Um livro que trata do pior da humanidade em um mundo distópico onde a busca pela água é um trabalho de todos os dias. Venham conhecer este futuro assustador, mas muito próximo na nossa resenha de hoje.
Sinopse:
Num futuro árido e tumultuado, em que a água ganhou o status de commodity mais valiosa, o direito de uso das fontes e dos rios é alvo de disputas ferrenhas. Uma guerra entre governos, órgãos públicos e empresários, na qual vale tudo. Enquanto advogados e burocratas armam-se com infinitos processos judiciais, mercenários e militares subjugam proprietários de terra, implodem estações de tratamento e interrompem o abastecimento de regiões inteiras.Nesse cenário surge Angel, um faca de água, um dos muitos mercenários com a missão de cortar e desviar o fornecimento de água a mando de quem paga mais. Lucy é uma jornalista premiada que decidiu revelar para o mundo a realidade da Grande Seca. Maria é uma jovem cuja vida foi destruída pelos efeitos das mudanças climáticas. Quando o direito de usar a água significa dinheiro para alguns e sobrevivência para outros, o que esses três personagens não sabem é que seu encontro é um marco que poderá mudar tudo. Um novo fiel da balança que sempre pendeu para o mesmo lado.Futurista, mas nada improvável, Faca de água é um thriller que perpassa por questões econômicas, ambientais e éticas numa narrativa que extrapola o gênero, daquelas que se lê de uma tacada só e depois leva-se um longo tempo assimilando.
A humanidade cresce a cada dia e uma parcela desta abusa dos recursos naturais limitados. Ignorar o fato não vai resolver o problema ou diminuir a importância sobre o futuro escasso de itens essenciais à vida. Quando a crise por recursos naturais acontecer, ela, primeiro, despertará o pior lado da humanidade. A disputa em obter o pouco da natureza transformará o recurso básico em luxo. Pessoas pisotearão, quebrarão estados inteiros com a prerrogativa de lutar pela vida, para evitar de ficar ao lado dos perdedores, esses sujeitos à morte ou destino pior. Faca de Água é uma distopia sobre a sociedade em tempos de crise hídrica. Publicado por Paolo Bacigalupi em 2015 e trazido pela editora Intrínseca em 2016, conta a história de três protagonistas envolvidos na disputa entre grandes empresas pelo direito de conseguir o maior reservatório de água disponível da região.
“As pessoas só vivem realmente quando estão prestes a morrer.”
A história se passa nos estados americanos de Califórnia, Nevada e Arizona, esses dominados pelo deserto e cidadãos empobrecidos. A água potável é um artigo de luxo. Mesmo com os dispositivos capazes de filtrar líquidos impróprios ao consumo, outros usos básicos ficam restritos com a escassez. Grandes corporações detém o poder e dinheiro através do direito de usar os reservatórios disponíveis. Os funcionários abusam da água disponível a eles. Esse abuso coloca a segurança de todos em xeque, pois eles não entendem os interesses das populações que estão com falta de água.
Angel Velasquez é um agente faca de água da Cypress. Ele faz o necessário para atender a demanda da proprietária Catherine Case, como cortar a concorrência e investigar assuntos como direitos a uso de reservatório; através dele vemos o trabalho do faca de água, bem como a disputa entre empresas. Lucy Monroe é uma jornalista presa na cidade de Phoenix pelo próprio idealismo, tem um trabalho reconhecido por causa das duras críticas às corporações. A morte de um amigo a levará ao grande furo jornalístico, um objetivo de segundo plano quando os perigos ameaçam a sua vida; com ela vemos o contraste da realidade deste livro e a esperança de um desfecho feliz. E Maria Villarosa é uma jovem imigrante tentando chegar aonde ainda há água, impedida pelos líderes locais com cobranças de tributos absurdos e consequências viscerais na omissão do pagamento. Testemunhamos a crueldade das pessoas detentoras de um poder ínfimo, mas predominante na realidade daquele lugar.
“Alguém tem que sangrar para que outro possa beber.”
Além da realidade estadunidense, o romance demonstra a condição pobre dos mexicanos — de onde criam pessoas ousadas como Angel — e dos avançados chineses da Arcologia Taiyang. A crítica está em cada página, incansável em mostrar as consequências de uma sociedade desesperada pelos recursos e a ganância indiferente a vidas condenadas pela ambição.
Capítulos alternam entre os três protagonistas, traçando três linhas paralelas até se alinharem depois de o personagem cumprir seu papel no enredo explicado na seção anterior. A partir daí desamarram as trajetórias, se cruzando conforme a progressão da trama sobre a disputa de água e as tentativas de sobrevivência. Elementos triviais contados em capítulos anteriores viram pontos chaves nas revelação mais à frente. Há cenas viscerais entre as reviravoltas, chocantes mesmo a leitores habituados com ficções violentas.
“Ele sempre gostou do deserto por sua falta de ilusões.”
A qualidade do enredo carrega toda a leitura enquanto sustenta o peso comprometido pela escrita em determinados capítulos. Algumas cenas são sustentadas com verbos de pensamento — descrições de como tal pessoa sente, percebe ou sabe — e tiram a oportunidade de envolver o personagem ao que está exposto, digo o mesmo quando o termo “parecer” se repete ao longo do livro. Este vício distancia o leitor em momentos que poderiam sentir na pele de cada personagem a situação mostrada, estragada só por indicar como certa pessoa está. A edição do livro peca também na pontuação, com ponto no meio da frase, letra maiúscula depois de vírgula e travessões ausentes na transição entre fala e ação do personagem — o último caso é mais frequente.
Os protagonistas cumprem a função no enredo, porém ficam limitados a isso. Enquanto eles proporcionam ótimas reviravoltas e mostram o mundo cruel ao leitor, as ambições pessoais são ofuscadas frente à importância do enredo central. Fora os acontecimentos chocantes por si só, é difícil se envolver nas adversidades individuais.
Faca de Água é uma leitura fundamental sobre a crise hídrica. A distopia choca ao demonstrar as consequências na sociedade com empresas disputando por recursos básicos. A narrativa também traz argumentos de como as pessoas sucumbem à ganância e exercem a crueldade sobre quem vive fora das ambições corporativas. A escrita e o distanciamento dos personagens podem prejudicar a experiência de leitura, senão o livro impactaria muito mais.
Ficha Técnica:
Nome: Faca de Água
Autor: Paolo Bacigalupi
Editora: Intrínseca
Gênero: Ficção Científica
Tradutor: Alexandre Raposo
Número de Páginas: 400
Ano de Publicação: 2016
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