Neste Dia Internacional da Mulher, pedimos para a Ligia Colares nos contar um pouco do seu papel como social media da Avec Editora, seus projetos e como ela enxerga o mundo da literatura pela perspectiva de uma mulher atuante. Mas, chega de falar e hora de dar a palavra a ela.
Me perguntaram esses dias sobre como decidi me embrenhar no estranho universo da literatura e confesso que as coisas aconteceram meio sem querer. Cresci em uma casa de uma mãe professora de literatura e um pai com um grande amor por livros de fantasia. Desde pequena aprendi a encontrar refúgio naquelas páginas. Na faculdade, enquanto me afogava em letras que, na verdade significavam números, mais uma vez foram os livros que me acalmaram.
Mas, como nunca sei ter uma diversão pura e simples, o convite de uma até então desconhecida (oi, Pri!) para ser colunista de um blog foi o primeiro passo. O refúgio deixou de estar apenas nas páginas e em minha imaginação para criar rostos, vozes e abraços reais. Trabalhar com o Enéias Tavares, e depois entrar para o time da AVEC foi o passo final. Percebi que mais do que gostar de literatura, tinha encontrado a profissão que realmente me fazia dormir todos os dias cansada, mas feliz.
Claro que nem tudo é fácil. Trabalhar com a comunicação de uma editora é uma eterna caixinha de surpresas. É preciso planejar os conteúdos fixos, os variáveis, tentar encaixar aquela novidade incrível que não tinha sido prevista. Tudo isso além de conversar com os escritores para decidir a melhor forma de divulgar o próximo lançamento... Ter ideias para divulgar aquele livro que é tão bom, mas está meio esquecido pelo público, ir atrás daquele evento que pode ser perfeito para aquele lançamento, falar com os parceiros... E vender, claro, porque boletos não se pagam sozinhos.
E aí o tio Marck inventa alguma coisa diferente que dá nos nervos, o planejamento nunca sai como planejado. Mas, acima de tudo, trabalhar com mídias sociais é trabalhar com pessoas. Estar do lado de cá é nunca esquecer isso. Não que seja um sufoco, pelo contrário, cada comentário positivo, cada amigo feito pelo amor a algum livro ou escritor é a melhor parte! Mas, vocês não conseguem imaginar quantas vezes eu xingo mil vezes para só então me acalmar e responder ou resolver uma situação da melhor forma possível (bom, na verdade algumas pessoas têm alguma ideia lá no meu twitter, DESCULPA!).
E não dá para esquecer que sou uma mulher num meio ainda majoritariamente masculino, principalmente nos quadrinhos. A violência sutilmente acontece todos os dias, quando eu preciso ter cuidado com qual roupa vou para um evento e não dar a “impressão errada”. Quando aquela pessoa acha que está tudo bem flertar comigo mesmo quando estou falando de trabalho, quando sou tratada de forma condescendente e infantil, afinal como eu saberia do que estou falando, né? Esse é um dos principais motivos pelo qual, no perfil da AVEC, nunca assumi uma persona efetivamente feminina: os agradecimentos são no masculino, as conversas são sempre num tom mais neutro ou até no plural pela equipe, e o tom de voz utilizado é simpático mas não delicado. Foi a decisão que eu tomei para evitar esse tipo de problema.
Claro que não é possível manter essa neutralidade sempre, e não é minha intenção me esconder. As pessoas que acompanham a editora acabam me conhecendo, e eu faço questão de estar ali fazendo a minha parte para mostrar que mulher vai ocupar espaços sim, e vamos reclamar sim do que nos incomoda. Tiro forças de outras mulheres incríveis que estão, aos poucos, também ocupando seus espaços como quadrinistas, roteiristas, editoras, escritoras, e tantas outras funções. Temos todo dia exemplos de um público conservador se sentindo no direito de perseguir quem conta uma narrativa que eles não estão acostumados. A Chelsea Cain, por exemplo, foi acusada de querer “lacrar”, quando na verdade ela só estava contando o dia a dia de ser uma mulher, não? Mas vejo que esse é um caminho sem volta (ainda bem!). Estaremos sim em todos os lugares que por tantos anos nos proibiram de entrar, e estamos aqui também para causar desconforto.
E acho importante ter esses exemplos para outras mulheres verem e perceberem que é possível escrever, desenhar, roteirizar, ou o que achar melhor (representatividade importa sim!). Lembro da Lígia adolescente que deixou de testar tantas coisas porque não era pra ela, e hoje tento ser a mulher que essa Lígia do passado olharia e pensaria “po, se ela pode, eu também quero!”. Não é um posicionamento fácil, e quanto mais dentro das minorias você se encontra, mais difícil é ter a oportunidade, a opção, mais perigoso é se expor... Por isso tento usar meus privilégios para abrir um espacinho que seja, para outras mulheres virem depois sem precisar enfrentar os mesmos perrengues. E também tento lembrar sempre dos meus privilégios na hora de ouvir outra mulher com experiências diferentes das minhas, entender seu lado, suas dificuldades que eu nunca vou passar mas que posso, no mínimo, tentar acolher e tornar o meu entorno um lugar seguro.
No final o que era para ser uma entrevista se tornou uma reflexão, com certeza o Paulo não achou que isso ia virar uma carta dessas, e eu já me estendi demais. Não sei se acrescentei alguma novidade para os leitores do blog, mas se eu pudesse passar só uma mensagem de todo esse texto, eu diria para você escutar. Nós temos histórias para compartilhar, vivências para dividir, e muita experiência absurda que a gente já aprendeu a lidar. No Dia das Mulheres (e em todos os outros) eu não quero flores, eu quero respeito.
Para textos bem menores e com muito mais raiva no coração vocês podem me encontrar no twitter, mas eu estou em todas as redes sociais com o mesmo @ligiaccolares, é por lá que vou divulgar alguns projetos em andamento, uns desafios de leitura fora de hora, e os episódios que participo no podcast Boteco dos Versados @botecoversados!
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