A família Mouta sempre usou os serviços dos Tainha para se livrar de seus inimigos políticos na distante cidade de Jaguatinga. Homens duros, ensinados desde pequenos a matar, seja um irmão, um pai, uma mulher ou uma criança, os Tainha são pistoleiros muito bons. Mas, o que acontece quando você pisa no calo de um Tainha mesmo sendo um Mouta?
Sinopse:
É preciso matar para poder morrer Em décadas passadas, o Ceará viveu o auge da era da pistolagem. Políticos guerreavam muito além do campo das palavras, utilizando assassinos para silenciar adversários. Esses controversos matadores ganharam fama no período e eram temidos principalmente nas pequenas cidades. Já nos dias atuais, quando essa época parecia ter sido deixada para trás, um assistente social se envolve no último serviço de um pistoleiro aposentado. Mata-mata, agora em sua versão estendida e definitiva, é uma noveleta de Zé Wellington, escritor e roteirista de histórias em quadrinhos (Cangaço Overdrive, Steampunk Ladies e Quem Matou João Ninguém?). Este livro, publicado pela Editora Draco, é uma experiência transmídia e conta ainda com ilustrações e HQ de Rafael Dantas, trilha sonora de Rafael Cavalcante e áudio drama produzido pela 20 a 20 Produtora e pelo Iradex. Em uma história de dramas familiares, amores esquecidos e o passado que chega para um acerto de contas, acompanhe a saga de matadores e o derradeiro desafio de Ademir Tainha para encerrar o mata-mata de uma vez por todas.
Este é mais um trabalho do Zé Wellington, um autor que conheci através de seus roteiros de quadrinhos e que tem buscado publicar no formato de prosa. Mata-Mata é um material que saiu juntamente com a coletânea Assombros. O autor traz sua experiência nos quadrinhos para um romance que é bem diferente do que estamos acostumados a ler. Uma produção que mesmo tendo um direcionamento simples, possui uma proposta bem legal, nos transportando para diferentes tipos de meio e forma de contar uma história. O resultado é uma HQ instigante que nos leva até o sertão do Ceará onde uma família de assassinos vai realizar um verdadeiro mata-mata quando a recompensa premia o único da família que restar. Por trás de tudo está uma família que se mantém por décadas no poder e deseja apenas se livrar de uma família que, apesar de antes terem sido as ferramentas pelas quais eles se mantiveram no poder, terem se tornado uma pedra no sapato.
Mesmo com Mata-Mata sendo um romance bem curtinho e que o leitor consegue matar em uma ou duas sentadas, parabenizo o Zé Wellington pela ousadia na forma como ele conta a história. E a gente pode analisar a narrativa a partir de vários ângulos, seja a partir do projeto editorial, da forma de escrita, do desenvolvimento da narrativa e do resultado final. Nem quero entrar tanto no mérito de falar da história com tantos detalhes porque posso estragar a experiência. Então vou inverter as coisas e começar falando sobre personagens e narrativa primeiro e depois sobre o processo de escrita. A narrativa em si é bem direta: somos guiados inicialmente pela história do clã Tainha, que, não tendo estudos, se tornam especialistas em assassinato. Almir, o patriarca da família, treina os seus vários filhos na arte da matança, ensinando-os a se esconder e a pegar seus inimigos desprevenidos. Logo no começo vemos como os destinos dos Mouta e dos Tainha são interligados com Almir e Antônio estabelecendo sua relação, entendida quase de uma forma hierárquica, no primeiro capítulo. A narrativa pode ser entendida a partir de duas metades: a primeira mostrando o que gerou o primeiro mata-mata e a segunda parte que nos coloca no futuro e traz os remanescentes dos Tainha em um acerto de contas.
