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Foto do escritorPaulo Vinicius

O ato de ensinar a ler e a dominação de mentes e corpos

O simples ato de ensinar um indivíduo ou indivíduos a ler e escrever pode estar marcado por diversos instrumentos de poder que nem nos damos conta. Nessa matéria vamos buscar entender como o ensinar a ler foi entendido historicamente.


A alfabetização é um processo que se tornou essencial há poucos séculos com a ascensão da cidadania. Ensinar a ler, mais do que um processo de fazer um indivíduo aprender a decodificar códigos, se tornou uma forma de integração social. Em tempos passados, haviam mediadores que liam os livros ou as doutrinas e os indivíduos apenas realizavam suas tarefas cotidianas sem preocupação. A mudança começa a partir de críticas feitas a como as mensagens eram transmitidas aos camponeses. É quando a massa da população passa a se perguntar se a mensagem dos livros, fossem eles sagrados ou não, estava sendo passada de forma confiável ou se ela era deturpada a fim de atender a determinados interesses. Essa necessidade de compreender as mensagens vão dar um estímulo maior a uma série de inovações tecnológicas e pedagógicas. Nesta matéria vamos buscar entender como o ato de aprender a ler tinha relações de poder envolvidas.


Em seu livro Uma História da Leitura, Alberto Manguel vai ainda mais longe entendendo no próprio ensino dos códigos em si uma manifestação de hegemonia. Na visão dele, quando escolhemos que conjunto de códigos gráficos estamos perpetuando significa que fizemos uma escolha sobre qual caminho seguir. No mundo todo existem diversos tipos de alfabeto: cirílico, muçulmano, hieroglífico, inclusive os alfabetos orientais como o mandarim, o katakana e o hiragana. No entanto a maior parte do mundo ocidental optou pela forma de codificação fenícia que integra os alfabetos de base latina e anglo-saxã. No auge do império marítimo fenício dizia-se que era um alfabeto simples de ser compreendido e tinha poucas variações, facilitando a criação de uma forma de escrita que fosse universal. Só que essa escolha se deu muito mais por escolha de Alexandre, o Grande que via no alfabeto fenício uma forma de auxiliar em seu projeto de unir diferentes partes do mundo sob um império forte. Até porque se fôssemos pensar em um império realmente importante, o alfabeto grego seria o ideal a ser adotado, certo? Não foi o que aconteceu. Quando os romanos empregam o tipo de letra fenícia no latim, essa opção acaba se tornando mais e mais cristalina. O que Alexandre não foi capaz de realizar, os imperadores romanos consolidaram.


Uma série de fatores, alguns propositais e planejados e outros apenas fortuitos, contribuíram para esse domínio da escrita fenícia sobre as demais. Por exemplo, poderíamos estar todos escrevendo em alguma letra kanji hoje caso os chineses conseguissem expandir o seu império além de suas fronteiras. Quando ocorre a unificação dos diversos impérios sob uma égide forte, a única coisa que os detém é a chegada de forças estrangeiras avassaladoras na figura de Genghis Khan. As invasões mongois atrapalham o ímpeto chinês que se fecha em si mesmo para combater os estrangeiros que se estabeleciam em suas terras. Passou-se muito tempo com guerras internas e quando eles conseguem sair livres das invasões, o mundo ocidental já estava mais cristalizado. Outro fatos que auxiliou o alfabeto fenício foi a invenção da imprensa. O idioma já existia há muitos séculos e já estava mais ou menos óbvio que ele seria o "padrão", mas quando repetimos algo, reforçamos o seu domínio. Ao reproduzirmos documentos continuamente, estamos afirmando que aquele processo é o que é aceito. As sociedades apenas aceitaram que isso era assim.


Falamos muito sobre a letra, mas o ato de ensinar a ler cabe a uma figura de mediação, o professor. Os primeiros relatos de professores são mais particulares com tutores atuando em casas de homens com posses. Agostinho de Hipona, um dos primeiros Pais da Igreja, foi um tutor durante sua estadia em Milão. Sua mãe, Mônica, o havia colocado para aprender com um homem importante de sua cidade que lhe deu esta habilidade. Ter aprendido a ler abriu portas para ele quando saiu do norte da África e se estabeleceu em Milão. O tutor era um homem que tinha conhecimentos comuns, sendo que saber o alfabeto e dispor de algum conhecimento matemático eram pré-requisitos importantes. Agostinho revela em seus Confissões o quando ele estava enfadado com alunos que não prestavam atenção e não dispunham de um "espírito religioso" digno às suas posições. As escolas na Antiguidade eram mais locais de reunião de pessoas sábias que discutiam em rodas sobre assuntos diversos. Não havia uma ementa ou uma ordem de ensino qualquer. Será durante a Idade Média que homens como Isidoro de Sevilha, Bento de Núrsia e Tomás de Aquino desenvolverão as bases do trivium e do quadrivium, o percurso que dará origem ao que conhecemos como o circuito pedagógico. Aritmética, teologia e o latim eram a base. Percebam que mais uma vez estamos perpetuando uma forma de escrita.


