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Foto do escritorPaulo Vinicius

A TAG e a literatura de gênero

Depois de ter passado por uma confusão envolvendo dados de livros e resenhas em plataformas como Skoob e GoodReads, a TAG volta a ficar na berlinda com um dos assuntos mais polêmicos desde sua criação: a sua relação com a literatura de gênero.



A TAG Experiências Literárias é um dos projetos relacionados à literatura e divulgação literária mais bem sucedidos dessa última décadas. Para aqueles que não conhecem, trata-se de uma assinatura de caixas surpresa onde todo mês um curador escolhe um livro de destaque que recebe um tratamento luxuoso pela TAG. Junto do livro vem junto uma pequena revista com várias matérias relacionadas ao livro e um ou mais mimos voltados para o assinante que tenham a ver com o tema do mês (podem ser adesivos, chás, marcadores de páginas, chaveiros, caderninhos). O livro enviado pela TAG é uma edição exclusiva, então mesmo que ele seja publicado depois por uma editora, não será no mesmo formato. Atualmente, a TAG se divide em dois projetos distintos: a Curadoria, que possui esse formato que eu já mencionei e a Inéditos, que visa publicar livros recentes e com um projeto mais simplificado e custo mais simples.


Durante alguns anos eu fui assinante da caixinha e adorava receber meus mimos todos os meses (li apenas a metade do que me foi enviado). O projeto sempre me agradou e as escolhas de autores foram melhorando e se tornando mais sofisticadas com o passar do tempo. Fora o fato de que a TAG foi adicionando mais recursos com o passar do tempo. O projeto hoje conta com dezenas de milhares de assinantes e é um projeto que se sustenta pelas próprias pernas hoje. O que permite voos bem ousados da parte deles. Confesso que saí porque a proposta da TAG já não mais me atendia porque eu buscava literatura de gênero, e não muito da literatura tradicional (eu até leio, mas não é nem de longe o meu foco). Por muito tempo eu me afastei desse mundo das caixinhas surpresa até eu assinar a Escotilha no ano passado, mas isso é um assunto para outra matéria.


No papel, o projeto da TAG é fenomenal. E eu mais do que os indico para outras pessoas. Se hoje temos projetos como o Intrínsecos, o Turista Literário, a Caixa do Skoob, o Omelete, a Escotilha e tantas outras é porque a TAG apresentou um público ávido pelo diferente. Mas, a trajetória deles vem marcada por algumas polêmicas. Há algum tempo atrás quando eles iniciaram a campanha da TAG Inéditos, muitos se empolgaram com o valor mais barato e a proposta simples. Nas redes sociais, o marketing da empresa investiu pesado em propagandas, memes, gifs, campanhas e tudo o que você pode pensar. Até que eles apareceram com o seguinte panfleto (curiosamente este panfleto veio na última caixa que eu recebi da TAG):


Parece ser um panfleto normal, mas à medida em que vamos lendo o panfleto, pouco a pouco nos damos conta de alguns preconceitos literários na apresentação. Vamos raciocinar juntos. Eles estimulam uma literatura que faz pensar e desafia o leitor a sair de sua zona de conforto. E não enviam Young Adult, Chick Lit. E são leituras voltadas para leitores avançados e acostumados com diversos gêneros. Daí a gente consegue retirar algumas interpretações como, por exemplo, eles considerarem young adult e chick lit como uma literatura que não faz pensar. Ou na parte em que eles citam livros que enviam só termos Fahrenheit 451 como uma ficção científica, e, se forçarmos um pouco, Cem Anos de Solidão (que eu considero fantasia). Outro problema também é eles não enviarem literatura nacional, mas esse é outro assunto para outro dia. Na época em que esse panfleto apareceu nas timelines de diversos leitores, o resultado foi uma revolta generalizada, principalmente entre os leitores de YA que rapidamente rechaçaram a postura arrogante da TAG. Isso a ponto de o projeto perder alguns dos influenciadores digitais que os apoiavam (alguns dos quais jamais voltaram a se envolver com o projeto). Várias matérias apontaram os problemas de divulgação presentes na forma como eles apresentaram a novidade. Atingiu tamanha proporção que até o respeitado site PublishNews publicou uma matéria a respeito. Sobre como não fazer uma divulgação. Aliás, a divulgação ao lado faz algo pior: taxa o assinante da TAG Inéditos como alguém que não quer pensar e quer uma aventura rápida. Eles passaram uma ideia errada a respeito de como eles são cult dentro de um mercado cercado por publicações mais populares. Mas, a TAG na época pediu desculpas pelo ocorrido, retirou o panfleto do ar e vida seguiu.


