Às vezes pegamos livros que achamos interessantes no começo, mas que se tornam muralhas intransponíveis com o passar do tempo. Seja uma história que não era o que você esperava, uma escrita difícil ou simplesmente o humor errado. O que fazer nessas horas? Persistir ou abandonar?
Todos os meses somos abarrotados de novos títulos chegando para nós. São livros e mais livros com opções que nos deixam ávidos por devorar todos. Nossas pilhas de leitura se multiplica como se tivessem vida própria. No começo tem uns cinco, depois dez, vinte e depois estão mais altas do que nós. Cada livro da pilha é um universo novo a ser conhecido, novos personagens para a gente curtir. Ao ver nossas pilhas crescendo chegamos a um ponto em que nos perguntamos se seremos capazes de ler tudo até o fim de nossas vidas. A impaciência aumenta principalmente quando aquele livro que você achava que levaria uns dois dias para terminar se transformam em 4, em 7 dias, em 1 mês. Um livro simples se torna um processo longo e tedioso, quase um sadomasoquismo onde uma história parece não sair do lugar. Você quer abandonar o livro, mas um orgulho quase primitivo lhe diz para continuar seguindo em frente. Mas, será que toda essa dor e chateação precisava ter acontecido? É preciso realmente terminar uma leitura?
Como alguém que tem como hobby a leitura e compartilho minhas impressões com vocês, já tive diversos momentos em que uma leitura simplesmente não avançava. A história parecia redundante e sem importância ou o livro tinha uma escrita travada. Aquele momento em que pensamos por que estamos fazendo isso com nós mesmos. Tenho amigos que não tem dificuldade em abandonar algo se não estão curtindo. Confesso que não consigo fazer isso com tanta frequência quanto gostaria. Só que hoje como produtor de conteúdo preciso otimizar meu tempo para trazer impressões e informações aos leitores com um menor espaço de tempo possível. Isso não significa que leio em uma alta velocidade; me considero um leitor comum comparado a outros colegas. Hoje entendo a necessidade de ler o que gostamos e perder menos tempo com o que não gostamos.
Muitos fatores podem levar a não conseguirmos avançar em uma leitura. O mais comum de todos é o nosso próprio momento. Cada indivíduo é único no sentido de que gostamos de algo dependendo do nosso humor, conjunto de conhecimentos, gatilhos de leitura, entre outros fatores. Pode ser que uma determinada leitura não nos agrade naquele momento específico de nossas vidas. Podemos não ter a maturidade suficiente para entender que uma temática que estamos achando sem graça seja essencial para a compreensão das linhas que tecem uma história. Aqui vale o mesmo conselho de uma releitura: volte em outro momento. Às vezes tudo o que falta é apenas um conjunto adequado de conhecimentos ou experiências de vida. Podemos ser sujeitos a gatilhos específicos de leitura. Alguma situação que nos remete a um livro, uma imagem ou até um filme. Livros podem sair de nossas pilhas e irem para nossas mãos instintivamente.
Uma leitura pode se tornar difícil por uma série de fatores também. A inabilidade do autor em criar uma história que engaje o leitor, o emprego de uma escrita truncada e difícil de ser compreendida, personagens incoerentes. Usei três exemplos, mas existe uma infinidade de outras situações. Talvez um dos aspectos mais complicados seja caminhar na linha tênue que separa escrever uma boa história e atender às expectativas dos leitores. Não vou entrar em discussões sobre a escrita criativa porque iremos abordar isso futuramente, mas é preciso pensar que o autor tem uma ideia de aonde ele deseja chegar. Não é possível pensar apenas em agradar ao leitor. Caso contrário, o livro se torna um patchwork de ideias arremessadas ao vento. Sem falar no próprio quesito coerência textual e narrativa.
Partindo desse ponto a gente precisa se conscientizar de que leitura é fruição, é entretenimento. Lemos para poder fugir por alguns minutos da realidade que nos cerca. Mesmo um livro acadêmico ou de não ficção nos retira de nosso cotidiano. Pode não ser algo fruitivo, mas atende a uma função específica. Livros de ficção nos inserem em outras realidades onde vivemos uma vida de acordo com o ponto de vista de outrem. A partir do momento em que uma leitura deixa de nos entreter, ela perde uma de suas principais funções. Entendo que alguns pensem que se trata de uma traição ou de um desrespeito a quem escreveu. Mas, não é o caso aqui. Leituras precisam nos acrescentar algo, ser aquele doce e secreto prazer da hora do almoço ou de um momento relaxante. Do contrário ela se torna um trabalho.
Vou usar um exemplo pessoal para descrever isso. Nos meus primeiros anos como produtor de conteúdo, tinha uma política de portas abertas a todos que desejassem enviar seus materiais a serem resenhados. Comecei a receber alguns livros e ebooks e lia com todo o carinho e atenção e o que fazia rapidamente se espalhou por outros autores. O que começou com um livro eventual, se tornou um por mês, dois, três, cinco. Até que em um mês insano foram dez. Por mais que goste de apoiar novos autores, muitos deles ainda estão engatinhando em seus processos de escrita. São leituras mais difíceis e que exigem um bom feedback da parte do crítico para que o autor possa aprimorar suas habilidades. Um bom conselho que o autor escolha escutar pode ser muito importante nessa difícil jornada. Só que eu acabava não conseguindo ler o que eu queria além de passar tempo demais em leituras que não eram agradáveis. Sem falar que o fato de eles fornecerem um livro "gratuito" parece fornecer o privilégio de cobrar prazos e dedicação. Ou até resenhas que sejam positivas porque sim. No começo do site, passei por situações bastante constrangedoras com alguns autores que jurei a mim mesmo nunca mais trabalhar com suas obras (sim, eu tenho a minha lista de personas non gratas assim como alguns autores devem me ter na lista deles). Decidi dar meu grito de independência e ler o que me agrada. Ainda faço publis? Raramente. Acho que sou lá muito marketável pelo meu baixo alcance geral e excesso de honestidade.
O meu conselho é sempre fazer o que você gosta. Nosso horário de lazer é sagrado e nesses tempos modernos e insanos devemos aproveitá-los com mais qualidade. Realizar atividades que nos acrescentem algo. Já dizia o educador Paulo Freire: "É preciso que a leitura seja um ato de amor." Cultive esse amor ao se engajar em suas leituras. Se um livro não te interessar, não tenha pudores em deixá-lo. Pode não ser a hora certa para lê-lo, pode ser que o livro pertença a um gênero que você não gosta ou simplesmente não houve química entre o leitor e o livro. Carpe Diem! Sempre.
Tem aqueles livros com um início morno, passando até mesmo primeira metade, que nos fazem questionar a continuidade da leitura, mas que desenvolvem de forma incrível posteriormente Sem pensar muito eu citaria o 'Irmãos Karamazov" do Dostoiévski, que tem umas 300-400 páginas de murrinhagem até pegar fogo com um assassinato, e o "Hex" do Thomas Olde Heuvelt. O "Hex" tem uma trama incrível que atiça a nossa curiosidade, mas que se desenvolve de forma meio morna. Contudo, o final...pqp.....acho que é o final mais incrível que já li num livro.