A forma da sala de aula ganhou suas formas na Alta Idade Média com a ideia da sala extensa com cadeiras diante de um professor que ficava acima do tablado. Não era uma forma comum ainda porque o processo de tutoria prevalecia. Contar com os serviços de um professor era caro e apenas as famílias mais abastadas podiam pagar por um. É curioso pensar que nos primeiros anos de vida, as melhores amas de leite eram aquelas que não apenas cuidavam do bebê e o amamentavam, mas ter uma que sabia as palavras e as letras era sempre considerado como indispensável. Com seis anos é que a criança (lembrando que em tempos antigos a criança era entendida como um pequeno adulto a partir dos seis ou oito anos) passava para um tutor que permanecia com ela enquanto a família pudesse pagar por seus serviços ou até seu casamento. Por muitos séculos esse modelo permaneceu até que durante a Idade Moderna algumas iniciativas influenciaram de alguma forma os rumos a serem tomados.


Basta pensarmos no ensino jesuíta realizado no Novo Mundo. Nesse momento a Igreja católica passava por um momento complicado de sua história com denúncias de corrupção moral em seu seio enquanto Lutero, Calvino e outros ganhavam mais e mais fieis. Com isso, foi realizado o Concílio de Trento onde uma das decisões foi a criação da Companhia de Jesus cujo principal objetivo era a catequização de fieis no Novo Mundo. Embora São Francisco Xavier tenha tido uma atuação de destaque nas Índias com esse mesmo objetivo. Mas, nos interessa aqui comentar sobre as missões jesuítas, uma espécie de aldeia fechada onde os jesuítas reuniam nativos com a ideia de transformá-los em bons cristãos. Oras, se estou perdendo fieis na Europa devido a controvérsias religiosas, criemos novos no Novo Mundo que não terão contato com elas, certo? A ideia parecia boa, o problema era que os nativos falavam idiomas ininteligíveis para os catequizadores como o tupi-guarani, o quichua e tantos outros comuns na América Latina. Foi preciso ensiná-los a ler e escrever como "pessoas civilizadas". Os padres jesuítas usavam o mesmo roteiro medieval do trivium e do quadrivium com foco no aprendizado do português (ou do espanhol no caso da América Hispânica) e dos ensinos teológicos com o estudo da Bíblia. As missões de catequização ajudaram a dizimar com inúmeros povos originais e suas culturas milenares. Curiosamente até hoje as missões de catequização com o objetivo de "ajudar" os povos a conhecerem a verdadeira "civilização" são comuns na Amazônia. Enfim, as salas de aula seguiam o modelo europeu com o quadro negro e o professor acima do tablado, este improvisado nos terrenos mais afastados das cidades.


Vale uma parada rápida para explicarmos algumas dinâmicas de funcionamento das aulas. Manguel descreve o quanto a memorização era essencial para os alunos. Os professores/tutores faziam seus alunos repetirem trechos à exaustão até que estes estivessem incutidos em suas mentes. Processos mnemônicos eram comuns entre os tutores mais famosos com a repetição de técnicas vindas de grandes oradores como Cícero ou Catão. O aluno não interpretava textos, mas estudava comentários feitos por outros escritores sobre os textos que estavam lendo. Esses comentários também deveriam ser gravados e demonstrava o grau de conhecimento dos alunos. Portanto, os bons alunos não eram aqueles que sabiam fazer boas interpretações ou eram capazes de pensar por si só, mas os bons memorizadores. Que podiam repetir sem o auxílio dos livros. A punição pela indisciplina era a vara de marmelo e esta era bem comumente utilizada. Tutores eram professores rígidos que se incomodavam com as menores distrações. Outras punições envolviam se ajoelhar no milho ou em outros pequenos objetos cortantes ou contundentes.