Desde então eles contam com um catálogo respeitado com títulos como os da Buchi Emecheta, Michael Cunningham, Chinua Achebe, Toni Morrison e muitos, muitos outros. Mas, em nenhum momento apareceu um Young Adult, um scifi ou uma fantasia. Nada que lembrasse vagamente algo do gênero. Cada um no seu quadrado e vida que seguiu. Até que o Skoob lançou a nova versão do seu app. E a TAG também lançou um, visando criar sua própria versão de uma estante online de livros (como o próprio Skoob e o GoodReads). Mas, usuários da nova plataforma da TAG notaram a existência de algumas imagens de livros com o selo do Skoob e resenhas de livros que só estavam presentes na plataforma brasileira. O sinal de alerta foi ligado e o Skoob foi alertado sobre isso. Tudo isso se revelou uma transferência não autorizada de dados de livros feitas pelos programadores da plataforma da TAG. Eles transferiram tanto do Skoob como do GoodReads. Depois de notas e mais notas, a TAG recuou e parece estar tentando reformatar o seu serviço.


O que esses dois casos indicam? Segundo algumas pessoas mais envolvidas com o projeto da TAG e com o próprio mercado, há dois sintomas presentes na última iniciativa da TAG. A primeira delas é o retorno das críticas à questão de gênero já que o projeto sempre manteve esse distanciamento, considerando os materiais como literatura inferior. Uma postura bastante conhecida nos meios literários e que já teve declarações contestáveis feitas por pessoas como Kazuo Ishiguro e Ian McEwan. É enxergar ficção científica como se fossem livros para pessoas que querem ouvir o "pew-pew-pew" de raios lasers e que nunca cresceram. Ou de lunáticos que entraram no armário de Nárnia e nunca saíram de lá. O que a TAG não se atentou é quanto ao fato de haver um público ávido por Young Adults no mercado brasileiro. Livros de fantasia e ficção científica andam em um ritmo baixo e lento, mas os fãs de YAs são fieis e sempre buscam novidades. Editoras como a Morro Branco, a Seguinte, a Plataforma 21, a Intrínseca e a Galera Record perceberam esse filão. E quase tudo o que eles lançam faz sucesso, mesmo que sejam séries menos conhecidas.



Um segundo sintoma presente nessa confusão é a falta de conhecimento sobre o público leitor. Para que você quer o banco de dados de duas das maiores plataformas de compartilhamento de leituras da internet? Para que você possa montar um banco para compreender tendências e padrões para possíveis futuras ações. Acredito eu que a TAG possa estar pensando em entrar nessa seara em um futuro próximo. Principalmente a partir do sucesso da Escotilha que tem apenas um ano de vida, mas possui um bom feedback. Claro que ainda não é possível montar um diagnóstico sobre a Escotilha, mas é inegável que se ela tivesse que naufragar, já teria acontecido.


O projeto da TAG é extremamente necessário para o nosso cenário apocalíptico de literatura no Brasil hoje. Inovadores, ousados, inteligentes. A TAG é tudo isso. Mas, ela precisa mudar um pouco sua postura e deixar de ser 100% divulgadores para se tornarem uma parte curadores. Porque na maior parte das vezes, essas falhas de comunicação nas redes sociais revelam o desconhecimento do público ao qual eles se dirigem. São exímios divulgadores, mas propagadores muito ruins. Descer um pouco da torre de marfim para encarar um público numeroso que deseja algo divertido, inteligente e instigante. No mercado de gênero, temos autoras excelentes como a Claire North que publicou títulos interessantes como As Quinzes Vidas de Harry August, Touch ou The Sudden Appearance of Hope. Ou quem sabe apostar em uma Frances Hardinge com sua Árvore da Mentira ou A Canção do Cuco. Ou até um Brandon Sanderson que lançou Skyward e Coração de Aço, duas fantasias YAs que trazem à tona temas como heroísmo, coragem ou traição. Ou apostar em valores nacionais como o Eric Novello, a Jana Bianchi, o Waldson Costa, o Felipe Castilho, a Paola Siviero, a Ana Lúcia Merege e um sem número de outros autores nacionais. Uma plataforma como a TAG com um público tão numeroso poderia ser excelente para esses autores e para eles mesmos que ganhariam um novo fôlego com a entrada de outro público.


Minha esperança é sempre de ver esses projetos crescendo. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos.






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