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Foto do escritorPaulo Vinicius

Resenha: "Sláine - O Deus Guerreiro" de Pat Mills e Simon Bisley

Nesta saga veremos as aventuras de Sláine, um guerreiro celta que busca enfrentar aqueles que ameaçam o seu povo como o Estranho Lorde Slough Feg e os drunes. Com seu machado, ele irá aniquilar os inimigos e trazer de volta as velhas leis da deusa da terra.


Sinopse:


DEUS da GUERRA. POR TEMPO DEMAIS o POVO DE TIR-NAN-OG SOFREU SOB o DOMÍNIO DOS DRUNES; druidas estranhos que envenenaram a terra com sua magia. Sláine está farto de sua tirania e, por meio da Deusa da Terra, descobre algumas verdades chocantes sobre o sacerdócio e seu próprio futuro. Agora, Sláine deve unir os quatro reis de Tir-Nan-Og e usar suas armas místicas enquanto ele e a tribo Sessair se preparam para uma guerra total. Esta edição com uma das histórias mais populares da 2000 ad vem completa com uma introdução e comentários de Pat Mills (A.B.C. Warriors) e apresenta a estonteante arte de Simon Bisley (Lobo).






Parece o Conan, mas não é o Conan. Apresento a vocês um guerreiro celta que mesmo tendo alguns traços do famoso cimério, realiza uma jornada tão diferente e curiosa que pode incomodar os fãs de espada e feitiçaria. Isso porque a cultura celta é diferente do que estamos acostumados. E Pat Mills conseguiu dar ao personagem individualidade diante de tantas cópias do personagem de Robert E. Howard que surgiram ao longo dos anos. Tem crítica religiosa, tem defesa do matriarcado, tem valorização da natureza. São três capítulos de uma saga que vai nos levar a lugares diferentes, indo do OutroMundo até a campos de batalha inundados pela fúria de uma deusa ciumenta. Mas, claro tem cabeças rolando por toda a parte com uma arte absolutamente maravilhosa de Simon Bisley. Então, queria apresentar a vocês essa HQ que passou meio batida por todos e vale o seu tempo.


O anão Ukko irá nos contar a história de Sláine Mac Roth, um guerreiro da tribo dos sessaires, que ficava no norte da Irlanda. Ao lado de Nest, uma sacerdotisa, ele está registrando as memórias de Sláine, desde suas batalhas, até suas buscas pelos artefatos sagrados da deusa Danu passando pelo processo de unir as tribos contra os drunes. Sua jornada terá glórias e fracassos como a sua separação da rainha Niamh que levou seu filho embora; ou a traição da feiticeira Medb que usou de suas artimanhas para impedir a união das tribos. Através de seu caldeirão, ele entra em contato com a deusa Danu que lhe instrui a mudar suas concepções sobre o mundo e restaurar o poder das mulheres, do matriarcado, mesmo que os clérigos atuais se coloquem em seu caminho. E para alcançar esse feito ele terá de derrotar o Estranho Lorde Slough Feg, o antigo deus guerreiro que dará lugar ao novo, encarnado na figura de Sláine. Terá ele sucesso em sua empreitada?


Vou comentar um pouco sobre a edição da Mythos porque ela possui pontos positivos e negativos. Antes de mais nada é preciso destacar que o material veio no formato adequado. Sei que diante da qualidade do pincel de Simon Bisley, ficamos tentados a desejar uma edição grande e que valorize a arte. Mas, como o personagem é relativamente desconhecido no Brasil era preciso trazê-lo em um formato que não ficasse tão caro. Isso mantendo um cuidado adequado. E foi isso o que aconteceu nessa Prime Edition que é uma espécie de meio termo entre as capas cartonadas e as edições Gold, mais luxuosas. Ao final tem alguns extras legais com Pat Mills fazendo diversos comentários sobre as escolhas que ele e Bisley fizeram na HQ. Vale a pena ler para descobrir as influências, as mudanças e como eles chegaram nesse produto final. Mas, preciso comentar sobre alguns problemas de impressão. Como a arte de Bisley é pintada, existe a possibilidade de, ao imprimir, a arte sair desbotada ou lavada, como se dizem. E isso acontece em diversos momentos, principalmente no primeiro e no segundo capítulo. Seja com o letreiramento embaçado ou com a arte escurecida demais. Pode ter sido um problema do meu lote específico, mas alguns trechos ficaram bem difíceis de entender o que estava acontecendo na cena e o problema não era na arte. Era simplesmente porque estava escuro ou manchado demais.


Antes de passar para o roteiro, preciso comentar sobre a arte do Simon Bisley. Que coisa inacreditável. O domínio que ele tem do pincel faz com que a HQ cresça em qualidade. Fornece a ela aquele adjetivo épico que realmente parece ter vindo de uma saga. Alguns quadros são verdadeiras obras de arte e podem ser emoldurados numa boa. As cenas representam uma explosão de cores, com várias coisas acontecendo ao mesmo tempo. E Bisley passa por uma enormidade de ambientes, desde os cenários oníricos do mundo de Danu, passando pelos prados em que os sessaires viviam, aos campos de batalha. As batalhas são intensas e o pincel na tela revela esse sentimento através de uma confusão de corpos se confrontando uns com os outros. Sangue e vísceras jorram pelas páginas da HQ. Bisley bebe da influência de espada e feitiçaria, mas produzindo algo que tem personalidade própria e é capaz de encantar o leitor. O que me deixa impressionado é que o roteiro de Mills não facilita nem um pouco a vida do artista, propondo coisas como um homem de palha gigante, uma lança com rosto feminino sedenta de sangue e naus voadoras que sobrevoam um campo de batalha. No final, Bisley entrega isso e muito mais. Inclusive fica a brincadeira feita por ele durante a coroação de Sláine: tem um bárbaro igual ao Conan do lado direito de Sláine.


