Um jovem cai na água e se descobre capaz de respirar embaixo da água. Em seu mundo, pessoas com essas características precisam seguir rumo a uma outra vida na água. Mas, o protagonista não quer ter sua capacidade de escolha tolhida por algo em que ele não acredita.
Esse é um conto dificílimo de se comentar. Vou tentar falar a respeito dele, mas tenho certeza que não vou conseguir avaliar apropriadamente ou sequer ser justo com o que ele apresenta. Preciso dizer logo de cara que apesar de eu ter tirado uma coruja no final das contas, isso não significa que algo no conto seja ruim ou nada do tipo. É mais porque eu acho que o conto é pouco amigável com quem está o lendo. Dito isso, a escrita da Natasha é linda. Tão linda como uma flor em um campo primaveresco à brisa da tarde. As frases parecem sempre estar no lugar certo, os encadeamentos de períodos simplesmente são excelentes. Fazem sentido. Mesmo se tratando de um conto onde o estilo descritivo predomina, não é cansativo nem nada do gênero.
Somos colocados diante de um protagonista que cedo descobre ser capaz de respirar embaixo da água. Segundo as tradições, ele deve abandonar a vida em cima da terra e iniciar uma nova vida no ambiente aquático. Mas, nosso protagonista não aceita isso, o que o coloca em uma situação de ostracismo pela sua sociedade. Ao rejeitar uma tradição, ele se coloca como alvo. E isso vai continuar dia após dia, com a vida se tornando insuportável para ele. Então ele decide fugir e tentar a vida em outro lugar... mas, isso não é apenas fugir da realidade? E as pessoas que ele deixou para trás, como ficam?
Recomendo lerem o posfácio onde a autora expõe suas ideias e conceitos iniciais para a história. Ela queria escrever algo sobre personagens trans, mas outra história surgiu então. Sua solução foi manter a essência da narrativa enquanto apenas mudava o ambiente no qual ela se passava. Ou seja, o fato de a história tratar de alguém que deseja ter o poder de escolha para o que ele quer para si ao mesmo tempo em que recebe sentimentos negativos daqueles que o rodeiam nada mais é do que uma metáfora para alguém que sofre preconceito de gênero. Pessoas que não se conformam com o que lhes é imposto e desejam seguir os caminhos do coração. Uma trajetória repleta de obstáculos e espinhos que vão provocar questionamentos, dúvidas e escolhas ruins. Mas, que àquele capaz de resistir e encontrar a sabedoria interna, se transforma em um ser iluminado.
A escrita da Natasha é totalmente figurativa e metafórica. Se você ler tentando entender as coisas ao pé da letra, a história vai parecer caótica e confusa. Por isso se torna necessário compreender os simbolismos: o ser capaz de entrar na água em oposição à vida na terra, o fato de o personagem ter abandonado sua vila, a reação daqueles que vivem ao seu redor, quem é a menina que o observa do lago. Entender cada simbolismo e buscar seu significado (partindo do não óbvio) pode ser uma tarefa mais complexa do que parece. Mas, infinitamente mais recompensadora. Achei o conto do tamanho certo e nem mesmo o fato de ser uma narrativa mais descritiva me incomodou. Só achei que é um daqueles contos que não vai agradar a todos, devido ao seu alto grau de dificuldade. Para quem busca uma leitura diferente e desafiadora, esta pode ser a sua pedida.
Ficha Técnica:
Nome: Marcas D'água em Chão de Madeira
Autora: Natasha Avital
Editora: Revista Trasgo
Número de Páginas: 23
Ano de Publicação: 2019
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