explorar a questão da imigração e do preconceito e se baseia em acontecimentos da história recente da China para isso. A própria série A Guerra da Papoula tem elementos culturais chineses. O mais incrível de tudo: Babel é publicado por uma grande editora na China.


Mas, isso poderia ser um caso isolado, certo? Poderia ser uma implicância só com a Kuang? Pois é... não. Outra autora que foi afetada por essa possível censura foi Xiran Jay Zhao. Ela concorria na categoria de melhor autora estreante, uma categoria onde os autores são elencáveis por até dois anos de sua estreia. Entre os estreantes, Xiran Jay Zhao era aquela mais popular e cujo livro já havia vencido outros prêmios anteriormente. Sim, estamos falando do próprio Viúva de Ferro, livro de estreia dela e que também foi publicado no Brasil pela editora Intrínseca. O mesmo processo se deu com ela, só que a justificativa dada para a eliminação dela foi ainda mais estapafúrdia. Ou seja, se observava ali os métodos de atuação do processo de censura prévia. Em uma entrevista ao The Guardian, Zhao destaca que sua obra vai se basear na única imperatriz chinesa da história para criar uma história de ação e de amor. Só que essa não é a razão para a censura. Ela está na própria figura da autora. Tendo imigrado para os EUA, ela é extremamente crítica ao regime chinês, criticando a postura dura e até um pouco persecutória dos agentes do governo àqueles que produzem cultura. A autora é bem aberta nas críticas e é vista com várias reservas pela cúpula do governo de Xi Ji Ping.



Ah, entendi. Então o foco estava em autores e autoras chinesas que escreviam contra o regime chinês, certo? Não. Isso porque a série de Sandman que foi produzida e exibida pela Netflix também foi desclassificada. Para espanto total e absoluto dos produtores e do Neil Gaiman. Este veio a público dar uma declaração onde ele apresentava que justificativas a organização do evento deu para a desclassificação, mas como nos casos anteriores, não faziam o menor sentido. Gaiman se questionou durante suas declarações que motivos teriam levado a essa proibição e ele só consegue crer que possa ter algo a ver com a multiculturalidade da série Sandman que bebe de vários folclores e religiões para compor a sua mitologia. E que essa visão plural teria incomodado setores mais tradicionais do governo que teriam visto nisso uma afronta à política cultural interna.


Isso colocou a equipe organizadora na berlinda. Dave McCarthy, uma das figuras centrais da equipe organizadora respondeu a vários críticos no Facebook acerca da lisura dos processos de votação. Ele explicou a responsabilidade que é ser responsável por um evento dessa grandeza e destacou sua responsabilidade com as leis do país que está sediando o evento. Mas, suas respostas acabaram soando mais incriminadoras do que contemporizadoras. Isso porque o governo chinês é conhecido por esse tipo de prática sutil e velada. Não esqueçamos que, mesmo tendo aberto suas portas para um capitalismo mais agressivo, a China ainda mantém determinadas características herdadas da Revolução Cultural de Mao Tsé Tung. A valorização da cultura, a defesa da imagem de uma nação grandiosa, tudo isso faz parte da agenda governamental. E isso certamente interferiu no processo de votação, não importa de que maneira tenha sido, se foi velada ou se houve uma intimidação mais direta. O resultado disso é que a premiação perde prestígio e já precisa se preparar para o próximo evento que acontece em 2024 na cidade de Glasgow, na Escócia. A ver como será essa edição e se haverá protestos ou desclassificações. Fato é que uma premiação tão tradicional como essa não pode ser tolhida por interferências externas. Isso prejudica o desenvolvimento das temáticas a partir de uma censura. Como produtor de conteúdo e como alguém que acompanha a literatura de gênero há tantos anos, é vergonhoso o que se sucedeu em Chengdu e torço para que isso não se repita. Mas, é fato que o sistema de sócios e todo o processo de votação precisam ser reformados com urgência para evitar esse desgaste desnecessário.






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