Dois animes que renovaram o fôlego das animações japonesas foram Demon Slayer e Jujutsu Kaizen. Suas respectivas adaptações alavancaram as vendas dos materiais originais. Mas, por que isso aconteceu? Qual é o segredo do sucesso?
Se podermos dar algo como fato é o sucesso de Jujutsu Kaizen e de Demon Slayer. Animes que são praticamente representantes dessa nova década da animação japonesa. Fãs apaixonados discutem teorias e ideias todos os dias em grupos nas redes sociais. Fanarts aparecem a todo o momento. Brinquedos, chaveiros, figures e todo o tipo de lembranças são feitas com base nos personagens. Os materiais originais dispararam em vendas de uma hora para outra. Talvez o melhor caso neste sentido foi Demon Slayer que depois do seu décimo volume lançado teve todos os volumes anteriores disparando na lista dos mais vendidos (a ponto de os 23 volumes estarem na lista dos 50 mais vendidos). É um fenômeno que os especialistas em tendências culturais japonesas ainda procuram entender. Mas, podemos colocar um ponto em que os dois tem em comum: a belíssima animação.
Vou começar primeiro pelo estúdio Ufotable e por Demon Slayer já que, cronologicamente, ele veio antes de Jujutsu. O estúdio era menos famoso antes, mais por seu compromisso em adaptar a franquia Fate. Para aqueles que não conhecem, Fate é uma série de animes que se passam em diversos universos diferentes e que possuem um aspecto comum: diversos heróis mitológicos são convocados para um campo de batalha e lutam entre si disputando o Santo Graal, o cálice lendário capaz de fornecer qualquer desejo do vencedor. É um anime baseado em um JRPG que se tornou um sucesso absoluto no Japão e gerou dezenas de spin-offs e adaptações diferentes. Um dos mais conhecidos é o Fate Unlimited Works que tem disponível na Crunchyroll e, para mim, é uma das melhores séries da franquia. Quem curte personagens como o rei Artur, Gilgamesh, Robin Hood, Musashi e queria vê-los combatendo uns contra os outros, esse é o anime para você.
A Ufotable é um estúdio considerado premium hoje. E isso vai muito da própria postura do estúdio. Diferente de outros, o Ufotable não é de pegar muitos trabalhos. Geralmente eles pegam 2 ou 3 animes para cada temporada. Apenas após terminar é que eles abrem espaço para outros. É uma forma do estúdio garantir a qualidade daquilo que está sendo apresentado. A maioria dos animes de Fate que passaram pelo Ufotable tem uma qualidade de animação acima da média. Mesmo quando a história é meia sola, é indiscutível a fluidez da animação, o empenho colocado na elaboração das cenas. Quando o estúdio anunciou a animação de Demon Slayer (Kimetsu no Yaiba) a reação foi diferente. Isso porque o mangá da Koyoharo Gotoge não era muito conhecido. Já volto para falar do mangá, mas pensem que na época Kimetsu no Yaiba disputava espaço com outras histórias mais famosas como Ajin (que tinha animação na Netflix), Promised Neverland (que era bem fora da curva na Shounen Jump), o campeão de vendas One Piece e Dragon Ball Super que tinha retornado depois de anos de hiato. As primeiras imagens que foram mostradas da animação deixaram os fãs muito empolgados, e a Ufotable colocou uma equipe primorosa para cuidar do que fosse necessário.
O resultado final foi surpreendente. Uma animação belíssima, uma trilha sonora competente que sabia se mesclar com as cenas e um roteiro que soube adaptar muito bem o material original. Digo mais: a animação é anos-luz melhor do que o mangá porque o trabalho de edição soube potencializar o que a autora tinha escrito. O curioso é que o anime alcançou índices desproporcionais após o episódio 19 com uma luta memorável do Tanjirou contra um de seus adversários mais difíceis. Mas, honestamente, o anime já era sensacional antes disso. É que realmente foi um episódio fora da curva. O filme que veio depois do mangá adaptou um arco pequeno do mangá de forma a não manter os fãs sem material inédito por muito tempo. Como eu disse antes, o Ufotable pega poucos animes para trabalhar e o hiato entre temporadas pode ser grande por conta dessa preocupação com a qualidade do que é entregue. Se a primeira temporada já era muito boa, o filme então foi um espetáculo visual. Isso porque existe mais espaço para aprimorar a qualidade da animação em um longa metragem. O resultado foi óbvio: sucesso absoluto de ingressos e o filme entrou para a história com uma das animações com maior retorno de orçamento.
