Após a morte de seu pai em uma emboscada, o príncipe Duan vai precisar crescer e amadurecer para retomar o trono das mãos do ambicioso Gao. Para isso ele contará com a ajuda de um grupo bem inusitado de personagens.
O mercado francês de animações é considerado o maior do mundo em atividade hoje. Dezenas de mangás são lançados todos os meses e os franceses são admiradores do trabalho dos japoneses. Por essa admiração é que algumas vezes vemos histórias como A Lenda dos 108 surgindo por lá. Tendo sido produzido por François Corneau e Vincent Roget, esta é uma animação de 2015 que recebeu um feedback bem relativo no mercado europeu. Entretanto, seu lançamento ilustra a admiração pela cultura oriental. A direção foi feita por Pascal Morelli.
Uma História, Vários Caminhos
A história começa com o imperador da China e seu general Zhang sendo emboscados por ninjas em um templo. A luta é bem acirrada, mas em um descuido de Zhang, o imperador acaba sendo morto. Quem sucederia o trono seria o marechal Gao (o verdadeiro responsável pela morte do imperador), e, como o príncipe Duan é jovem e mimado, ele garantiria sua autoridade durante muito tempo. Zhang acaba sendo preso por suspeita de estar envolvido com os ninjas e condenado por traição. Mas, ele acaba fugindo e se tornando um fora-da-lei quando descobre o que realmente aconteceu ao imperador. Já Duan é resgatado do castelo pelo Mestre das Artes Celestiais. Duan passa a viver com o Mestre que o treina para ser uma pessoa melhor. Já Zhang se une a outros bandidos e saem aterrorizando o interior do império.
A Lenda dos 108 possui alguns personagens memoráveis como Cara Branca, o Furacão Negro, a Víbora... personagens que remetem aos filmes de artes marciais antigos da China (baseado em histórias de wuxia). Esses personagens desenvolvem uma química muito forte e pouco a pouco vamos conhecendo um pouco deles. Descobrimos, por exemplo, que a Víbora é uma mulher muito insegura que foi criada desde pequena para lutar e não teve a oportunidade de ser uma mulher. E ela é secretamente apaixonada pelo Cara Branca. Já este é um homem muito tímido que dedicou sua vida a denunciar os males causados pelo governo em relação às pessoas mais pobres. Já o Furacão Negro é um grandalhão muito atrapalhado que adora comer e se divertir. Eles se tornam bandidos por força das circunstâncias.
Já a história de Duan segue um pouco aquele estilo que ficou tão famoso com Karate Kid: um mestre muito sábio que ensina a um jovem como ser uma pessoa melhor. A ideia não é ensinar artes marciais a Duan, mas a passar para ele as virtudes de um governante e a humildade necessária para assumir o cargo. O príncipe começa como um menino muito mimado e aos poucos ele vai se tornando uma pessoa melhor. Quando as histórias de Duan e de Zhang se cruzam, o objetivo passa a ser outro, com ele precisando se tornar o líder capaz de derrubar o marechal Gao. E, principalmente: ser capaz de compreender que ele não pode fazer tudo e que os seus companheiros podem ser seus braços e pernas.
A animação realmente não me agradou muito. Preciso dizer que a animação em computação gráfica (CG) ficou muito chapada e estranha. Ela era responsável por produzir algumas cenas de horizonte muito bonitas. Quando a câmera fazia uma tomada de cima, a gente ficava encantado com a beleza das montanhas, a névoa circulando o templo e o verde vivo da floresta. Mas, o problema ficava nos personagens. Sua movimentação era muito esquisita, quase robótica. Tudo parecia muito artificial. Para uma animação que vai se focar em cenas de luta entre guerreiros empregando armas ou artes marciais isto beirou o desastre. Tem uma cena mais para a segunda metade do filme onde Zhang luta contra um espadachim em um duelo. A sequência era pouco fluida e os cortes de cena eram esquisitos. Talvez a que melhor tenha se beneficiado de cenas de luta em CG tenha sido a Víbora porque os seus cetins mortais traziam momentos até legais.
O próprio corpo dos personagens era bem estranho. Eu não sei como foi o processo de animação, mas dá a impressão de que a técnica empregada tenha sido semelhante à manipulação de marionetes. Isto porque os personagens fazem uns movimentos exagerados com uns pulinhos de um lado para o outro que me lembraram isso. Contudo, novamente: o diretor soube criar algumas cenas bem impactantes usando o horizonte como alvo. Tem uma cena com uma chuva caindo enquanto os personagens olhavam para as estrelas que era bem poética.
A trilha sonora não é nada demais. Nem compromete, nem é maravilhosa. Foram empregados sons típicos de histórias orientais com aquele ritmo calmo e sutil. Nas cenas de ação a gente tem até uma mudança de ritmo, mas senti falta daquela coisa mais impactante. As músicas eram melancólicas demais e quando era necessário um pouco de emoção, aí sim o objetivo era alcançado.
O Poder de uma História
Deixei para falar da minha personagem favorita no final: a Pei Pei. Ela é uma garotinha que fica em uma estalagem e conta histórias para ganhar refeições. Logo ela se une aos personagens muito por conta da vontade deles de a ajudarem. E de ela ser uma menina bem espivitada. Ela é uma contadora de histórias. É basicamente ela quem cria a lenda dos 108 e a associa aos seus companheiros. Como uma estratégia de enganar o general, ela aumenta as histórias dos feitos de Zhang e seus amigos. Algumas de suas descrições são muito engraçadas, e ela em nenhum momento mente. Ela apenas exagera nas descrições e as pessoas vão criando elas mesmas uma imagem completamente distorcida dos bandidos. Pei Pei é inteligente e emprega a imaginação dos seus ouvintes a seu favor e consegue criar histórias cativantes e curiosas para todos. Eu adorei a maneira como o diretor do filme foi hábil ao usar a ideia do contador de histórias para criar mais uma camada de interpretação na narrativa.
Por outro lado, achei que ele explorou mal os personagens do grupo de Zhang. Tudo acontece de forma muito corrida e eles acabam não conseguindo desenvolver bem os plots de todos os personagens. Em alguns momentos eu até senti que determinados personagens como o Cara Branca estavam jogados pelo cenário. O filme se beneficiaria muito de mais pelo menos meia hora de projeção, mas admito que isso talvez tornasse o filme cansativo para o público-alvo para o qual foi destinado. Infelizmente essa correria para adequar A Lenda dos 108 ao estilo familiar prejudicou o resultado final. Os personagens acabaram soando superficiais demais e a segunda metade do filme é inteiramente focada em Duan. Fiquei com aquela dúvida: o filme é sobre Zhang ou Duan? Porque em nenhum momento o diretor define isso com clareza, ficando em cima do muro.
Mas, A Lenda dos 108 acaba sendo um filme divertido rendendo alguns bons momentos de diversão. É aquele filme que se estiver passando em algum canal, talvez eu pare para assistir, mas não é nada muito memorável. A história de Duan pode ser uma boa maneira de explorar a jornada de crescimento através de uma outra perspectiva. E a trilha sonora é qualquer coisa além de esquecível e apenas cumpre em parte o seu papel.
Ficha Técnica:
Nome: A Lenda dos 108 Demônios
Diretor: Pascal Morelli
Produtores: François Corneau e Vincent Roget
Estúdio: Fundamental Films
País de Origem: França
Tempo de Duração: 104 min
Ano de Lançamento: 2015
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