O ensinar a ler sempre foi um projeto de Estado e é possível observarmos isso no caso do Brasil também. Quando a Família Real veio ao Brasil em 1808, o Brasil não tinha nenhuma escola fora as missões jesuíticas. A maior parte da população era analfabeta e isso era proposital. Era uma antiga proibição metropolitana que se exacerbou durante a administração do Marquês de Pombal que expulsou os jesuítas do Brasil e temia uma insurreição parecida com a ocorrida no Haiti que culminou com uma revolta de escravos e levou à independência. Só que se o Brasil teria a Família Real habitando em seu território, não dispor de institutos de ensino era uma situação bastante vexatória. Portanto o que veremos nos anos seguintes será um projeto de urbanização que envolverá também a "modernização de mentes" com a instalação das primeiras escolas no Brasil e da vinda da Missão Francesa que tinha como objetivo incentivar a produção cultural. Ou seja, nada é por acaso. Mais tarde quando houver a proclamação da República em 1889, uma das primeira medidas foi a busca por alguma figura histórica brasileira que servisse como modelo de herói nacional que pudesse ser propagado para as próximas gerações. Terem escolhido Tiradentes foi até um pouco inusitado devido ao seu papel como revoltoso e seu contato com obras iluministas. Acontece que as escolhas eram limitadas e era preciso educar as mentes o mais rápido possível para que o ideal monárquico pudesse ser apagado em duas ou três gerações. Dentro das escolas, era preciso ter uma mentalidade de exaltação ao que estava em vigor.


Se estamos falando de Brasil e de exaltação a uma realidade não podemos deixar de falar da ditadura militar. Durante o seu período que durou quase vinte anos, o ensino nas escolas foi "modernizado". Se estimulava a concentração de esforços na criação de mão-de-obra especializada a trabalhar em setores específicos como a siderurgia, a elétrica. Não era preciso criar um ser pensante, mas uma força de trabalho numerosa para atender às demandas de uma era marcada pela bipolarização entre EUA e URSS. Nas escolas, o ensinar a ler envolvia novamente a memorização. Uma das "inovações" deste ensino tecnicista foi a criação de disciplinas como a OSPB, ou Organização Sócio-Política no Brasil. A OSPB nada mais era do que uma disciplina ordenadora, voltada para discutir os valores pregados pelos militares como honra, ética e moral familiar. O aluno se via precisando decorar datas comemorativas, os hinos (hino a Bandeira, hino nacional) e participava do hasteamento da bandeira todas as segundas-feiras. Como aluno do Ensino Básico, ainda peguei essa época: tive aulas da própria OSPB e quando ela passou a ser criticada após a Constituinte de 1988, ela mudou para Educação Moral e Cívica até que foi extinta de vez durante o governo de Fernando Collor. Quem frequentava essas aulas percebia que se tratava de fato de aulas para educar mentes e corpos Após repetir exaustivamente datas e hinos e "rituais" que não compreendíamos, repetíamos o que nos era dito e fazíamos o que nos era pedido sem questionar. Ambas as disciplinas começavam cedo em nossas formações: a primeira delas tive na terceira série (que equivale ao quarto ano do Ensino Fundamental hoje) e isso se repetiu até a sétima série (o atual oitavo ano). Elas eram dadas de forma concomitante às disciplinas de Língua Portuguesa. Algumas redações que fazíamos envolvia temas de exaltação ao governo.


Quem duvida de que dentro do ato de leitura não existe qualquer tipo de domínio de mentes e corpos precisa reavaliar seus conceitos. Em seus estudos sobre a microfísica do poder, Michel Foucault versa sobre o quanto é importante nesse processo de perpetuação e percepção da autoridade, a normalização do processo de dominação. Educamos novos indivíduos a serem dominados e isto só é eficiente quando o processo é subterrâneo e voluntário. Quando ensinamos alguém a ler, precisamos ser críticos quanto à forma que isto é feito. Alguns processos são quase impossíveis de serem evitados, mas gosto de pensar que na esfera pública onde trabalho ainda tenho minhas maneiras de me rebelar contra a ordem vigente. Que ainda consigo dobrar alguma coisa e transformar meus alunos em seres pensantes e, quem sabe, como diria Paulo Freire, em agentes da transformação.























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Em qui, 13 de out de 2022 13:18, Pedro Serrão escreveu: Opa Paulo Obrigado pela rápida resposta! Eu tenho um Interstitial que penso que é o que está falando (por favor desligue o adblock para conseguir ver): https://demopublish.com/interstitial/ https://demopublish.com/mobilepreview/m_interstitial.html Também temos outros formatos disponíveis em: https://overads.com/#adformats Com qual dos formatos pensaria ser possível avançar? Posso pagar o mesmo que ofereci anteriormente seja qual for o formato No aguardo, Ficções Humanas escreveu no dia quinta, 13/10/2022 à(s) 17:15: Boa tarde, Pedro Gostei bastante da proposta e estava consultando a designer do site para ver a viabilidade do anúncio e como ele se encaixa dentro do público alvo. Para não ficar algo estranho dentro do design, o que você acha de o anúncio ser uma janela pop up logo que o visitante abrir o site? O servidor onde o site fica oferece uma espécie de tela de boas vindas. A gente pode testar para ver se fica bom. 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