Mas, e o mangá? Bem, o mangá é bem simples. É um shounen bem genérico com algumas quebras de clichê aqui ou ali. Os personagens são bem cativantes e carismáticos o que é um diferencial tanto de Kimetsu como de Jujutsu. O mangá de Koyoharu Gotoge encerrou com 23 volumes (que estão em publicação no Brasil) e a autora decidiu fechar a história, não cedendo às pressões do mercado e dos fãs que pediam mais. Ela manteve o seu planejamento, o que eu achei bastante honesto da parte da autora. Diferentemente de Jujutsu Kaizen que ainda se encontra em publicação e ainda deve durar algum tempo.
Jujutsu foi adaptado pelo estúdio Mappa. E aí vale a pena contar essa história porque o Mappa é bem diferente do Ufotable. Se o segundo pega poucos animes em prol da qualidade, o Mappa é um estúdio mediano que pega uma enorme quantidade de animações para poder sustentar a produção e os salários de seus funcionários. O resultado é quase como uma roleta russa. Algumas vezes o Mappa acerta a mão e consegue trazer materiais bem legais e acima da média. Mas, isso não é o comum. Em geral eles entregam produtos medianos que conseguem ter qualidade, mas podem gerar uma série de críticas. Aliás, se vocês se lembram, falamos do Mappa quando comentamos sobre a confusão por trás da última temporada de Ataque dos Titãs. Sim, estava com o estúdio de Jujutsu. Só que quando o estúdio foi animar Jujutsu, houve uma percepção do alto escalão de que a animação poderia render uma boa lucratividade. O Mappa colocou os seus melhores funcionários para trabalhar na animação. O resultado está a olhos vistos. Recentemente o Mappa fechou a primeira temporada e acredito que deve vir mais em 2022.
Ora, não é segredo para ninguém que fãs de animes gostam de um visual de qualidade. Uma boa animação que gere impacto e empolgação. Aliado a uma trilha sonora emocionante e que combine com o que está sendo apresentado é uma receita de sucesso garantida. Não é espantoso que os mangás ganharam um boost de vendas. Isso porque o espectador fica curioso com o material original de onde o anime foi adaptado. É uma associação totalmente lógica. Inclusive para pegar volumes que apresentem materiais inéditos que ainda não foram adaptados. Adaptar bem o material original é uma obviedade. Só que parece que os estúdios perceberam só agora esse detalhe. Essa constatação se deve também pelo fato de que animes com uma quantidade maior de episódios não costumam ter um tratamento diferenciado para sua animação. Animes como One Piece precisam estar nas telinhas toda a semana. Não há hiato de produção. One Piece tem mais de 960 episódios ininterruptos. Vai chegar a 1000 facilmente. Imagine a quantidade de suor e esforço necessário para manter a produção em dia.
Esta estratégia de reforçar a qualidade das animações em prol de um boost de vendas do material original não é privilégio de Demon Slayer. One Piece já havia feito isso. Quando ia iniciar o arco de Wano, o atual arco da animação, boa parte da equipe foi trocada e alguns membros da equipe do estúdio Wit (responsável pela segunda e terceira temporadas de Ataque dos Titãs) foram trazidas para a equipe do anime. Isso provou fazer uma baita diferença. A opening do anime está lindíssima e a qualidade das cenas melhorou visivelmente até em relação ao arco anterior, o de Whole Cake. Dá para perceber uma diferença no design dos personagens, na fluidez das cenas de ação e até nos cortes de câmera. Tudo bem que o mangá de One Piece não precisa disso, afinal vende mais de um milhão de unidades a cada novo volume. Mesmo assim, demonstra a preocupação da Toei em fornecer o melhor produto possível.
Dito isso, vale destacar também que havia uma preocupação de revistas como a Shounen Jump com o fim de algumas séries mais badaladas como Fairy Tale, One Piece (que daqui a alguns anos deve encerrar), Boku no Hero Academia (que entrou no arco final), Promised Neverland. As vendas haviam caído em alguns casos e as empresas se preocupavam em renovar o produto. Acho que a preocupação terminou porque o boost dado por Demon Slayer e Jujutsu Kaizen abriu os olhos para outras produções como Spy x Family e Kaiju 8. Isso foi extremamente positivo e proporcionou uma melhora evidente nas animações. O que podemos esperar nos próximos tempos? Uma preocupação maior com a qualidade do produto entregue. E um disparo maior das vendas nos próximos dois anos pelo menos. Os fãs só tem a agradecer.
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