É aí que entramos na seara dos personagens com Ademir e Valdemir sendo os protagonistas. O filho mais velho e o caçula. Zé Wellington rapidamente traça uma diferenciação básica entre os dois personagens mostrando um buscando sair daquela vida e encontrar outras possibilidades e o segundo sendo o protótipo daquilo que o pai gostaria que ele fosse. Ambos são pessoas simples, de uma mentalidade objetiva já que a eles não foi ensinado nada que saísse desses meios. É matar ou morrer... não existe meio-termo. Os Mouta aparecem como os manipuladores no fundo da narrativa. Trata-se de uma família que possui recursos ilimitados e que colocou as forças policiais da região no bolso. Eles se valem de poder e influência para se perpetuarem no poder. É óbvio que desde o princípio eles não são páreo para os Tainha, mas as circunstâncias fazem com que os protagonistas se voltem um contra o outro. E é interessante perceber o quanto a criação de Almir tem muito a ver com isso. Na segunda metade da história temos um novo elemento sendo introduzido na história já que a situação termina em um impasse ao final da primeira parte. Esse novo elemento vai ser a faísca que vai causar a retomada do conflito proposto pelo autor.
Posto isso vamos falar sobre o que realmente me chamou a atenção: a escrita. Para mim, o Zé Wellington arrasou nesse sentido, mesclando formas distintas de apresentar o texto: em prosa, em versos, em quadrinhos. Posso até me arriscar a incluir o sonoro porque em uma página da revista há um QR Code para uma playlist. Haveria muito como errar a mão ao inserir formas de escrita tão diferentes. Como fazer isso trabalhar a favor do texto? Ele consegue ao incluir esses formatos em momentos-chave da história. O formato prosa é o predominante e serve para nos contar a narrativa em si. Temos a forma tradicional de contar uma história com início, meio e fim bastante delineados para o leitor. É possível até apontar os momentos quando a narrativa sai de um ato e entra no outro. O texto em verso, eu posso estar enganado, mas é no formato de um repente. Isso porque existe um ritmo nos versos e há o empego de rimas alternadas. Não sou um bom cantor então não tive a oportunidade de testar essa teoria. Os versos servem para apresentar a lenda dos Tainha como uma espécie de história local, marcada até por certos exageros e acréscimos. A gente poderia até imaginar a história do mata-mata como um cordel. O trecho em quadrinhos serve para nos apresentar uma cena específica em que o texto clama por ação. As ilustrações do Rafael Dantas fornecem esse ar quase cinematográfico a esse momento específico em que as imagens acabaram tendo um efeito melhor do que se o trecho fosse em prosa.
Só que também posso classificar o texto em prosa a partir de duas visões: na primeira metade o texto é quase biográfico com capítulos curtos, focando na trajetória dos personagens. O que os levou até um certo momento quando os Mouta mudam a narrativa. São trechos onde a descrição predomina mais do que a narração, e os diálogos são bem espaçados. Na segunda metade, temos apenas três capítulos, sendo o terceiro contínuo levando até o final da história. Por se tratar de ser o momento climático onde o autor queria chegar, o texto narrativo predomina com intensidade, deixando a descrição apenas para quando os protagonistas estiverem em cenas onde apenas eles estivessem em cena. O capítulo contínuo se justifica por ser o acerto de contas, onde as pontas soltas precisam ser amarradas. É interessante porque há até um núcleo de personagens maior e mais variado do que no da primeira metade. Temos personagens que nada tem a ver com os Mouta e os Tainha, mas que interferem de certa forma no resultado final.
A história não me empolgou tanto e até achei que os personagens poderiam ter sido melhor explorados, mas isso exigiria mais tempo de produção e ampliar o escopo do resultado final. Entendo Mata-Mata como um experimento bem sucedido e que se o Zé Wellington quiser levar para futuros projetos poderá resultar em materiais bem surpreendentes. Para isso, penso que seria legal para ele trazer um pouco do que o Stephen King traz em seus livros, explorando personagens comuns com problemas comuns. O objetivo da narrativa nem precisa ser nada mirabolante, mas com um bom foco nos personagens, usando esse método empregado aqui, pode nos presentear com um livro que vai atrair a atenção de muita gente. Mas, não deixem de ler Mata-Mata porque é uma daquelas histórias gostosas de curtir em uma tarde ou um feriadão, com um bom enredo de ação.
Ficha Técnica:
Nome: Mata-Mata
Autor: Zé Wellington
Ilustrador: Rafael Dantas
Editora: Draco
Gênero: Ação
Número de Páginas: 96
Ano de Publicação: 2022
Link de compra:
*Material recebido em parceria com o autor
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