Por N.K. Jemisin
Disponível em: http://whatever.scalzi.com/2015/08/06/the-big-idea-n-k-jemisin-4/
Traduzido por Paulo Vinicius F. dos Santos.
Neste artigo, N.K. Jemisin comenta todo o processo de criação de um mundo fantástico e as dificuldades por trás dele.
Há alguns anos atrás, eu tive um sonho de uma mulher vindo em minha direção de maneira poderosa, com uma montanha flutuando atrás dela. Sabia que ela tinha a minha idade - no início da casa dos quarenta - e eu podia ver que ela tinha dreadlocs como eu, mas estava claro no sonho que ela não era eu. Ela estava brava comigo por alguma coisa que eu tinha feito ou não tinha feito, e se eu não encontrasse um jeito de aplacá-la rapidamente, eu sabia que ela iria jogar aquela montanha em cima de mim. Por que ela estava tão brava? Eu não tinha ideia. Como uma montanha estava flutuando ao redor dela como se fosse um bichinho geológico? Ela estava controlando-o através de algum meio desconhecido. Acordei deste sonho suando frio - e fascinada. Este foi o momento em que a trilogia Broken Earth do qual A Quinta Estação é o primeiro livro nasceu.
Fiz algumas suposições imediatas sobre esta mulher e o seu mundo. Primeiro, que ela era única; haviam outros que tinham a habilidade de controlar montanhas e tudo associado a elas (ou seja, a orogênese). Em segundo lugar, que a sua raiva não era algo recente ou novo. Você não arremessa montanhas em alguém por causa de um dia ruim. Esta mulher teve uma vida inteira repleta de razões para estar com raiva - como ser tratada como uma cidadã de segunda categoria e ter suas esperanças para o futuro esmagada de novo e de novo e de novo. Mas que tipo de sociedade discriminaria uma pessoa tão poderosa e por quê? A trilogia é minha resposta para esta questão.
Logo de cara eu precisei enfrentar os dois maiores desafios ao tentar contar esta história: a criação do mundo e a voz.
Então, eu amo criar mundos. Faço isto por prazer e para ganhar dinheiro. Apesar disso, a criação do mundo de A Quinta Estação foi mais assustador do que o normal. Vejam bem, no continente central do livro, invernos vulcânicos ao nível da extinção e outros desastres sísmicos ocorrem com uma grande frequência. Isto significava que eu precisava aprender mais a respeito de sismologia, dado que eu nunca tinha sentido um terremoto ou visto um vulcânico ou um gêiser, antes de eu começar a pesquisar para este romance. (Estava tão animada quando tivemos um terremoto em Nova York logo depois que eu comecei a trabalhar neste romance! Mesmo que no começo eu apenas achei que o metrô estava sacudindo de forma incomum naquele dia).
Mais desafiador foi o fato de que nada neste mundo poderia lembrar nada do nosso mundo. Por que deveria? Nenhuma sociedade na Terra, fora alguns extremistas religiosos e algumas pessoas com pensamentos apocalípticos é feito para sobreviver em um mundo devastado. Ainda assim, as pessoas da Quietude são adaptados biologicamente e culturalmente para períodos de mudanças climáticas rápidas e hostis. Eles podem detectar terremotos iminentes através do uso de áreas especiais de seu cérebro que nós não possuímos, e uma destas raças se orgulha de seus cabelos à prova de ácido e que filtram as cinzas lançadas por vulcões. Para eles, é normal falar de seis sentidos ao invés de cinco e considerar uma mulher bonita apenas se ela tiver pelo menos mais de 1,80m, usar um número grande nos pés e puder fazer frente a um urso (pelo menos).
Este foi onde o outro desafio, aquele da voz, apareceu: como eu poderia fazer meus leitores imergirem na história com situações tão fundamentalmente alienígenas e estranhas? Fazer isto poderia ser uma marca de ficção científica, mas isto é raro - e nem sempre bem-vinda - em fantasia.
Experimentei com alguns capítulos de teste e um conto que servia como prova conceitual para conseguir um feeling das coisas, antes de eu começar a realmente escrever o romance. Experimentei o uso de tempos verbais diferentes, vozes, personagens, sons e sensações. A primeira pessoa pareceu tão íntimo, de algum jeito. O pretérito (tempo verbal) não tinha impacto. Gosto da iminência do tempo presente; pode parecer estranho quando você não está acostumado com isso, mas é surpreendentemente fácil ajustar. (Ei: você acabou de fazer isto). Dá espaço para cenas de ação realmente viscerais.
Mas havia um personagem de quem a o tempo verbal na terceira pessoa nunca funcionava: Essun, a minha protagonista. A história começava em um mundo de um trauma profundo para ela: ela voltava para casa após um dia de trabalho para descobrir que o seu filho foi espancado até a morte por seu próprio pai. Esta é, felizmente, que apenas pouquíssimos leitores possam ter vivido na vida real e ainda assim é algo que qualquer pessoa razoavelmente sensível pode entender: aquele momento de choque quase irreal, a descrença, a confusão mental. Eu precisava de uma voz que pudesse mostrar estes sentimentos, que iria guiar todas as ações de Essun através da trilogia - porque este tipo de trauma nunca vai embora de verdade. Você apenas se reconstrói em torno dele.
O que melhor funcionou foi a segunda pessoa. Sempre pensei na segunda pessoa como um distanciamento; apesar de tudo, é impossível para o leitor ser realmente o "você". Embora eu tenha escrito algumas histórias incrivelmente íntimas na segunda pessoa, e quando eu realmente tentei escrevê-lo pela primeira vez, percebi como isso é incrível e poderoso - tanto o distanciamento como a intimidade ao mesmo tempo. Você não pode ser esta pessoa, mas você pode entendê-la. Era perfeito.
... E aqui eu tive um ataque artístico de pânico. Gostei daquilo que estava sendo desenvolvido, mas isto era realmente vendável? Passou-se cinco anos e não parei de ouvir reclamações de leitores sobre escrever na primeira pessoa que eu usei na Inheritance Trilogy. Leitores de fantasia e de ficção científica são incrivelmente rápidos em declarar que eles apenas "não curtem [pessoa/tempo verbal]". Ou eles chamam uma história de pretensiosa sem sequer lê-la, simplesmente porque está escrita em um estilo que eles não estão acostumados. Adoraria dizer que eu não me importo com o que estes leitores podem pensar. Em um momento extremo de ansiedade, mostrei aquele primeiros capítulos e uma sinopse para o meu editor e para o meu agente e disse, "Ok, isto vale alguma coisa ou é apenas uma confusão doida?". Eles devem ter decidido que valia alguma coisa; consegui um contrato para toda a trilogia alguns dias depois. Agora eu imagino que verei se os leitores acham que vale alguma coisa, também.
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