Um grupo de samurais fieis a um daimyo se tornam ronins após uma acusação de agressão ter sido feita contra aquele a quem eles eram fieis. Uma clássica lenda japonesa que mostra os limites da lealdade dos samurais.
Sinopse:
Após ser humilhado por Kozuke no Suke, Takumi no Kami decide matá-lo. No entanto, falha em seu intento e, como consequência, é obrigado a cometer o haraquiri. Com a morte de seu senhor, 47 fiéis servidores se tornam rônins e juram vingança – mesmo que custe suas próprias vidas.
Aviso de gatilho: a história contém suicídio e violência física.
A história dos 47 Ronins é uma das lendas japonesas mais conhecidas e reverenciadas no mundo inteiro. Conta um pouco do significado da lealdade e do código do bushido. O mais interessante acerca da lenda é que ela caminha nas névoas que separam a realidade da ficção. Ficam naquela do "ouvi dizer" e foi transmitida por gerações e gerações. Os valores passados em sua narrativa são esses mesmos e refletem muito da cultura japonesa. Se foi ou não foi realidade, fica a cargo do leitor decidir. Fato é que essa narrativa inspirou várias histórias que se seguiram a ela. E existe também um componente de circunstância em sua concepção. Ela ocorre durante a era Meiji no Japão, quando ele abre suas portas para o Ocidente após séculos em um isolamento ferrenho. Isso trouxe prós e contras para o país do sol nascente que vê os samurais perdendo o seu prestígio e espaço para uma elite que se calcava nos hábitos ocidentais considerados mais modernos do que o que vinha antes. Mas, logo se percebeu que o Japão estava indo por um caminho errado, ampliando a desigualdade social, estabelecendo uma conjuntura de opressão e miséria. A história dos 47 Ronins veio em um momento em que parte da população clamava por um retorno às tradições milenares. Ao mesmo tempo os estrangeiros tinham contato com uma narrativa que ilustrava um modo de pensar que não era o seu.
A história trata de um emissário do xógum chamado Kira Kosuke no Suke que foi enviado a Yedo, os daimyos Takumi no Kami e Kamei Sama foram encarregados de recebê-lo. Só que Kosuke no Suke era um homem nojento e avarento, e havia considerado os presentes enviados pelos dois daimyos como ridículos. Sendo humilhados diariamente pelo emissário do xógum, ambos acabam tomando a mesma decisão de enfrentá-lo, mesmo sabendo que poderiam ser punidos com seppuku (o suicídio ritual pedido pelo xógum). Porém, o conselheiro de Kamei Sama era um homem habilidoso, acostumado a lidar com homens como Kosuke no Suke e levou presentes generosos, escondido de seu daimyo. Isso aplacou a ira do emissário em relação a Kamei Sama, só que criou uma diferença entre ele e Takumi no Kami. Este passou a ser alvo ainda mais das constantes humilhações dele, e tendo ido realizar justiça com as próprias mãos, acabou preso e condenado ao seppuku. Suas terras foram confiscadas pelo ambicioso emissário e seus samurais foram considerados ronins. Aí começa a vingança destes samurais em nome de seu falecido daimyo. Uma missão suicida onde a única coisa certa é que estes ronins irão morrer ao final.
O autor da curta narrativa, o barão Algernon atuou como alguém que ia de região em região no Japão coletando relatos populares e orais e compilando em seus escritos. Muitos destes escritos fazem partes de uma coletânea chamada Tales of Old Japan e se encontram nessa névoa que embaça ficção e realidade. O nobre barão não era um escritor propriamente dito, atuando mais como um compilador, como os irmãos Grimm na Europa. Então a narrativa vai parecer truncada e esquisita, mas acreditem, a tradução da Camila Fernandes está excelente e ajuda e muito a entender a trama. Tem ótimas notas a respeito de termos ou situações que podem não ser claras ao leitor comum. A versão desse conto que eu li uma vez era trágica, atestando a qualidade do material trazido para nós pela editora Wish. Posto isso, o fato de ser uma narrativa curta e bem direta, também ajuda a esconder um pouco da falta de habilidade narrativa do barão. Mesmo assim, ele consegue nos passar bem os valores da cultura oriental presentes dentro do conto. Ou seja, objetivo alcançado.
A narrativa lida bastante com as questões da honra e da lealdade. Nós, como pessoas pertencentes a uma outra formação, vamos observar as atitudes de Takumi no Kami e nos horrorizarmos com a atitude dele tão direta em relação ao emissário. Certamente passou na cabeça dos leitores se todo o conflito não poderia ter sido evitado se Takumi simplesmente não deixasse para lá os insultos de um homem tão mesquinho. Acreditem: não. Na cultura japonesa um tratamento a outra pessoa da estatura de Takumi no Kami como a feita por Kosuke no Suke é inadmissível. Um ato de humilhação pública que coloca em xeque toda a estrutura hierárquica da sociedade japonesa. Se algum dos dois daimyos tivessem aceito aquela situação toda era uma desonra monumental, algo que ficaria marcado para sempre em suas vidas. Em uma sociedade onde a honra é a base de todas as relações, humilhações como essas não são toleradas.
Mais ainda: os samurais são fieis até o último instante ao seu daimyo. A vida e a morte deles é controlada por estes chefes político-militares. Então não é estranho que um samurai tenha tomado uma atitude suicida como aquela. É simplesmente parte do comportamento natural de alguém que tem como base a lealdade absoluta. Aliás, esse comportamento está na própria essência do bushido. Um samurai que não respeita a vontade de seu daimyo ou que não o vinga após uma morte desonrosa, é também um covarde. Os 47 Ronins é uma história imbricada de cultura, de tradição e daquilo que existe de mais valioso no Japão. É aquele tipo de história que devemos ler várias vezes em nossas vidas para nos lembrarmos do que significa realmente ser honrado e leal.
Ficha Técnica:
Nome: Os 47 Ronins
Autor: Barão Algernon Bertram Freeman-Mitford
Editora: Wish (Sociedade das Relíquias Literárias)
Tradutora: Camila Fernandes
Número de Páginas: 101
Ano de Publicação: 2020
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