Outro ponto da arte de Bisley é sua representação de corpos. É aquele tipo de arte que combina com a proposta de uma história de fantasia. Os personagens tem sua estrutura corporal bem definida e vemos os músculos de Sláine trincando quando ele manuseia seu machado de batalha. As mulheres são voluptuosas quando desejam assim o ser ou apenas esbanjam sua feminilidade e seu domínio sobre os demais. Ao mesmo tempo, Bisley não teme desenhar formas abjetas e grotescas como os demônios do mar de Balor ou o próprio Estranho Lorde. Em uma determinada cena, a feiticeira Medb invoca um ser gosmento chamado Avagddu que é representado por Bisley em toda a sua glória depravada. Se movendo como um muco maldito pelo quarto de suas vítimas enquanto pensa em como irá devorá-las.


O roteiro de Mills segue a ideia de alguém escrevendo uma história sobre um personagem famoso. E Ukko é essa pessoa que faz o registro. O anão maluco faz várias alterações na história, gerando um desconforto da parte de Nest. Ou seja, temos um narrador completamente não confiável e a maneira como isso é feito é bastante divertido. No meio da história, Ukko dá sua opinião sobre o que está contando e não esconde sua vontade de registrar apenas os grandes combates, matanças e os trechos mais festivos da vida do personagem. Mas, Nest quer que as ideias de Sláine também sejam registradas por conta de sua visão diferente sobre a existência das tribos. O quanto ele confrontou o que não dizia respeito à vontade da deusa. Mas, ao mesmo tempo, Ukko fornece momentos extremamente divertidos em situações que um personagem como o Conan não viveria. O papel de Ukko na história nos faz lembrar o quanto sabemos pouco se as histórias antigas são totalmente verídicas ou não. Isso porque elas dependiam da índole daquele que a estava registrando. Qual o enfoque dado por aquele que registrava uma vida? Era nas ideias ou nos grandes feitos?


Por momentos, a narrativa da HQ pode ser um pouco difícil de ser compreendida. Mills não quis facilitar a vida do leitor e se focou no que ele pretendia trazer acerca da cultura celta. E ela própria não é simples de ser compreendida. São nomes, epítetos, costumes estranhos. Compreendo essa dificuldade e tenho que apontá-la mesmo. Mas, uma vez que você se acostuma com o estilo de narrativa, a história flui bem. Precisa deixar um pouco de lado essas dificuldades e se focar mais na história em si. Mills tem uma fórmula bem simples de ser compreendida, mas realmente as diferenças culturais intimidam. Particularmente gostei do encaminhamento da história e ela tem esse ar de saga lendária. O roteiro segue aquele modelo de ir em busca de diversos artefatos e o personagem precisando enfrentar obstáculos para realizar seu objetivo. O que vai mudar o rumo da história são as suas decisões, que vão mexer na forma de governo das tribos e em uni-las por um ideal comum.


A ideia do matriarcado é cara à cultura celta. Muito por conta desse contato com a natureza, a deusa Danu defende uma sociedade voltada para a comunhão de ideias. Tem um momento em que Danu e Sláine estão conversando e ela expõe a contradição entre um herói irracional e violento e outro que não leva a vida a sério e favorece o riso e a alegria. Enquanto a religião mais masculina valoriza o outro mundo e deter o fim do sofrimento, Sláine carrega a noção do aqui e do agora. Do desfrutar os dias enquanto eles acontecem. De entender nossa presença efêmera neste mundo. A mulher tem um papel importante nas tribos da HQ. O casamento é um contrato que vale por um ano e pode ser renovado de acordo com a vontade da mulher. Niamh se apresenta como uma mulher decidida e que chega até a participar dos combates no lugar de seu marido. Ou seja, vemos uma sociedade marcada por aspectos femininos que transbordam pela maneira como todos conduzem a política. Ao invés de um reino centralizado, províncias unidas por laços de lealdade e com terras distribuídas a todos. Se uma sociedade masculina representa o eu, a guerra e a vaidade, a feminina representa a união, a comunhão e a alegria. Elementos ressaltados pela cultura celta.


Sláine é uma HQ de capa e espada bastante diferente. O personagem só se parece com o Conan. Com sua habilidade narrativa, Mills deu personalidade a ele, ao torná-lo detentor de ideias e conceitos que remontam a outra era e outra cultura. A narrativa faz um mix do mítico com o estranho ao nos colocar diante da fúria de deuses e criaturas semi-divinas. Deuses esses que podem mudar de tendência e de vontade durante a história. Danu tanto pode ser a deusa que auxilia Sláine como aquela que será a primeira a destruí-lo. A arte de Simon Bisley está sensacional, toda orientada no pincel e na aquarela. E o mais legal é que podemos ver a evolução do artista que na terceira parte já adota uma outra forma de pintar. Sláine merece a sua atenção por uma série de razões que apresentamos aqui. Mas, mais do que isso: se trata de uma boa história.












Ficha Técnica:


Nome: Sláine - O Deus Guerreiro

Autor: Pat Mills

Artista: Simon Bisley

Editora: Mythos

Tradutores: Antônio Tadeu e Hélcio de Carvalho

Número de Páginas: 212

Ano de Publicação: 2018


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