Em uma sociedade de escravos, deuses antigos e tradições ancestrais, um casal tentará mudar a essência da cidade de Atlântida. Com a ajuda de uma deusa que preza a liberdade, Tiakat e Sistu buscarão moderniza um povo que prefere aquilo que já conhece, mas que anseia por algo novo.
Sinopse:
Em Crônicas de Atlântida – O tabuleiro dos deuses, romance de estreia de Antonio Luiz M. C. Costa, editor e colunista na revista Carta Capital, os deuses começaram mais uma partida de um jogo milenar secreto no qual o mundo fantástico de Kishar é o tabuleiro e os heróis humanos seus peões. Mas até eles serão surpreendidos com o desenrolar dos acontecimentos, pois novos jogadores se intrometem para mudar as regras e virar a mesa, enquanto as peças se rebelam e querem decidir seus próprios destino s. Baseada em diversas fontes, como os escritos de Platão e referências esotéricas, a reconstrução da lendária Atlântida é de um detalhamento impressionante, e a viagem do leitor enquanto acompanha as descobertas da sensual xamã Tiakat, do idealista guerreiro Sistu e da exótica e talentosa Tjurmyen será inesquecível. Para esse triângulo amoroso, a fantástica capital e seus segredos será uma rede que os envolverá nas mais altas intrigas em um mundo no qual a magia, a religião e a ciência andam de mãos dadas. A capital de Atlântida será o palco de um conflito em que uma era será decidida, mas que pode significar o fim de um legado de desenvolvimento nunca atingido entre todas as raças humanoides.
World Building. Criação de Mundo. Essa é uma expressão que acabou se tornando muito usada por especialistas, autores e até leitores. Ela designa a criação de um universo literário responsável por dar o pano de fundo a um enredo. Esse universo literário pode ser real ou fantasioso. Mas o que é world building? É simplesmente criar um mundo e colocar os personagens ali dentro ou existem um número maior de nuances que não são visíveis à primeira vista.
Esta é a história de Tiakat e Sistu. Ambos viviam em uma pequena vila longe da grande cidade de Atlântida. Em seu pequeno lugar do mundo, os dois se preparavam para a vida adulta e cheia de responsabilidades. Tiakat se preparava para assumir o lugar de Kopinani como xamã local enquanto Sistu estava noivo de Artás e iniciava os preparativos do casamento. Em breve ele iniciaria uma vida militar que Sistu não estava tão ansioso por seguir. Já Tiakat se ressentia do fato de estar apenas naquele lugar quando gostaria de explorar o mundo e conhecer coisas novas. Tiakat e Sistu já haviam se relacionado brevemente uma vez, mas a vida seguiu adiante não dando espaço para os dois. Mas, será na aceitação de que um completa o outro e que ambos precisam seguir os seus sonhos é que a história iniciará. Em uma atitude impulsiva, os dois decidem fugir de sua vila e seguir mundo afora em busca de novas experiências. Mal sabem eles que serão responsáveis por mudanças profundas na grande capital de Atlântida.
Retomando o pensamento do primeiro parágrafo, o autor utiliza excepcionalmente bem o recurso da criação de mundo. Não basta apenas criar lugares interessantes com situações políticas diversas. É preciso fornecer minúcias sobre a população que habita o mundo que nem sempre os autores se dão conta. Antônio Luiz aborda diversos temas extremamente interessantes que tornam a sociedade de Crônicas de Atlântida muito interessante: a sociedade é escravocrata apesar de alguns desejarem realizar um movimento abolicionista; os mitos são muito presentes no cotidiano das pessoas passando pelo nascimento até o enterro; a magia é lidada com naturalidade apesar de alguns tipos de magia serem mais mal vistas do que outras; as festividades recebem uma atenção especial já que elas se integram à religião. Outros elementos narrativos são empregados que mostram como o autor pensou diversos pequenos detalhes que dão individualidade à obra. Até mesmo as formas de se referir ao próximo são importantes: todos os nomes possuem um sufixo que pode ser algo reverencial ou íntimo. Ou seja, o mundo é riquíssimo e mesmo após uma leitura bem calma e tranquila de minha parte garanto que não devo ter conseguido captar todos os detalhes.
Ao mesmo tempo em que representa um ponto forte da escrita do autor, ela é também a sua vulnerabilidade. O Tabuleiro dos Deuses possui uma narrativa lenta e difícil, que nem sempre recompensa o seu leitor. Ficamos presos em minúcias que não são tão importantes assim para a história proposta. O andamento da narrativa muitas vezes é interrompido para descrever um hábito ou um costume senzar, cari ou tlavatli. Não chega a ser um excesso de descrições, mas às vezes parece até algo dissertativo. O autor parece querer apresentar aspectos sociais por demais. Para quem não conhece o autor, ele é um colunista da Carta Capital, formado em engenharia e filosofia. Militante político já há várias décadas, aqui somos capazes de ver um trabalho que exigiu esforço e pesquisa de sua parte. Cada linha apresentada tem muita maturidade no seu conteúdo. Por isso, eu, como historiador, apreciei demais a leitura e queria eu que todo autor tivesse essa maturidade ao apresentar aquilo que circunda os personagens. Entretanto, o meu lado leitor não curtiu a leitura tanto assim. Senti que o autor quis apresentar demais aquilo que ele poderia ter diluído mais em outros volumes da trilogia ou até em contos. Só neste primeiro volume eu conseguiria enxergar temas e assuntos para muitos livros. E isso não se reflete em um direcionamento objetivo para a história.
Entretanto, a construção dos personagens é perfeita. Tanto Tiakat, quanto Sistu e depois Tjurmyen são muito bem apresentados. Conseguimos compreender que estas são pessoas de carne e osso que, apesar de suas falhas, tentam se tornar pessoas melhores. Todos eles possuem algum trauma ou situação que passaram que os fizeram que são hoje e até determinam suas escolhas. É possível enxergar também que essas pessoas precisam umas das outras. Gostei também de ver que o autor não fugiu de assuntos polêmicos já que a protagonista é bissexual assumida e trata o tema com extrema naturalidade. Aliás, sua bissexualidade compõe o charme de sua personalidade. O tema não é tratado de maneira forçada de forma a chocar o leitor e apresentar a importância do homossexualismo na literatura (ou até de cumprir uma "cota" de homossexuais). Nada disso... a personagem faz suas escolhas com absoluta naturalidade e ela até chega a explicar os motivos de sua rebeldia.
Os personagens secundários também são interessantes mesmo em seus papéis de coadjuvantes. Awesa, Razzan e até Kasmin estão ali não para ilustrar o quadro, mas para fornecer algum elemento de sua personalidade à trama. Só achei que no final o autor deu uma corrida e acabou por prejudicar um pouco a participação destes personagens. Mesmo assim, o núcleo em Atlântida é muito bem apresentado e cada um dos personagens tem suas próprias situações a serem resolvidas. Awesa e seus estranhos desaparecimentos, Razzan e sua luta contra a escravidão dos soans e Kasmin sendo o professor e chefe de departamento do instituto onde SIstu quis estudar e pesquisar.
O enredo é interessante, mas sinto que o autor se perdeu em alguns momento. Por exemplo, aquela parte depois da queda da "nave" agarti eu sinceramente não entendi. Para mim o momento contra o domínio de Raan seria o clímax e levaria até o desfecho. Mas, houve aquele outro momento na ilha próxima ao vulcão. Eu não tenho como descrever aquele momento. Simplesmente pareceu fora de foco já que o autor não deu pistas que aquilo iria acontecer ao longo da história. Plot Twist? Sim... Necessário? Não... Útil? Menos ainda. Tive que mencionar esse momento porque foi muito estranho para mim. Acho que essa parte poderia ser inserida em um conto com um enredo levando a esse acontecimento ou esticado em um segundo livro. Da forma como se deu, não encaixou bem.
O Tabuleiro dos Deuses é um livro muito competente com uma ambientação riquíssima. Infelizmente essa ambientação trabalha contra o livro em alguns momentos, provocando uma leitura lenta e pesada. Os personagens são bem construídos e o autor chegou até mesmo a dar uma importância maior aos personagens secundários. Alguns temas são tratados de forma harmoniosa dentro da trama sem exageros. Recomendo a leitura principalmente para aqueles que gostam de um world building competente e que se preocupa com minúcias.
Ficha Técnica:
Nome: O Tabuleiro dos Deuses
Autor: Antônio Luiz M.C. Costa
Serie: Crônicas de Atlântida vol. 1
Editora: Draco
Gênero: Fantasia
Número de Páginas: 472
Ano de Publicação: 2011
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